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Apesar de o governo afirmar que a possível origem do apagão de terça-feira (15) foi um problema no Nordeste, a luz acabou sendo cortada também no Sul e no Sudeste. A interrupção no fornecimento dessas duas regiões foi proposital.
O responsável pelo corte foi um mecanismo conhecido como esquema regional de alívio de carga (Erac), adotado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em ocasiões como essa para evitar um apagão ainda maior. "A interrupção no Sul e no Sudeste foi uma ação controlada para evitar propagação da ocorrência", informou o ONS em nota.
No esquema de alívio, sempre que são detectadas variações mais fortes na frequência da eletricidade, cargas previamente estabelecidas são desligadas de forma escalonada e automática.
O pesquisador associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto Ilumina, Renato Queiroz, compara o Erac a um sistema de disjuntores, com a função de dar proteção e evitando que um eventual problema se alastre em "efeito dominó".
O mecanismo é informatizado. Queiroz explica que, constatada uma irregularidade, começa o desligamento de cargas em áreas próximas a do problema. A situação é expandida se for necessária e, após solucionado o problema, a carga é retomada. "É um sistema inteligente", diz.
Especialistas ouvidos pela "Agência Infra" apontaram que teria havido um problema operacional no Nordeste. Mais energia eólica estaria circulando nas redes, mas houve um problema no sistema, ainda não divulgado. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que teria sido no Ceará, porém sem dar mais detalhes.
O Erac foi acionado e derrubou a carga no Nordeste e em parte de outras regiões, agindo para evitar um colapso no Sistema Integrado Nacional (SIN), o que poderia causar um apagão maior e mais generalizado. Cerca de 19,1 mil megawatts (MW), ou 26% do consumo naquele momento, "caíram" durante o blecaute.
Essa forma de operar tem relação com a dimensão continental do Brasil, que exige linhas de transmissão de milhares de quilômetros. O país tem vantagens e desvantagens com esse sistema.
Em casos de escassez de energia em uma região, por exemplo, o excedente produzido em outra pode ajudar no abastecimento.
Por outro lado, uma perturbação em determinado local pode causar desligamentos a milhares de quilômetros da origem, afetando até mesmo regiões que são grandes geradoras de energia – caso do Paraná, onde está localizada Itaipu, ou a divisa entre São Paulo e Minas, onde está o complexo de Furnas.
Sobram dúvidas e faltam respostas sobre o apagão
Passadas mais de 30 horas do apagão, restam muitas dúvidas. A principal delas é sobre o que teria levado ao corte de energia, que durou mais tempo no Norte e no Nordeste. O problema iniciou às 8h31 da quinta e só foi solucionado por completo às 14h49, segundo o ONS.
“Nunca ficamos tanto tempo sem saber a origem de um apagão”, disse Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do ONS, à "Folha de S.Paulo".
Uma série de hipóteses foi levantada. Além do problema no Ceará, citado por Silveira, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, citou uma falha em uma subestação em Imperatriz (MA). Também vieram a público problemas na hidrelétrica de Santo Antônio (RO) e em uma subestação em Anapu (PA), perto da usina de Belo Monte. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse se tratar de um “erro técnico”, mas sem apontar qual.
A queda de energia ocorreu em um momento favorável para o setor. Os reservatórios estão cheios e o consumo está abaixo dos picos históricos.
A demanda, enquanto isso, está mais comportada, observa Queiroz, da UFRJ. A economia está em desaceleração e desempenho da indústria, grande consumidor de energia, é fraco. A produção física do setor caiu 0,3% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2022, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um aspecto a ser considerado, segundo o consultor independente em energia Rafael Herzberg, é que se trata de algo fora do controle dos consumidores. Uma alternativa é a implantação de sistemas de geração de energia de emergência local para mitigar o risco de apagões.
Uma fonte ouvida pelo jornal “Valor” disse que uma falha no Ceará não teria o poder de derrubar um sistema inteiro. Silveira disse, na entrevista coletiva realizada nesta terça, que teriam sido pelo menos dois problemas concomitantes que causaram o problema. Ele não descartou a possibilidade de sabotagem e disse que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal foram convocadas para investigar.
Outro problema levantado por especialistas e que pode ter contribuído para o apagão é a questão de governança no setor. Queiroz disse que falta uma melhor gestão no setor elétrico, que é extremamente complexo e tem impacto direto no dia a dia das pessoas. “É um setor que tem muita empresa envolvida. Há problemas de comunicação”, diz.