Cada caso, um caso
A estagnação da economia afeta as empresas e seus trabalhadores de formas diferentes:
Avanço cauteloso
O faturamento da Cinq Technologies, de Curitiba, cresceu 9% em 2014, para R$ 17,5 milhões. A meta é chegar a R$ 20 milhões em 2015. Mas o presidente da empresa, Edson Althoff, está cauteloso. É que boa parte do avanço do ano que vem já está contratada, porque os softwares que a Cinq desenvolve são projetos de longo prazo. A dúvida é sobre o que virá depois. "Prestamos serviço para a indústria, para empresas de telecomunicações, de transporte aéreo. Como a morosidade da economia parece que vai continuar, nossos clientes estão freando os investimentos", diz Althoff.
Dois ramos, dois cenários
A curitibana Embafort fecha 2014 com perda de 15% a 20% nas receitas. Em 2015, espera ao menos um empate. Fabricante de embalagens de madeira (pallets), ela sofre com a retração de indústrias como a automotiva e a metal-mecânica. Mas uma divisão mais nova da empresa começa a dar frutos: a fabricação de estruturas de telhados e sistemas construtivos, principalmente para programas habitacionais. "Em três anos, a fatia dessa área no faturamento deve subir de 20% para 60%", diz o empresário Humberto Cabral. O trunfo da empresa é sua aposta em inovação, à qual destina mais de 5% do faturamento: "Na crise, é preciso criar alternativas".
Mais distribuidores
A Tecnoflex fabrica mobiliário corporativo: mesas de trabalho, cadeiras, divisórias, arquivos. O problema é que, neste momento, não são muitas as empresas que pensam em abrir ou reformar instalações. Ainda assim, a empresa de Quatro Barras, na Grande Curitiba, espera crescer até 40% em 2015. "Atuando em mais lugares, vamos compensar o avanço mais lento do mercado", explica Márcio Duarte, diretor-executivo. A Tecnoflex começou 2014 com distribuidores em oito capitais brasileiras; agora, está em 16. Ao longo do ano, duplicou a capacidade de sua fábrica, que vai empregar mais gente. "Hoje temos 120 pessoas na produção, e chegaremos a 180", diz Duarte.
Sangue nos olhos
João Guilherme Mercer foi vendedor de imóveis até notar que "a curva estava despencando". Em 2013, foi trabalhar em uma loja de revestimentos, a Pastilhart. "As construtoras passaram a entregar os apartamentos peladinhos, e ví aí uma oportunidade", explica Mercer, que se diz otimista com 2015. "A gente vê restaurante com mesa sobrando, loja de carro parando de vender, serviços sentindo o drama. Mas quem busca alternativa não tem crise." É o caso dos donos da Pastilhart, diz ele: "São jovens, têm sangue nos olhos. Batemos meta até no Carnaval e na Copa." O risco, avalia, é se o dólar chegar perto de R$ 3. "Aí pode complicar, porque um dólar tão caro passa ao consumidor a ideia de crise."
Negociação dura
O secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, Jamil Davila, prevê que 2015 será tão difícil quanto 2014, principalmente para o setor automotivo, onde está boa parte dos trabalhadores representados pelo sindicato. A produção paranaense de veículos caiu 21% no ano e, até novembro, quase 4 mil vagas foram cortadas em montadoras e fábricas de autopeças o número não inclui 206 demissões anunciadas pela Volvo. "As negociações salariais devem ser mais duras", diz Davila. A esperança de uma melhora está nos novos produtos das montadoras. A Volkswagen, por exemplo, começa a produzir em 2015 o novo Golf e dois modelos da Audi.
Inflação quase no teto, dólar mais caro, juros em alta e crescimento econômico próximo de zero. Foi o que tivemos em 2014, e é o que nos espera em 2015.
INFOGRÁFICO: Veja o que os bancos e consultorias projetam para 2015
Apesar da mudança no comando do Ministério da Fazenda, até o governo sabe que a esperada correção de rota da economia brasileira não trará resultados tão cedo e que, antes de melhorar, pode ser que alguns números até piorem um pouco.
Para reequilibrar as contas públicas, cuja desordem alimentou inflação e dívida pública nos últimos anos, o governo pensa em cortar despesas inclusive investimentos e elevar impostos. Medidas que, no jargão econômico, são chamadas de "contracionistas", por provocarem retração da atividade.
Não apenas os tributos federais devem subir. Com buracos no caixa, prefeituras (como a de Curitiba) e estados (como o Paraná) estão reajustando alíquotas. "Se a economia crescer 0,5%, será um feito a ser estudado. Seria a primeira vez que um aumento de impostos geraria crescimento", diz João Basilio Pereima, chefe do Departamento de Economia da UFPR.
Os repasses de recursos públicos para Caixa, Banco do Brasil e BNDES tendem a cair ou cessar e os juros subsidiados do banco de fomento, subir. O que, em paralelo à alta da Selic e das taxas dos bancos comerciais, pode inibir o já hesitante investimento privado. Tais medidas afetariam também o consumo das famílias, que perde vigor há algum tempo.
Impasse
Ao mesmo tempo em que eleva juros e estuda cortar gastos, o que ajudaria a segurar a inflação, a equipe econômica admite soltar as amarras de tarifas públicas em 2015, o que daria gás à alta dos preços. E a recuperação da economia dos Estados Unidos, a princípio uma notícia boa, traz consigo uma boa chance de alta dos juros americanos o que joga para cima as cotações do dólar e põe lenha na inflação.
As decisões difíceis que o governo precisa encarar dão ideia do grau das distorções que nossa economia acumulou nos últimos anos. "Todos esses ajustes são necessários e é positivo que sejam feitos, mas tendem a conter o crescimento", diz Maurício Molan, economista-chefe do banco Santander. "Além disso, variáveis como a inflação não vão reagir imediatamente ao enfraquecimento da economia, o que vai passar a impressão de que o sacrifício não está dando resultado."
Samy Dana, professor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP, espera um ano difícil, "mas menos que 2014". "Temos um problema desafiador. Mas, se o PIB crescer o quanto o mercado espera, já será melhor que 2014", diz. Dana vê uma série de fatores jogando contra a economia brasileira. Um dos poucos pontos favoráveis pode vir justamente da alta do dólar, que, se por um lado vai elevar os custos de boa parte da indústria, por outro pode ajudar os exportadores.
Pessimismo
Mais pessimista que a média dos bancos e consultorias, o economista-chefe do banco Santander, Maurício Molan, prevê uma alta de 0,3% no PIB no ano que vem. Ele vê a inflação chegando a 6,8% e a Selic subindo até 12,5% ao ano, e também crê que o desemprego, hoje em 4,7% nas regiões metropolitanas, possa subir 1 ou 1,5 ponto porcentual até o fim de 2015. "Só não subiu até agora porque muita gente deixou de procurar emprego."
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