Quando a noite cai, tarefas simples como cozinhar, tomar banho e estudar ficam inviáveis para cerca de um milhão de brasileiros que não têm acesso a energia elétrica no país. Dispostos a mudar esse cenário, voluntários da ONG Litro de Luz, tiraram 14 mil brasileiros do escuro nos últimos dois anos. Em todo o mundo, o trabalho da ONG, distribuída por 21 países, já beneficiou 1,2 mil comunidades carentes ou isoladas.
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Utilizando garrafas PET recicladas, um pouco de água e alvejante, o projeto cria lâmpadas diurnas para serem instaladas no telhado de quem não tem acesso à energia elétrica ou condições de pagar por ela. Quando a claridade incide pelo topo da garrafa, ocorre o fenômeno físico da refração e a luz se espalha por todo o ambiente. A intensidade da luz de cada lâmpada é de 60 watts, em média. O desempenho é similar a focos comumente utilizados dentro de casa.
Postes solares
Materiais como canos de PVC, placas solares e focos de LED são utilizados na construção de lâmpadas noturnas e postes para iluminação pública. A claridade nas vias de acesso dos locais atendidos, que antes ficavam na penumbra, chega a reduzir o índice de assaltos ou casos de violência contra a mulher, por exemplo.
No caso dos postes, a lâmpada inserida na garrafa recebe energia de uma bateria estacionária de 12 volts, alimentada pele energia solar captada por placas fotovoltaicas ao longo do dia. Um sensor mantém a lâmpada ligada por toda a noite. (Veja vídeo).
O sistema foi aprimorado pela Empresa Júnior de Engenharia Elétrica (ENETEC), da Universidade Nacional de Brasília (UNB), em parceria com o idealizador do projeto no Brasil, o jovem Vitor Belota Gomes, de 27 anos. Segundo ele, além do benefício social, a contribuição ao meio ambiente que o movimento fornece também é expressiva.
“A cada poste que instalamos, são 250 quilos de CO2 que deixam de ir à atmosfera, por ano”, diz. O cálculo, ele explica, leva em conta a emissão que seria gerada pela construção de uma estrutura convencional e a porção energética economizada em relação ao sistema tradicional.
Mais de três mil postes já foram instalados nos países onde o projeto atua. Cada um custa de R$ 300 a R$ 600. Um poste de concreto, por exemplo, pode chegar a R$ 3 mil.
Tecnologia simples criada no Brasil ganhou o mundo
Apesar de a “lâmpada PET” ter sido criada no Brasil, pelo mecânico mineiro Alfredo Moser, em 2002, foi nas Filipinas que seu uso ganhou escala, nove anos depois. Num país onde um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza e a energia é artigo de luxo, a solução deu tão certo que culminou com a criação da Liter of Light (Litro de Luz), que já atendeu mais de 140 mil residências.
No Brasil, o projeto começou no fim de 2013. Até agora, moradores de comunidades de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro já foram beneficiados pelas soluções. Periferias de Brasília e da Paraíba também serão atendidas em breve.
O motorista Tarcísio Leonardo, líder comunitário e morador há 15 anos do bairro Vila Moraes, onde o projeto já chegou, conta que 40 postes de luz foram instalados na comunidade desde o ano passado. “Aqui, somos esquecidos pelas autoridades, mas eles olharam para a gente”.
Em média, os postes funcionam bem por, no mínimo, 20 anos. A cada três anos, quando as baterias precisam ser trocadas, a equipe da ONG fornece a manutenção, mas, por onde passa, também capacita os moradores para que conservem as estruturas e até expandam a tecnologia.
Projeto chega a Amazônia
Pela qualidade, o trabalho já conquistou expressivos prêmios internacionais, entre eles, o Saint Andrews Prize For Environment, um dos mais importantes ligados à sustentabilidade, concedido em abril deste ano, pela Universidade de St. Andrews, da Escócia. A Litro de Luz concorreu com 506 propostas de 94 países, que passaram pelo crivo de 15 jurados. Todas apresentaram soluções inovadoras para desafios ambientais e sociais, mas foi um projeto brasileiro que, pela primeira vez na história do evento, levou a melhor.
A ONG recebeu US$ 100 mil para investir no aperfeiçoamento da tecnologia e expandir o trabalho . O valor equivale a cerca de R$ 350 mil e a equipe já tem planos definidos sobre onde chegar e quando começar. “Queremos iluminar comunidades ribeirinhas da Amazônia nos próximos três anos”, aponta o presidente.
A intenção do time, composto hoje por 80 voluntários fixos no Brasil, é levar luz a, pelo menos, cinco comunidades locais. Só o município de Caapiranga – por onde o projeto vai iniciar em setembro–reúne em torno de 12 mil pessoas. “Vencer o concurso nos deu a chance de chegar à região de mais difícil acesso do país, mas que também é uma das mais afetadas pela falta da energia. Foi uma vitória”, comemora.