Primeiro, a boa notícia: as vendas do varejo cresceram 5,05% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2010. A má notícia é que a inadimplência avançou quase que na mesma velocidade, subindo 4,25%. E, apesar de a inadimplência no varejo ter caído 10,09% em junho em relação a maio, na comparação com junho do ano passado houve alta de 6,9%. Os dados foram divulgados ontem pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e revelam desconforto do setor com o nível de endividamento da população.
Na opinião do presidente da CNDL, Roque Pellizzaro Júnior, o Banco Central apresentou na terça-feira uma avaliação acomodada em relação ao nível de endividamento das famílias brasileiras. "O Banco Central está mais tranquilo do que deveria estar", afirmou. Anteontem, no Congresso, o presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini, disse que o endividamento das famílias brasileiras está em torno de 24% a 25%, próximo do recomendado internacionalmente. "Mas o BC vai estar sempre atento a esse processo", disse Tombini. Para Pellizzaro Júnior, no entanto, quando se ultrapassa o patamar dos 20% neste caso, é preciso acender a luz amarela. "Qualquer desarranjo orçamentário, como desemprego, sinistro ou doença, gera desequilíbrio. Até 20%, as pessoas navegam muito bem. Passou disso, fica-se sujeito a problemas", considerou. Para o presidente da CNDL, outro ponto negativo do endividamento é o de que os consumidores acabam direcionando uma parte de seus recursos apenas para pagamento de juros, e não para a compra de bens e serviços.
A queda na inadimplência de maio para junho refletiu, segundo a CNDL, uma maior disposição dos consumidores em quitar suas dívidas e um maior cuidado em planejar suas compras, em função do Dia dos Namorados. Além disso, a entidade ressalta que a liberação do primeiro lote de restituição do Imposto de Renda injetou R$ 1,9 bilhão na economia, contribuindo para que o consumidor mantenha o orçamento em dia. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior, a alta da inadimplência foi justificada pelo ciclo de aperto monetário, que estaria exercendo pressão negativa no custo de crédito.
Câmbio
Segundo Pellizzaro, o derretimento recente do dólar em relação ao real, visto antes até como um ponto favorável no combate à inflação para o comércio e aumento da atividade do setor, começa a preocupar o varejo. "O câmbio desceu a um patamar perigoso agora. O remédio pode intoxicar se ficar por muito tempo", acrescentou.
A avaliação é a de que o fortalecimento do real tem suscitado na indústria nacional a possibilidade de o empresário se tornar um mero distribuidor de importados, e não mais um produtor. "Antes, o dólar oscilava e voltava. Agora realmente faz com que o Brasil perca muita competitividade, não só no mercado externo como no interno. Isso afeta indústria nacional de forma pesada", considerou. O temor é que a desindustrialização afete o nível de emprego e renda, afetando as vendas do comércio.
Setor ainda não sentiu impacto de medidas do BC, diz CNDL
Para Roque Pellizzaro Júnior, presidente da CNDL, é possível afirmar que as medidas macroprudenciais tomadas pelo governo no fim do ano passado foram irrisórias para o comércio varejista. "O varejo continua aquecido, não sentiu impacto das medidas macroprudenciais", disse. Como exemplo, ele citou o crescimento das vendas no primeiro semestre, de 5,05%. A expectativa do representante do varejo, quando as medidas foram lançadas, era a de que os impactos fossem verificados nos bens de maior valor agregado, como a venda de automóveis, mas nem isso aconteceu. "Nas vendas de produtos de menor valor, a ação do governo foi inócua", considerou.
Ele disse que as medidas não surtiram efeito porque a demanda reprimida das classes sociais que estão subindo é muito elevada. "Isso só dará uma parada quando desejos reprimidos esfriarem", disse. Já a alta da inadimplência, de 4,25% no semestre ante a primeira metade de 2010 e de 6,9% na comparação com junho do ano passado, continua preocupando o setor, ainda que a velocidade da expansão tenha sido menor que a das vendas. "O problema é o estoque que se gera de inadimplência. Isso vai tirando consumidores do mercado no médio prazo", previu.