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Pesquisas mostram que o home office é uma das soluções que vieram para ficar nas empresas no cenário pós-pandemia.
Pesquisas mostram que o home office é uma das soluções que vieram para ficar nas empresas no cenário pós-pandemia.| Foto: Pexels

Poucos conseguiram sintetizar tão bem o termo “novo normal” – um clichê para analisar o mundo pós-pandemia – como o escritor israelense Yuval Harari. “Muitas de nossas medidas de emergência se tornarão hábitos de vida. É a natureza das emergências”, defendeu o autor de Sapiens e Homo Deus em artigo de futurologia publicado no Financial Times. Na visão de Harari, e de boa parte dos analistas do aspecto econômico, a crise está forçando as empresas a inovar e acelerar processos burocráticos que, de outra forma, se arrastariam por anos. “Habitaremos um mundo bem diferente”, aposta.

Diferente, mas não exatamente impensado. Um dos primeiros efeitos da crise na mudança de rotina das empresas é algo até trivial, do qual se fala há pelo menos uma década: o crescimento das vendas online. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), as negociações via e-commerce aumentaram 30% no país somente nestas últimas cinco semanas – aquelas em que foram adotadas as medidas de isolamento social. De acordo com números da entidade, 80 mil novas lojas digitais foram abertas no período e cerca de um milhão de novos compradores por este meio surgiram. A maioria, claro, de pequenos negócios, já que os grandes têm canais bem estabelecidos, em geral.

Apesar de uma tendência evidente desde que a internet saltou dos PCs e se tornou quase um acessório de vestuário, no Brasil a venda online sempre encontrou resistência dos compradores – alguns por desconfiança na segurança nas transações; outros por falta de familiaridade com tecnologia – e dos vendedores – parte ainda prefere focar os esforços no modelo tradicional de venda física, que, diga-se, sempre deu certo.

Mas, com a necessidade de fechar as portas para conter o avanço do novo coronavírus, os comerciantes enxergaram que a zona de conforto já não oferece tanto conforto assim. “Entre eu conseguir alguma receita e não ter nada, a digitalização se tornou o caminho”, defende João Luis Moura, consultor do Sebrae no Paraná, que aposta no protagonismo das vendas online depois da pandemia.

“Para quem não tem uma loja própria hoje, o caminho mais curto e menos custoso é buscar os marketplaces [sites que vendem produtos de diversos comércios, como Magalu, MadeiraMadeira, Amazon], que já têm estratégia consolidada. Uma segunda opção são as redes sociais. Talvez por elas você não tenha como fazer a transação, mas tem como mostrar o portfólio, interagir com os clientes. Muitas empresas acabaram aderindo ao Whatsapp Business, por exemplo, por conta disso”, diz o consultor.

Valor para a produção local das empresas

Com mais vendas digitais, os serviços de entrega se tornam vitais. Gigantes que atuam como intermediárias, os exemplos mais fortes são Ifood e Rappi, viram seu faturamento estourar com a situação emergencial das últimas semanas. Embora não abram seus números, analistas e consultorias indicam mais que o triplo de ganhos para estas plataformas neste período. Porém, esse mercado tende a se fragmentar à medida que pequenos negócios procuram saídas para economizar no serviço de logística. Com isso, ganha força a ideia dos negócios locais.

Engajado em ações de sustentabilidade social e econômica, o deputado estadual paranaense Goura (PDT) criou e passou a divulgar, ainda no início da pandemia, uma lista de pequenos produtores e comerciantes de diversas áreas que fazem entrega. São, principalmente, empreendedores que atuam com fabricação artesanal de alimentos, mas que não tinham canais de delivery anteriormente.

Com o passar das semanas, Goura avalia como positiva a ação e acredita na continuidade da atenção aos empresários locais no pós-coronavírus. “A pandemia está mostrando, na esfera das políticas públicas, um olhar local, que trata da resiliência das cidades, da real sustentabilidade econômica, social, ambiental. A gestão da coletividade”, defende.

