Na corrida por novas fontes alternativas de energia, o hidrogênio é considerado o combustível do futuro. Há quem diga que ele será o grande substituto do petróleo e que num futuro próximo a maioria dos carros vai circular com células de hidrogênio. Sua grande vantagem, talvez, seja a facilidade de combinação com outras fontes, como hídrica, eólica e solar, o que o torna um coringa no cenário energético. Apesar de tamanho potencial, ele ainda precisa vencer alguns desafios para se tornar o “novo petróleo”.
A vocação do hidrogênio está nos veículos de passeio
Os veículos de passeio despontam como os grandes astros para popularizar a tecnologia da célula a combustível na produção de energia renovável. As marcas Honda e Toyota deram largada à corrida do hidrogênio nos veículos de passeio com o lançamento dos carros Clarity e Mirai no Salão do Automóvel de Tokyo, em novembro do ano passado.
“Enquanto o motor tradicional tem em média eficiência inferior a 20%, e o motor elétrico possui 95%; a conversão por meio da célula a combustível oferece eficiência superior a 60%, além de ser muito silenciosa e evita a preocupação com recarregamento e descarte de bateria”, explica o empresário Emílio Hoffmann.
Iniciativas de aplicação do hidrogênio em veículos coletivos também ganham espaço. Em 2015, um projeto da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), colocou alguns ônibus para teste. Neste ano, dois deles já foram integrados à frota dos ônibus intermunicipais gerenciada empresa de transporte.
A empresa francesa Alstom apresentou no mês passado o primeiro trem de passageiros alimentado completamente por hidrogênio na feira de Berlin InnoTrans. Até 2017 o trem Coradia iLint deverá ser colocado em serviço na linha da Baixa Saxônia, em Berlim. O trem elétrico opera com um tanque de combustível de hidrogênio em seu telhado que alimenta a célula a combustível para gerar eletricidade. Todo seu projeto foi pensado para produzir zero carbono.
Embora seja o elemento mais abundante do universo e com grande potencial energético, ele não é encontrado na natureza de forma pura e isolada, como o petróleo. Para extraí-lo é necessária muita energia, e esse é o primeiro grande desafio: descobrir qual é o processo de transformação mais eficiente do hidrogênio e como fazê-lo sem a emissão de gases de efeito estufa.
Confira como é produzido e utilizado o hidrogênio
A necessidade de energia limpa e renovável cresce em todo o mundo, com as fontes dividindo o protagonismo na geração. “Não existe uma única fonte de energia limpa capaz de dar conta sozinha da demanda. Por isso, dependemos da disponibilidade de fontes locais para compor a matriz energética regional que, combinada ao hidrogênio, forma um diversificado leque de produção e armazenamento de energia mais limpa e eficiente”, afirma Fábio Coral Fonseca, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN).
Essa característica coringa do hidrogênio – que pode ser produzido por meio de diversos insumos e processos, além dos diferentes usos que possui – permite que ele seja associado a outras fontes, especialmente as renováveis, para gerar e armazenar energia, sanando a principal desvantagem das fontes eólica e solar, a intermitência. Se no Nordeste o vento é abundante, porque não utilizá-lo para a quebra do hidrogênio que, quando armazenado, pode oferecer mais que o dobro de desempenho gerado por um carro a combustão?
Para obter o hidrogênio isolado e transformá-lo em energia ele passa por um conversor, chamado de célula a combustível. Esse dispositivo teve sua origem em 1839, antes mesmo da invenção do motor a combustão. Na época, o inglês William Grove imaginou que, se a energia elétrica pode ser usada para dividir a água em hidrogênio e oxigênio, seria possível inverter o método e usar hidrogênio para gerar energia.
Gerhard Ett, engenheiro químico do Instituto de Pesquisa e Tecnologia de São Paulo, explica que a densidade energética da célula a combustível é superior à das baterias, por exemplo. “Além disso, a energia produzida é 100% limpa e possui eficiência 60% superior. Nesse processo, o CO2 só é gerado na fabricação do material das placas de células a combustível. Consequentemente se torna um importante combustível por ter um ciclo de vida com impactos ambientais baixo”, afirma ele.
