A vitória de Donald Trump caiu como uma bomba em Marrakesh, no Marrocos, onde cientistas, ambientalistas e lideranças de todo o mundo estavam reunidos para a 22ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima. Trump é um cético das mudanças climáticas. O temor maior é o de que ele cumpra a promessa feita durante a campanha e retire os Estados Unidos do Acordo de Paris. Mas, afinal, em que medida Trump é uma ameaça ao enfrentamento das mudanças do clima?
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, atrás da China. Uma baixa deste tamanho poderia comprometer a dinâmica das negociações futuras para a consolidação do Acordo de Paris, aprovado a muito custo no final do ano passado por 196 países e já ratificado por 100 deles, reduzindo o engajamento das demais nações.
Para além da simbologia de uma possível saída dos Estados Unidos do acordo do clima, o impacto mais imediato seria a retirada de recursos aportados pelo país para apoiar ações de mitigação das mudanças climáticas em países em desenvolvimento, afirma Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. Pelo acordo, países ricos devem garantir o financiamento de US$ 100 bilhões por ano. Sem esse dinheiro, eles teriam dificuldades para a redução de emissões, comprometendo ainda a trajetória para o alcance da meta global, de manter a temperatura da Terra abaixo de 2°C neste século.
Na COP 22, contudo, o entendimento é o de que a agenda climática avançou tanto nos últimos anos que nem mesmo Trump, com todo seu ceticismo climático, pode parar os progressos de Paris. Há um consenso entre lideranças e ambientalistas de que a participação dos Estados Unidos na transição para uma economia global de baixo carbono já não depende apenas das iniciativas da Casa Branca.
“Ninguém é ingênuo de imaginar que não haverá algum efeito em ter um negacionista do clima como presidente dos Estados Unidos, mas a agenda climática é uma agenda global, e não de um único país”, diz Rittl. O próprio embaixador do clima americano, Jonathan Pershing, disse a jornalistas na COP 22 que “o acordo entrou em vigor graças a um esforço global” e que não acredita que “uma mudança dos EUA afetará a trajetória de desenvolvimento de outros países”.
A influência dos Estados Unidos hoje é bem menor do que na época do Protocolo de Kyoto, avalia André Ferretti, gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Eles não são mais os maiores emissores do mundo. Além disso, de lá pra cá, segundo ele, a discussão sobre os efeitos das mudanças climáticas evoluiu muito dentro das organizações, empresas e sociedade. “O Protocolo de Kyoto levou oito anos para ser ratificado. O Acordo de Paris, quatro meses. O mundo é outro hoje e a economia mundial será totalmente diferente em dez anos. Os Estados Unidos vão querer a fatia deles nesse mercado global de baixo carbono”, diz Ferretti.
Ninguém é ingênuo de imaginar que não haverá algum efeito em ter um negacionista do clima como presidente dos Estados Unidos, mas a agenda climática é uma agenda global, e não de um único país
Em razão do forte apelo econômico desse processo de transição para uma economia de baixo carbono, muitos ambientalistas acham pouco provável que ele consiga manter seu discurso de campanha e cumprir suas promessas para a área energética. Não seria, nas palavras de Rittl, uma decisão inteligente, estratégica.
Muitos setores da economia norte-americana estão ganhando dinheiro com o avanço das fontes renováveis de energia e tecnologias de baixo carbono. Ou seja, a batalha de Trump para implantar uma agenda anti-clima tem opositores fortes dentro de casa. “Não acredito que os Estados Unidos vão querer deixar um mercado tão promissor como esse sob o comando da China”, diz Ferretti.