Comprar o que for possível de produtores em um raio curto de quilômetros, segundo ele, é uma forma de contribuir para as novas necessidades sanitárias que o mundo irá exigir por conta da pandemia. Uma maneira de tornar as cadeias mais curtas e com menos movimentação de pessoas e cargas. “O consumo local, a priorização do que está perto da gente, do consumo do que precisamos, são coisas que estão explícitas [neste momento] e espero que possamos incorporar isso tanto em hábitos individuais quanto em políticas públicas [no futuro]”, aponta o deputado.

Também de olho no fortalecimento – e nas oportunidades que vêm daí – de negócios locais, uma série de empreendedores têm trabalhado em novas plataformas de entrega, algumas que até concorrem com Rappi e Ifood. Ao lado deles, a capacidade de personalizar o serviço de acordo com as necessidades dos produtores. Uma contraposição à massificação das grandes plataformas. Em Curitiba, pelo menos duas delas tentam decolar: PluzApp e Play Delivery.

Além do fortalecimento local, um olhar mais atento para o mercado interno deve ser mais um dos legados da pandemia. Isso porque toda a cadeia produtiva está aprendendo a dura lição da dependência de fornecedores externos.

Ainda no início de abril, no início da escassez de equipamentos de proteção individual (os EPIs), um grupo de empresas de confecção do Paraná passou a produzir esses materiais para fornecer ao governo do estado. Apesar de simples e baratos de fazer, máscaras e aventais cirúrgicos são, quase na totalidade, importados da China, com pouquíssima produção nacional. Isso pode mudar, na visão de João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná, um dos coordenadores desta ação.

Para ele, muitas dessas confecções podem passar a olhar para este mercado, que se mostrou extremamente necessário. “Isso desde que o governo reserve uma parte [do mercado] à produção nacional. Caso contrário, de novo, a China volta a controlar o mercado mundial. Temos que ter uma visão estratégica”, disse à Gazeta do Povo.

Trabalho remoto vai se disseminar

Divulgado no início do mês, um estudo feito com 705 profissionais de 18 estados brasileiros concluiu que a maioria deles considera adotar o home office como uma prática permanente. Elaborado por Fabian Salum, que é professor de Estratégia e Inovação da Fundação Dom Cabral, e a consultoria e auditoria Grant Thornton, o levantamento trilhou esse interesse em diferentes faixas etárias, diferentes ocupações e trabalhadores dos setores de serviços, comércio, agronegócio e indústria. Os entusiastas do trabalho em casa somam 54%, embora Salum e sua equipe ponderem que não há um consenso entre esses funcionários sobre a efetividade de trabalhos remotos.

Fernando Peres, que é advogado especialista em direito cibernético e acompanha questões legais e de segurança relacionadas ao trabalho remoto, indica que ele já é comum em outros países. E por diversos motivos. “Existe uma cultura de trabalho remoto e, por isso, muitas empresas [de fora] já possuíam planos organizados de trabalho externo, até mesmo prevendo situações de calamidades, como a que atravessamos agora. Aqui no Brasil, por muitas vezes, a prática do home office era vista como uma atividade complementar ou paralela. Muitas empresas [brasileiras] demoraram mais tempo para se adaptar e muitas ainda fazem de forma desorganizada, não se atentando para regras de segurança e boas práticas pelos funcionários”, indica.

“Acredito que, com essas experiências, as empresas irão repensar e considerar a modalidade de trabalho remoto e irão se preparar para outras situações como diminuição de custos, contratação de funcionários adicionais, etc”, define.

Antes da implementação do modelo, o profissional indica atenção à segurança cibernética. Ele lista como riscos o uso indevido dos softwares e sistemas da empresa quando estão fora do ambiente de trabalho; vazamento de dados importantes, como banco de dados de clientes, projetos e documentos e uso indevido de equipamentos da empresa, como notebooks e celulares, pelo funcionário, para questões pessoais, que podem ocasionar, por exemplo, a instalação de arquivos maliciosos e com isso infectar sistemas da empresa.

