Em 2003, Keith Rabois, há tempos investidor e executivo do Vale do Silício, teve uma ideia ambiciosa: queria lançar um site que ofereceria instantaneamente preços justos para sua casa. Se você aceitasse a oferta, o site concordaria em comprar o imóvel na hora, fechando o negócio em uma questão de dias.
Para Rabois, o plano parecia óbvio: as casas são a coisa mais cara que a maioria das pessoas tem e, no entanto, são as mais difíceis de comercializar—de vender rapidamente se você precisa se mudar ou está de alguma maneira precisando de dinheiro na hora. Mas a tecnologia poderia resolver isso.
Analisando uma grande quantidade de informação de venda, a empresa poderia chegar a um preço exato para a maioria das casas, e então a startup compraria as propriedades, cobraria uma taxa de conveniência das pessoas e venderia em um prazo maior de tempo.
Havia apenas um problema: na época, o Vale do Silício estava envolvido no colapso das empresas de internet e ninguém aceitaria financiar um plano tão caro. Então, Rabois guardou a ideia por mais de uma década. Em 2014, com um clima melhor, ele e vários parceiros abriram uma empresa de compra de casas, chamada Opendoor.
Desde então a companhia conseguiu mais de US$ 300 milhões com a venda de ações e fez empréstimos de mais de US$ 500 milhões. A companhia planeja operar em dez mercados até o final do ano.
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No processo, a Opendoor também se tornou um modelo para um novo tipo de estrelas da tecnologia, que podem ser chamadas de startups gordas.
As startups gordas
Durante grande parte da década passada, investidores de tecnologia se apaixonaram por empresas de software que podiam crescer rapidamente com pouco dinheiro— como o Instagram, que levantou menos de US$ 60 milhões antes de ser comprado pelo Facebook por US$ 1 bilhão.
Mesmo o Uber, que conseguiu bilhões de dólares para se expandir, atraiu investidores com a promessa de baixos custos operacionais, já que não possui carros nem emprega os motoristas.
Mas, desde então, os mercados de capital modernos se abriram para oportunidades muito maiores para os empreendedores de tecnologia. Eles foram abençoados com acesso essencialmente ilimitado ao dinheiro, e ideias que um dia pareceram muito caras, muito arriscadas ou apenas muito malucas agora estão saindo do papel.
Essas startups são gordas — com capital, ambição para mudar a indústria e, para seus críticos, muita arrogância.
Veja como Elon Musk, executivo chefe da Tesla e da SpaceX, está construindo seus carros elétricos em uma fábrica automatizada gigante, com tetos solares, foguetes e, como hobby, uma empresa que faz túneis. Existem startups tentando criar transportes rápidos de Hyperloop e outras trabalhando em veículos voadores.
A Opendoor segue esse modelo. Seus planos são precários: a empresa enfrenta competição crescente, custos de operação altos e — como estamos falando de um mercado que causou a crise financeira global – a possibilidade de uma implosão imprevista.
Mas, se funcionar, a Opendoor pode ser transformadora; tornando a compra e a venda de casas tão fácil como trocar de carro, pode alterar a economia por todo o país e mudar a maneira como as pessoas encaram a casa própria.
“O setor imobiliário é uma classe de ativos de US$ 25 trilhões – as pessoas gastam mais em moradia do que em alimentação, transporte, saúde e educação”, afirma Eric Wu, fundador e executivo-chefe da Opendoor. “Achamos que podemos fazer esse mercado funcionar muito melhor do que hoje.”
Até agora, a Opendoor está crescendo rapidamente. Em geral, o serviço funciona da maneira como Rabois imaginou originalmente. Se você quer vender uma casa dentro da faixa de preço da Opendoor, vai ao site, escreve o endereço, responde algumas questões e então espera pelo e-mail da empresa.
A companhia tem cientistas de dados que desenvolveram um sistema sofisticado de modelo de preços de casas. A Opendoor foca no mercado mediano e não vai comprar casas ruins nem muito luxuosas, para as quais a dinâmica de preços não é previsível. Se sua casa está dentro desses critérios, ela mandará uma oferta que vai refletir as melhores estimativas do valor da propriedade.
