A Qualicorp, corretora de seguros e administradora de benefícios, assinou contrato de obrigação de não alienação de ações e não competição de negócios com José Seripieri Filho, que é o diretor presidente e acionista detentor indireto de cerca de 15% do capital. Pelos termos do acordo, divulgado nesta segunda-feira (1.º) junto à ata do conselho de administração que aprovou a medida, Seripieri receberá o pagamento de R$ 150 milhões à vista, líquido, como indenização. Acionistas estão “abismados” com acordo e um analista o avalia como um dos maiores escândalos do mercado de capitais desde o caso da operadora Oi.
Seripieri Filho está obrigado pelo prazo de seis anos a não vender 13.652.913 ações que detém, “equivalentes a 150% do valor da indenização, independentemente de exercício ou não de cargo de administrador pelo acionista, com ajustes periódicos de quantidades de ações sujeitas à não alienação de acordo com a variação do preço de negociação das ações na B3 e com liberações parciais a partir do 48.º mês”, segundo o comunicado sobre transações entre partes relacionadas.
Também conforme o acordo, Seripieri está obrigado a não competir com os negócios da companhia e não solicitar qualquer cliente, fornecedor, distribuidor ou qualquer pessoa a deixar seu emprego ou deixar de prestar serviços para a Qualicorp. O prazo de vigência da obrigação de não competição poderá ser estendido por dois anos, a qualquer tempo daqui a até cinco anos da assinatura do contrato, com pagamento de indenização adicional.
Se as obrigações assumidas não forem cumpridas, o acionista está sujeito a multa de até 150% do valor da indenização. Em ata da reunião do conselho, ocorrida em 25 de setembro, consta que o executivo, que é membro do colegiado, não participou das discussões.
Segundo empresa ele pode sair se devolver “valor proporcional”
A diretora financeira e de Relações com Investidores da Qualicorp, Grace Cury Tourinho, durante teleconferência com analistas, que o executivo “pode sair a qualquer momento”, ao longo dos seis anos do contrato. “Mas que se ele quiser sair, vai ter que respeitar na íntegra o acordo e devolver o dinheiro (proporcionalmente).”
Segundo Grace, a Qualicorp poderá decidir se o prazo de seis anos será estendido por mais dois. Ela afirmou que, no quinto ano, apenas por vontade da companhia, este prazo pode ser estendido para oito anos.
Outra possibilidade, disse a executiva na teleconferência, é a de que, no quarto ano do contrato se decida por uma ampliação para até sete anos.
Questionada por um analista sobre quanto custaria essa ampliação, a executiva informou que o valor será semelhante ao pago proporcionalmente por ano, reajustado pela inflação. Ou seja, de cerca de R$ 25 milhões adicionais a cada ano. “Se a companhia entender que ele deve permanecer mais tempo, podemos tomar essa decisão”, afirmou.
O valor pago ao executivo, reforçou Grace, equivale a uma remuneração média calculada por três consultorias (McKinsey, Spencer Stuart e Mercer). “O valor equivale à remuneração de executivos com a mesma posição”, disse. A McKinsey esclareceu, por meio de sua assessoria de imprensa, no entanto, “que não atua em qualquer definição referente a mérito ou valor de acordos de não competição com executivos”.
Segundo ela, o mercado de saúde passa por um momento de transição, em que os clientes não conseguem mais absorver determinados reajustes, e que Seripieri “é uma pessoa ímpar, que ninguém acha” no mercado.
Empresa reforça que executivo não é controlador da companhia
Mais tarde, nesta segunda-feira (1.º), a empresa esclareceu alguns pontos, por nota. Disse que “o referido contrato não pode ser rescindido antes do final do prazo de seis anos, mesmo que José Seripieri Filho deixe de atuar como administrador”. Ainda segundo a empresa, “apenas em caso de tomada hostil de controle ou da destituição da maioria do Conselho antes do final do respectivo mandato, Seripieri Filho poderia rescindir o contrato antes do final do prazo desde que reembolse à companhia o valor da indenização na proporção do prazo ainda não cumprido”.
Acordo da Qualicorp pode ser maior escândalo societário desde Oi
O acordo de “não competição” entre Qualicorp e seu presidente e fundador, José Seripieri Filho, pode ser, sob o prisma das informações públicas até aqui, “o maior escândalo societário do mercado brasileiro desde o caso Oi”, avalia Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), que representa acionistas minoritários com um conjunto de investimentos que supera R$ 600 bilhões. Nesta segunda-feira (1.º), as ações da companhia chegaram a cair mais de 30%, negociadas a R$ 11,25.
“É preciso uma ação incisiva da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério Público (MP) e dos acionistas”, disse Cunha. Segundo ele, esse tipo de transação configura transferência de valor da companhia para o controlador, por meio do pagamento de um “prêmio de controle escondido”.
Cunha, da Amec, destaca que a empresa está efetuando um pagamento para algo que o executivo já possui dever fiduciário. Além de presidente da companhia, o executivo é membro do conselho da companhia.
Cunha frisa, ainda, que tal acordo, se não punido, irá prejudicar todo o mercado de capitais brasileiro, colocando a credibilidade do mesmo em risco. Os acionistas minoritários da Qualicorp, segundo o presidente da Amec, estão “abismados” com o acordo divulgado pela companhia.
No caso da Oi há alguns anos, houve questionamentos e reclamação de acionistas minoritários de que a reestruturação proposta pela empresa transferiria indiretamente dívidas dos controladores para a tele.