Observados os cuidados, o trabalho remoto deve ser uma realidade produtiva até mesmo em áreas pouco usuais para isso. Como na prática de exercícios físicos. "Hoje, um personal trainer que trabalhe muito, acordando cedo e indo dormir tarde, pode atender em média 25 alunos por semana. Com o uso da plataforma online eu consigo atender até 400 alunos em uma consultoria online e milhares de alunos na plataforma digital de treinos, aumentando muito o nosso potencial de atendimento e campo de atuação profissional. Hoje eu tenho alunos nos EUA, Polônia, Portugal, Tailândia, Indonésia, pessoas que pessoalmente eu dificilmente conseguiria atender, e isso se tornou mais próximo e possível graças à tecnologia. Penso que é possível aumentar os rendimentos e atender a muito mais alunos fazendo uso das tecnologias digitais”, celebra Rafa Moreira, treinador físico que criou um método de ensino remoto chamado Rmax.

A era das lives

Enquanto a cantora sertaneja Marília Mendonça arrebatava um público de mais de 3 milhões de espectadores na transmissão de um show via Youtube, no início de abril, uma das casas noturnas mais conhecidas de Curitiba, o Claymore Highway, transmitia stream de shows com artistas locais e pedido de doação para pessoas que dependem do funcionamento dos bares da cidades – como músicos e profissionais de som e luz.

“Já tínhamos o hábito de fazer lives durante os shows com a casa aberta. Fazíamos duas músicas por banda que estava presente na casa. Durante a pandemia, fizemos as lives e tivemos um bom alcance com audiência e, principalmente, interação do público. Pretendemos continuar com elas pelo canal no Youtube e estamos elaborando um projeto para dar continuidade e implantar algumas outras ideias. Isso aproxima o público que aguarda o retorno [da casa] e atrai novos clientes, pois a audiência não se limita a Curitiba”, diz Patrícia Borin, sócia da casa.

Para João Moura, do Sebrae, uma estratégia correta, já que as transmissões via streaming vieram para ficar. “Embora tenhamos mais contato com as lives de artistas famosos, há aquelas de microinfluenciadores e artistas locais, por exemplo. Para um pequeno negócio, se aproximar deste contexto é importante. É uma forma de se manter ativo, gerar relacionamento. Boa parte destas lives, mesmo as menores, tem objetivo de ajudar ou dar alguma força a pessoas próximas. Isso é legal: você passa a fazer parte de um movimento positivo”, destaca o consultor.

“Além disso, abre uma possibilidade diferente com um universo de pessoas que talvez você não pudesse atingir sozinho. Se você faz uma parceria com um microinfluenciador, pode acessar seus 5 mil, 10 mil seguidores”, destaca.

Um caminho mais fácil para as pequenas empresas

A necessidade de reinvenção das empresas que a pandemia explicitou revelou também um certo despreparo dos empreendedores. Sobretudo os que comandam micro e pequenas empresas. De acordo com números paranaenses de uma pesquisa nacional do Sebrae, uma fatia relativamente pequena, perto de 30% dos empresários, mudou sua forma de trabalhar. A grande maioria (61%) interrompeu seu funcionamento.

Das empresas que mudaram seu modo de funcionamento, 34% adotaram as entregas e vendas online e 18% optaram pelo home office. São números bem próximos às médias nacionais e baixos para um cenário desafiador que se avizinha.

Para João Luis Moura, consultor do Sebrae, o caminho para elas é mais fácil do que para as grandes corporações, no entanto. “Um dos grandes diferenciais é a capacidade de se adaptar de forma mais rápida por terem uma operação mais simplificada, uma estrutura mais enxuta. O que temos observado é que os empresários [micro e pequenos] estão tentando se conectar ao que está acontecendo. Indicamos a eles serem protagonistas, sem esperar as coisas acontecerem naturalmente”, indica.

Como caminhos para essa adaptação, o profissional indica procurar os cursos de serviços de apoio de entidades como Sebrae, Senac e Senai, além de cursos de consultorias como Endeavor, que fornece ferramentas e treinamentos, algumas gratuitas . “No próprio Youtube há conteúdos interessantes. Tornou-se uma referência em termos de conteúdo”, destaca o deputado paranaense Moura.

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