As distribuidoras de energia não serão mais obrigadas a comprar energia que sabem que não vão precisar apenas para evitar punições do governo. Um decreto publicado nesta quarta-feira (3) flexibiliza normas e permite que as empresas adquiram apenas aquilo que for necessário para atender seu mercado de consumidores.
A mudança não deve ter impacto na tarifa do consumidor, mas vai aliviar a situação dos acionistas das distribuidoras.
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Pela regra atual, toda vez que um contrato de energia existente vencia, a concessionária era obrigada a recontratar pelo menos 96% do volume desse contrato no ano seguinte.
Esse modelo foi elaborado em 2003, quando a perspectiva do governo era de crescimento do consumo de eletricidade. O problema dessa regra se manifesta em períodos de recessão e queda de demanda, como 2015 e 2016, quando a distribuidora precisa comprar mais energia do que precisa apenas para não ser penalizada.
A concessionária só tem direito a repassar para a conta de luz o custo dos contratos que supera 5% da demanda de seu mercado. Tudo aquilo que ficar além desse porcentual vira prejuízo. Devido à norma até então vigente, no início deste ano, as concessionárias compraram, na média, 13% a mais do que o necessário, de acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
No próximo leilão de energia existente (A-1), a ser realizado no fim deste ano, cada distribuidora poderá comprar apenas aquilo que necessitar para atender seu mercado. Com a medida, o resultado esperado é que elas consigam reduzir a sobrecontratação e diminuir o prejuízo dos acionistas.
Para o consumidor, não haverá mudança imediata, pois a tarifa vai continuar a cobrir contratos que superem até 5% da demanda. Porém, a expectativa é que os índices de reajuste tarifários sejam menores no ano que vem. Se as empresas conseguirem se livrar de contratos desnecessários, consequentemente, vão repassar custos menores para a conta de luz.
Um exemplo: uma empresa com energia correspondente a 105% de sua demanda pode optar, no fim deste ano, em não recontratar contratos que representam 3% do total de sua carteira. Nesse cenário, a tarifa do consumidor, em 2017, cobrirá 2% da sobrecontratação da empresa, e não 5%.
A energia existente tem custado, em média, R$ 160,00 por MWh. Com a sobra de eletricidade no mercado, o prejuízo da distribuidora ocorre quando ela liquida os contratos no mercado de curto prazo, onde o preço está inferior a R$ 80,00 por MWh.
Para o presidente da Abradee, Nelson Leite, o decreto é um avanço na direção de mitigar o problema da sobrecontratação. “É um benefício para consumidores e distribuidoras”, afirmou o executivo.
O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Julião Coelho avalia que as distribuidoras não são culpadas por terem comprado mais energia do que o necessário. “As distribuidoras seguiram o modelo, que pune quem não recontrata tudo que tinha”, afirmou.
Para as distribuidoras que optavam por não recontratar o volume que detinham, como punição, a Aneel não permitia o repasse total do custo que teriam com a compra de energia de usinas novas, mais barata que a energia existente. O entendimento era não permitir que a energia nova fosse usada como barganha, mas apenas para garantir a expansão do sistema.
Na avaliação do coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, Nivalde Castro, a mudança retira o peso da sobrecontratação das distribuidoras. “Isso é importante porque vai na direção do ajuste da demanda. A distribuidora só vai pagar por aquilo que consumir”, afirmou.
Geradores
Segundo Castro, a mudança não favorece os geradores, donos da energia existente, pois não haverá mais garantia de venda dessa energia para as distribuidoras no fim de cada ano. Cada um terá que negociar esses volumes no mercado livre, diretamente com indústrias, ou no mercado à vista, o que pode reduzir ainda mais o preço da energia nesses ambientes. “Quem vai ficar com o risco agora é o gerador.”
Para os geradores, a principal vantagem dos contratos firmados com as distribuidoras é que eles são corrigidos pelo IPCA. Em 2013, quando havia falta de energia no mercado, o governo organizou um leilão de energia existente e fixou um preço considerado muito baixo na licitação. Na época, os geradores optaram por aproveitar os preços do mercado de curto prazo, que chegaram a atingir R$ 822 por MWh, e não venderam contratos na licitação.
Transparência
Outra mudança trazida no decreto é a possibilidade de tarifa binômia para os consumidores da baixa tensão. Atualmente, na conta de luz, o consumidor paga por um pacote que inclui o custo da energia e a despesa com a distribuição, conhecida como tarifa-fio. O decreto permite que esses itens sejam discriminados separadamente, a exemplo do que é feito com a indústria, que está conectada à alta tensão.
“É uma medida de transparência”, afirmou o professor Nivalde Castro. Ainda segundo ele, outra vantagem é que não haverá mais um subsídio para o consumidor que gera energia própria por meio de painéis solares, que deixaria de pagar parte do custo do fio em detrimento do conjunto dos demais consumidores, que assumiriam esse gasto em seu lugar.
“Se vender mais ou menos energia, a distribuidora não será afetada, porque vai receber pela tarifa-fio, cobrada de todos os consumidores, independente do consumo”, explicou. “Isso evita que o desenvolvimento de redes inteligentes e geração distribuída prejudiquem as distribuidoras.”