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O aumento na taxa básica de juros, a queda na renda dos trabalhadores, o endividamento das famílias e a perspectiva de um crescimento econômico mais lento devem desacelerar a recuperação do mercado de trabalho em 2022, após um ano de forte expansão. Porém, para algumas atividades o ritmo de contratações deve continuar bastante aquecido neste ano, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo.
Em 2021, o país criou 2,73 milhões de empregos com carteira assinada, e a taxa de desemprego recuou de 14,2% para 11,1% num intervalo de 12 meses, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e do IBGE, respectivamente.
No primeiro mês de 2022, o país gerou 155 mil empregos com carteira assinada, já descontadas as demissões. O número é quase 40% menor que o de janeiro de 2021 (257 mil), mas supera em 67% o saldo de igual mês de 2020 (93 mil). A taxa de desocupação, por sua vez, oscilou ligeiramente para cima, chegando a 11,2% no trimestre móvel encerrado em janeiro.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, aponta que a tendência para este ano é de que a força de trabalho – pessoas trabalhando ou em busca de ocupação – cresça vegetativamente, com mais gente entrando do que saindo. Porém, a expansão na ocupação vai depender muito do desempenho da economia. A mediana das projeções coletadas pelo relatório Focus, do Banco Central, indica para uma expansão de 0,49% no PIB em 2022. Mais otimista, o governo prevê alta de 1,5%, mas até dias atrás a projeção era maior, de 2,1%.
Outro fator que contribui para um cenário mais delicado no emprego é a falta de confiança das empresas. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice de Confiança Empresarial voltou a cair em fevereiro e retornou ao menor nível desde abril de 2021. O ponto positivo é que, depois de quedas nos quatro setores pesquisados no primeiro mês do ano, em fevereiro a confiança do comércio e da construção voltou a subir. Indústria e serviços, porém, mantiveram a tendência de queda.
Uma das áreas que mais deve ser afetada, segundo Sanchez, é a de bens de consumo duráveis. “Dois fatores pesam contra: o crédito, impactado pela alta na taxa de juro, e a antecipação no consumo desse tipo de bem, nos últimos dois anos”, diz.
A economista para a América Latina da seguradora de crédito Coface, Patrícia Krause, avalia que o mercado de trabalho deve se recuperar, daqui para a frente, de forma mais devagar. Isso porque o endividamento das famílias está em patamares recordes (chegou a 51,94% da renda anual em novembro, segundo o Banco Central) e a renda real, em queda (encolheu 10,76% ao longo de 2021, segundo o IBGE).
Conforme pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a proporção de famílias com dívidas ou contas em atraso chegou a 27% em fevereiro, o maior patamar em 12 anos.
O Bradesco projeta uma desaceleração no ritmo de contratações do mercado formal, da média de 225 mil empregos mensais no ano passado para algo em torno de 70 mil mensais. “A força de trabalho deverá encontrar uma economia em desaceleração, aumentando a dificuldade de absorção desta parcela para a população ocupada.”
Mas há atividades que vão continuar mais aquecidas em termos de contratações, apontam especialistas em mercado de trabalho ouvidos pela Gazeta do Povo. “2022 segue bem movimentado, com várias áreas se destacando”, enfatiza Juliana Ribeiro, gerente executiva da Page Personnel.
Concessões devem movimentar áreas de construção e infraestrutura
Uma área em que está havendo grandes movimentações, segundo Juliana Ribeiro, é a da infraestrutura. Ela está sendo alavancada pelo programa de concessões do governo federal, que abrange rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. “E, além disso, há os segmentos de energia, óleo e gás”, cita. Juliana destaca que essas áreas envolvem uma grande cadeia produtiva.
Segundo ela, com muitos projetos em andamento, as concessões impulsionam a contratação de muitos profissionais. E o fato de que neste ano haverá eleições contribui para avanços nesta área. “A construção também se beneficia, por causa dos juros baixos lá atrás, que possibilitaram o andamento de muitos projetos.”
Mais emprego em tecnologia da informação
Outra área em forte expansão é a da tecnologia da informação. “O mercado está bem aquecido e a demanda por profissionais é grande. É um outro mundo, se comparado a 2020”, diz Leonardo Berto, gerente da Robert Half. As empresas estão procurando por profissionais que atuem em áreas diversas como metaverso, inteligência artificial e robotização.
Em muitos casos, esses profissionais estão sendo disputados por empresas no exterior, que pagam em dólar, lembra a gerente executiva da Page Personnel, Juliana Ribeiro. “E quem oferece a possibilidade de trabalho remoto sai na dianteira”, complementa.
Um relatório feito pela edtech Tera, em parceria com a Mindminers, aponta que as carreiras com os salários mais altos são Product Management e Desenvolvimento de Software, em que mais da metade dos profissionais afirmam ganhar acima de R$ 10 mil por mês.
“As vagas não estão só em empresas de TI”, destaca a especialista da Page Personnel. Ela destaca que há um grande processo de transformação digital em curso nas empresas e que áreas como segurança de dados, experiência do consumidor e inteligência de mercado são bem valorizadas.
Em expansão, agronegócio também tem oportunidades
Outra área em que há boas oportunidades de emprego é o agronegócio. Segundo especialistas, o bom desempenho do setor se reflete em expansão na mão de obra do setor.
Pesquisas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP mostram que o faturamento do agronegócio nacional chegou ao recorde de US$ 120 bilhões no ano passado, 18% a mais que em 2020.
Pesquisadores do Cepea apontam que o forte crescimento da demanda mundial por alimentos, aliada a uma oferta mais restrita em importantes países produtores, levou à apreciação dos preços em dólar. O óleo de soja, por exemplo, teve uma alta de 78%.
As cotações de commodities agrícolas continuam em alta neste ano, em especial após o início da guerra na Ucrânia, o que deve continuar impulsionando a renda no campo.
Logística e saúde também se destacam nas ofertas de trabalho
Quem também deve ter um bom desempenho, segundo o especialista da Robert Half, é o segmento de logística, seja ele nacional ou internacional. "Por causa de problemas como a falta de espaço nos navios ou a crise dos semicondutores, eles estão trocando a roda com o carro andando", diz Berto.
Juliana Ribeiro, da Page Personnel, aponta que a pandemia contribuiu para o avanço das compras on-line e do delivery, o que movimenta a área da logística. "Houve uma ampla revisão de processos e reestruturação de áreas", diz. Segundo ela, há boas vagas nas áreas de armazenagem, malha de distribuição e comércio exterior. Ela também vê mais oportunidades de trabalho na ponta final, ou seja, na busca de soluções que facilitem a entrega.
Berto destaca que outra área que está em alta é a da saúde. E quando se refere à área, ele não se restringe somente aos hospitais. “Toda a cadeia de serviços está sendo impactada favoravelmente. De laboratórios e serviços de diagnóstico à rede farmacêutica.”
O perfil cobiçado pelas empresas, e as empresas que os profissionais buscam
Apesar de as vagas pertencerem a segmentos diferentes, há pontos em comum entre elas, apontam os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo: as empresas querem profissionais flexíveis, com adaptabilidade e resiliência; que pensem estrategicamente no modelo de negócios; inteirados em novas tecnologias; e que busquem, constantemente, novas qualificações.
Por outro lado, de acordo com os especialistas, os profissionais buscam empresas estruturadas, que ofereçam um plano de carreira, possibilitem a conciliação entre trabalho e vida pessoal e tenham incentivos à educação.
O profissional que atua por projeto também encontra muito espaço no mercado de trabalho, diz Berto, da Robert Half. “Muitas empresas estão analisando, com segurança, como o mercado vai se comportar.”