A vitória de Donald Trump caiu como uma bomba em Marrakesh, no Marrocos, onde cientistas, ambientalistas e lideranças de todo o mundo estavam reunidos para a 22ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima. Trump é um cético das mudanças climáticas. O temor maior é o de que ele cumpra a promessa feita durante a campanha e retire os Estados Unidos do Acordo de Paris. Mas, afinal, em que medida Trump é uma ameaça ao enfrentamento das mudanças do clima?
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, atrás da China. Uma baixa deste tamanho poderia comprometer a dinâmica das negociações futuras para a consolidação do Acordo de Paris, aprovado a muito custo no final do ano passado por 196 países e já ratificado por 100 deles, reduzindo o engajamento das demais nações.
Aquecimento global é culpa da China?
O temor dos defensores da agenda climática não é infundado. Donald Trump é um cético das mudanças climáticas. Em novembro de 2012, o magnata do mercado imobiliário americano usou sua conta no Twitter para dizer que “o conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses para tornar não competitiva a indústria dos Estados Unidos”. Durante a campanha, o então candidato republicano prometeu retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris e estimular investimentos em combustíveis fósseis.
Para além da simbologia de uma possível saída dos Estados Unidos do acordo do clima, o impacto mais imediato seria a retirada de recursos aportados pelo país para apoiar ações de mitigação das mudanças climáticas em países em desenvolvimento, afirma Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. Pelo acordo, países ricos devem garantir o financiamento de US$ 100 bilhões por ano. Sem esse dinheiro, eles teriam dificuldades para a redução de emissões, comprometendo ainda a trajetória para o alcance da meta global, de manter a temperatura da Terra abaixo de 2°C neste século.
Na COP 22, contudo, o entendimento é o de que a agenda climática avançou tanto nos últimos anos que nem mesmo Trump, com todo seu ceticismo climático, pode parar os progressos de Paris. Há um consenso entre lideranças e ambientalistas de que a participação dos Estados Unidos na transição para uma economia global de baixo carbono já não depende apenas das iniciativas da Casa Branca.
“Ninguém é ingênuo de imaginar que não haverá algum efeito em ter um negacionista do clima como presidente dos Estados Unidos, mas a agenda climática é uma agenda global, e não de um único país”, diz Rittl. O próprio embaixador do clima americano, Jonathan Pershing, disse a jornalistas na COP 22 que “o acordo entrou em vigor graças a um esforço global” e que não acredita que “uma mudança dos EUA afetará a trajetória de desenvolvimento de outros países”.
A influência dos Estados Unidos hoje é bem menor do que na época do Protocolo de Kyoto, avalia André Ferretti, gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Eles não são mais os maiores emissores do mundo. Além disso, de lá pra cá, segundo ele, a discussão sobre os efeitos das mudanças climáticas evoluiu muito dentro das organizações, empresas e sociedade. “O Protocolo de Kyoto levou oito anos para ser ratificado. O Acordo de Paris, quatro meses. O mundo é outro hoje e a economia mundial será totalmente diferente em dez anos. Os Estados Unidos vão querer a fatia deles nesse mercado global de baixo carbono”, diz Ferretti.
Ninguém é ingênuo de imaginar que não haverá algum efeito em ter um negacionista do clima como presidente dos Estados Unidos, mas a agenda climática é uma agenda global, e não de um único país
Em razão do forte apelo econômico desse processo de transição para uma economia de baixo carbono, muitos ambientalistas acham pouco provável que ele consiga manter seu discurso de campanha e cumprir suas promessas para a área energética. Não seria, nas palavras de Rittl, uma decisão inteligente, estratégica.
Muitos setores da economia norte-americana estão ganhando dinheiro com o avanço das fontes renováveis de energia e tecnologias de baixo carbono. Ou seja, a batalha de Trump para implantar uma agenda anti-clima tem opositores fortes dentro de casa. “Não acredito que os Estados Unidos vão querer deixar um mercado tão promissor como esse sob o comando da China”, diz Ferretti.
Sob pressão
Se o apelo econômico dentro de casa não for forte o bastante para fazê-lo mudar de ideia, Donald Trump ainda terá de enfrentar a pressão que vem de fora de suas fronteiras. Ainda durante a COP 22, não faltaram manifestações de lideranças preocupadas os desejos de Trump para a política energética dos Estados Unidos. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, cumprimentou Trump pela sua vitória e aproveitou para fazer um apelo à continuidade do engajamento dos Estados Unidos no combate às mudanças climáticas. Mais exaltado, o candidato à presidência da França, Nicolas Sarkozy, chegou a sugerir que, caso Trump decida tirar os EUA do acordo do clima, os demais países façam uma retaliação aos produtos americanos com a cobrança de uma espécie de “imposto do carbono”.
Política energética de Trump tem fósseis como protagonistas
A possível saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris é só a ponta do iceberg. A política energética de Trump promete reimpulsionar a produção americana de petróleo, gasolina e carvão. Ele também garantiu que vai eliminar as leis que limitam o fracking (fraturamento hidráulico) e que dará seu aval à construção do oleoduto Keystone XL entre Canadá e Estados Unidos que Obama bloqueou. Por fim, promete acabar com a lei sobre a contaminação atmosférica (Clean Power Plan, em inglês). Essas medidas vão na contramão do esforço global – defendido pelo próprio Obama – para descarbonizar e economia mundial e dificultam o cumprimento das metas climáticas. Segundo Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, ao incentivar os combustíveis fósseis Trump pode, no máximo, garantir uma sobrevida a essas fontes, mas não conseguirá frear o avanço das fontes renováveis de energia.
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