A NewCo, empresa que vai surgir a partir da venda da divisão de aviação comercial da Embraer para a Boeing, vai poder competir diretamente com a produção de jatos executivos da fatia brasileira da Embraer que ficou de fora do negócio. A possibilidade de concorrência está prevista no documento que será levado para a aprovação de acionistas em assembleia na terça-feira (26).
O trecho do texto que abre espaço para a competição direta no mercado de aviões de menor porte gerou ruído entre acionistas nas últimas semanas. A associação de minoritários Abradin diz ter sido informada tardiamente sobre o assunto.
"Esse material só foi disponibilizado na véspera de Natal, num calhamaço enorme, para ninguém saber de nada. Eles fazem de tudo para que acionistas e governo não tenham conhecimento do teor das negociações", diz Aurélio Valporto, presidente da Abradin.
Procurada, a Embraer afirma que "vem mantendo o mercado consistentemente informado das tratativas e evoluções relativas à transação com a Boeing, cumprindo com todas as normas referentes à divulgação de informações". A Boeing não se manifesta.
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De acordo com um dos parágrafos do documento, a empresa resultante da transação -controlada pela Boeing- poderá incorporar propriedade intelectual da Embraer no lançamento de aeronaves civis de até 50 assentos, desde que tente negociar algum acordo para que a Embraer seja parceira preferencial no projeto.
Mas se não chegarem a um acordo, a NewCo ficará livre para lançar o avião sozinha ou com outros parceiros. Os jatos executivos se encaixam na categoria de até 50 lugares.
O acordo Boeing/Embraer noticiado desde o ano passado destacou que o braço de aviação executiva da Embraer ficaria preservado no que restará da brasileira.
Do negócio saem duas empresas: a fabricante de aeronaves comerciais NewCo, da qual a Boeing possuirá 80%, e a joint-venture para o KC-390, em que Embraer ficará com 51% e a Boeing, 49%. A Embraer SA permanece com seus braços de aviação executiva, defesa e serviços.
Pouca clareza
Especialistas consultados pela reportagem afirmam que o trecho do documento é pouco claro, mas abre espaço para a Boeing ir além da aviação comercial, que é o foco da transação.
Para Ricardo Botelho, especialista em direito concorrencial do Marchini Advogados, não está descartada a possibilidade de a empresa resultante atuar em aviação executiva.
"O que foi vendido na imprensa é que a Embraer teria a aviação executiva incólume. Não é verdade", afirma Paulo Dóron Araújo, professor de direito dos contratos da FGV Direito SP.
Para o professor, trata-se de uma "cláusula de derrota da Embraer". Lido isoladamente, o parágrafo comunica uma desvantagem para a fabricante brasileira, mas ele pode ter sido trocado por outra vantagem no histórico das negociações, como uma elevação no preço de venda do controle do braço de aviação comercial ou outros termos.
Internamente, executivos da fabricante brasileira afirmam entre si que, apesar do parágrafo, a transação foi construída com espírito de cooperação, e não de canibalismo.
Nas conversas, argumentam que a concorrência no segmento de jatos particulares não faz sentido no atual cenário porque não é o carro-chefe da Boeing. Além disso, justificam que o mercado de aviação executiva está saturado, diferentemente do cenário anterior a 2009, quando estourou a crise financeira americana, encolhendo a demanda por jatinhos.
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A cláusula serviria, portanto, para o caso de a Boeing, por meio da NewCo, querer, no futuro, explorar o segmento de até 50 assentos para voos curtos de aviação regional.
A aviação executiva é relevante no negócio da Embraer. Na divulgação de resultados do terceiro trimestre de 2018, a companhia informou que o segmento saltou para uma participação de 27,2% da receita líquida da companhia, ante 16,6% no mesmo período do ano anterior.
Em 2018 até setembro, a fabricante brasileira entregou 55 aeronaves executivas, alcançando receita líquida de R$ 2,43 bilhões para o segmento no acumulado do ano.
Entre seus modelos mais emblemáticos na área de aviões executivos estão os jatos Legacy e Phenom.
A deliberação dos acionistas marcada para terça-feira é um dos últimos passos para a concretização do negócio. Depois disso, o acordo final poderá ser assinado pelas empresas e seguir para análise das autoridades reguladoras brasileiras e internacionais.
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