Um número surpreendente de pessoas está dizendo sim para as ofertas da Opendoor. Wu afirma que cerca de 30% das pessoas que pedem uma avaliação decidem aceitar o valor da empresa.
A Opendoor não quis fornecer os números de receita e crescimento, mas, como as informações de venda de casas são públicas, analistas externos puderam acompanhar o progresso da empresa.
Assim que compra a sua casa, ela faz as reformas necessárias e depois a coloca à venda. Em média, repassa a casa em cerca de 90 dias.
Um ano atrás, segundo uma análise de Mike DelPrete, conselheiro independente de tecnologia imobiliária, a Opendoor estava vendendo cerca de 50 casas por mês em Phoenix, na época seu único mercado. Os negócios aumentaram sem parar desde então.
Em fevereiro, a Opendoor comercializou mais de 300 casas em Dallas, Las Vegas e Phoenix. A empresa planeja lançar seus serviços em breve em um novo mercado, Atlanta.
A companhia também vem agilizando outras partes do processo imobiliário. As casas que ela vende estão equipadas com câmeras, sensores e fechadura de portas habilitadas pela internet, permitindo que compradores potenciais destranquem as portas com o aplicativo da Opendoor e entrem e saiam na hora que quiserem.
Ela também começou uma operação de corretagem de hipotecas, assim os compradores podem acelerar o acesso ao capital —um precursor em potencial da oferta de financiamento próprio.
A ideia é ótima, mas os desafios são grandes
No entanto, a Opendoor enfrenta enormes obstáculos, incluindo a competição.
Duas outras startups, a Offerpad e a Knock, estão oferecendo serviços parecidos. E recentemente o portal imobiliário Zillow começou um programa piloto que conta com muitos investidores, incluindo a Offerpad, para dar lances instantâneos por casas em Las Vegas e em Orlando, na Flórida.
A Opendoor quer ficar na frente oferecendo um serviço mais amigável ao cliente e expandindo-se rapidamente. Wu afirma que, à medida que a empresa cresce, vai poder deixar o negócio mais eficiente, permitindo reduzir muito mais a comissão — e até mesmo se aproximar da paridade com o processo tradicional de venda.
Mas os custos da Opendoor são altos, o que dificulta atingir essa meta. Em uma avaliação, DelPrete e outro analista imobiliário, Sib Mahapatra, estimam que, por causa dos altos custos de possuir e manter cada casa por cerca de três meses, a Opendoor consegue apenas oito mil dólares de lucro na venda de uma casa em Phoenix. Ela também depende muito da apreciação do imóvel; em média, vende cada casa por cerca de 5,5 por cento mais do que pagou.
“Há obviamente um apelo substancial por esse produto”, afirma Mahapatra. “Mas minha questão é: ‘Será que outros concorrentes da mesma linha podem reproduzir essa consistência, mas de maneira mais barata?’”
Além disso, existe um cenário de pesadelo: uma quebra no mercado imobiliário.
Parte do motivo pelo qual a Opendoor está se expandindo para novos mercados é para evitar as vicissitudes do negócio. O maior risco da empresa é possuir todas aquelas casas; se algum tipo de desastre acontecer em Phoenix e a venda de imóveis despencar, a Opendoor se veria com centenas de imóveis que não conseguiria vender. Operando em vários mercados, segundo Wu, a empresa pode se proteger de quebras localizadas.
E se houver uma correção no país todo? Wu explica que sua equipe fez simulações de quebras anteriores, incluindo a de 2008, e descobriu dois cenários. Primeiro, o negócio pode ir mais devagar por alguns anos e depois melhorar junto com o mercado. Ou seria capaz de até mesmo ganhar mais, porque os vendedores poderiam decidir pagar uma bonificação mais alta para conseguir uma determinada oferta.
“Existe uma chance de podermos prosperar em tempos de volatilidade”, diz Wu.
Parece loucura? Bem, estamos falando de um site que vai fazer uma oferta pela sua casa sem vê-la. Tudo sobre isso é maluquice. Mas esse é o negócio da tecnologia hoje, e, quem sabe, isso pode funcionar.