Armazenamento e preço travam avanço do hidrogênio
O armazenamento do hidrogênio ainda é considerado um desafio para a ciência, uma vez que ele é um elemento altamente explosivo, que pode ser conservado na sua forma líquida, gasosa ou sólida. “O gasoso é o mais comum, principalmente em veículos, sob alta pressão. Mas uma tendência é de que ele seja produzido e consumido sob demanda, desta forma pula-se a etapa de armazenamento”, explica o engenheiro químico Gerhard Ett.
Emílio Hoffmann, engenheiro elétrico e sócio-fundador da Brasil H2, empresa representante de produtos à base de hidrogênio, explica que “como todo combustível, o hidrogênio é inflamável. Mas, em certas ocasiões, é considerado até mais seguro que o gás de cozinha, pois como é leve, se dispersa e dilui no ar em caso de vazamento”, diz.
Outro desafio a ser superado por essa tecnologia é o preço, pois ela ainda depende de materiais e processos que têm um custo bastante elevado, em parte, pela falta de incentivo. O Brasil lidera as pesquisas em tecnologia de hidrogênio na América Latina, mas está bem atrás de outros países. De acordo com o relatório do Centro de Gestão de Estudos Energéticos (CGEE), de 1999 a 2007, os investimentos brasileiros de origem pública e privada somaram, aproximadamente, R$ 134 milhões, o equivalente a 5% do que é investido no Japão, União Européia ou Estados Unidos.
Ennio Peres da Silva, chefe do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp, afirma que esse mercado tende a crescer com a introdução de veículos movidos a hidrogênio no mercado, possível graças a célula de combustível.“Se tivermos uma escala global de produção automotiva, e também geração de energia elétrica residencial, isso baixará o custo. Por consequência, essa tecnologia se tornará mais acessível e esse futuro não estará mais tão longe”, diz.
Para Hoffmann, o Brasil tem um longo caminho para chegar ao estágio de países que investem pesado em hidrogênio, como Japão ou EUA. “Não conseguimos evoluir ainda para as etapas de pós-pesquisa, para demonstração no mercado e comercialização final do produto, o que incide no preço final ao consumidor”, afirma o empresário.
O uso do hidrogênio (na prática)
Em alguns países, como Japão essa tecnologia já faz parte do dia a dia da população. Já existem 150 mil células a combustível residenciais instaladas nas casas dos japoneses. O gás natural que antes era usado na água quente para banho e aquecimento da casa, agora produz energia elétrica. Como o resíduo principal desse processo elétrico é a água quente, ela é reutilizada na casa, permitindo que o usuário deixe de consumir ou reduza o gás natural que era normalmente consumido para aquecimento.
“Para um país cujos recursos naturais são limitados e que importa gás natural e gera energia elétrica também a partir de usinas nucleares, usar com mais eficiência o gás natural é importante. Por isso está dando certo, já que existe um contexto favorável no país”, afirma Hoffmann.
Nos Estados Unidos, a eletricidade a partir do hidrogênio vem sendo utilizada para fins industriais. Algumas empresas como a Apple, Microsoft, Walmart, dentre outras, têm utilizado as células a combustível para gerar energia a partir do biogás para as empilhadeiras elétricas.
“Enquanto as baterias tradicionais precisam de oito horas para serem recarregadas, salas para armazenamento e unidades adicionais para substituir as que estão recarregando; o tanque de hidrogênio que alimenta as células a combustível pode ser abastecido de 3 a 5 minutos”, ressalta o empresário. Com isso, o custo operacional é reduzido para empresas que apresentam frotas de empilhadeiras superior a 30 unidades.
O uso de hidrogênio para geração de eletricidade, a partir das células a combustível, possui diversas aplicações. A utilização vai desde a área de mobilidade elétrica (ônibus, veículos de passeio, táxis, empilhadeiras elétricas, trens), até a geração de energia elétrica em residências e indústrias, passando por uso em drones, geradores portáteis, geradores de backup para telecom, sensoriamento remoto e para telefones celulares e fornecimento de energia para fins militares.