O Brasil e a Argentina precisam estabelecer metas e políticas em comum ou perderão oportunidades no cenário global de forte demanda por alimentos. A conclusão é dos empresários argentinos Gustavo Grobocopatel, do Los Grobo, e Antonio Aracre, da Sygenta Agro, e brasileiro Nelson Vas Hacklauer, da BRF Cone Sul, além do analista argentino Dante Sica, que participaram nesta quinta-feira de um debate em Buenos Aires promovido pela Embaixada do Brasil na Argentina e pela Câmara Empresarial Brasil-Argentina.
"Os setores público e privado na Argentina parecem ter agendas paralelas, enquanto no Brasil é comum ver uma dinâmica comum de funcionários que assumem cargos no setor privado e vice-versa", disse Grobocopatel. De acordo com ele, a capacidade empreendedora da Argentina está sufocada pela falta de recursos. Grobocopatel criticou o discurso da presidente Cristina Kirchner em defesa da distribuição de renda, penalizando, segundo ele, o setor privado. "É preciso ter equilíbrio entre a distribuição e os empreendimentos", opinou. Grobocopatel disse que as dificuldades da globalização só podem ser combatidas com mais integração, com maior fluxo de comércio e intercâmbio entre todos os países nos diversos segmentos. "O problema é que tomamos medidas de curto prazo que se transformam em longo prazo e a proteção prejudica os consumidores", afirmou, em clara referência às barreiras ao comércio, implementadas especialmente pela Argentina. O empresário argentino afirmou que as decisões governamentais no atual cenário determinarão se o Mercado Comum do Sul (Mercosul) pode se transformar num ganhador ou perdedor.
"Estamos em frente a uma nova revolução industrial. A anterior teve como centro a Inglaterra; esta pode ter como centro o Mercosul. É uma revolução industrial nova porque as plantas são verdes. A soja e o milho vão ser como as fábricas daquela revolução", comparou. Conforme Sica, da consultoria Abeceb, moderador do debate, a Argentina e o Brasil respondem por 43% da produção mundial de soja e, em 2020, vão superar os 51%.
Para Antonio Aracre, da Syngenta, é importante entender que o mundo mudou. Destacou que há 30 anos o plantio de um hectare alimentava somente duas pessoas; nesta década, com o mesmo hectare, são alimentadas quatro pessoas, mas a demanda mundial, especialmente da Ásia, requer que um hectare alimente seis pessoas. Segundo ele, com o uso de tecnologia isso é possível.
O que preocupa, segundo ele, é saber quem vai liderar as normas que regulamentam a agenda para que estas tecnologias sejam aplicadas. "Se continua sendo manejada por quem a maneja atualmente, basicamente os europeus, os países emergentes que necessitam de mais consumo, proveniente de Ásia, e os que fornecem os alimentos, a América Latina, terão possibilidade muito menor de desenvolver essas tecnologias", alertou. Neste sentido, ele defendeu que o Brasil e a Argentina assumam a liderança política da produção e comercialização dos alimentos no mundo.
O executivo brasileiro da BRF, Nelson Vas Hacklauer, por sua vez chamou a atenção para a demanda de proteína que deve superar 400 milhões de toneladas em 2050, conforme estudo do Banco Mundial. "O consumo de proteína animal vai ter um crescimento per capita em todas as regiões e, com mais ênfase na Ásia - China e Indonésia, porque detêm 40% da população mundial e vão experimentar crescimento econômico acima de 5% ao ano", observou. "Temos que tomar cuidado porque Brasil e Argentina têm vantagens estruturais que os países demandantes não têm, como a disponibilidade de água. E estão localizados onde podem aumentar a produção em 70% com tecnologia; os demais produtores já se encontram no limite. Neste cenário, ele disparou críticas ao Mercosul e defendeu a liberdade de negociações bilaterais. "O Mercosul está estagnado, não tem evoluído e não tem trazido benefícios para os parceiros e impedem as negociações bilaterais", afirmou.
Segundo ele, a falta de alinhamento entre o Brasil e a Argentina impediu a negociação de acordo com a Europa. "Acho que vamos ter barreiras sanitárias provenientes desse não acordo e existe um grande produtor de proteína que é o Japão e a China. Temos que nos alinhar de maneira urgente", defendeu.
O executivo também apontou para o Brasil, que precisa fazer sua lição de casa. "O Brasil necessita de infraestrutura logística, de portos. A logística do Brasil se transforma em um caos no momento da safra. O exportador já desconta US$ 20 por tonelada por deficiência logística e demora", reclamou.
Para arrematar, Grobocopatel afirmou que a "Argentina e o Brasil não podem fazer nada no mundo se não resolverem seus problemas internos". "Será muito difícil vincularmos com o resto dos países sem avançar com uma agenda positiva e pensar numa plataforma única. Brasil e Argentina são irmãos. Sócios podem ser escolhidos, mas irmãos não. Estamos condenados toda vida a fazer as coisas juntos", afirmou.