| Foto: Divulgação

Em novembro de 2013, durante a 12.ª rodada de licitações da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), o paranaense Juliano Bueno de Araújo e alguns colegas da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (Coesus) foram interpelados por um diretor da agência no elevador: “então vocês são os caipiras do Paraná que acham que vão banir o fracking do Brasil?”. Ele não respondeu, mas, sim, esse era o objetivo.

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Três anos depois, no final do ano passado, o governador Beto Richa (PSDB) sancionou uma lei que decreta moratória de 10 anos para a exploração de gás de xisto (ou gás de folhelho) no Paraná por meio da técnica conhecida como fracking, aquela mesmo que revolucionou o modelo energético dos Estados Unidos. A ação da Coesus foi decisiva para que a proibição ocorresse antes mesmo que a tecnologia chegasse, de fato, por aqui – até hoje, nenhum poço foi perfurado no estado ou no país. Mas, afinal, quem é está organização que trabalha para banir o uso do fracking no Brasil?

Opinião: Falsidades do movimento antifracking privam o Paraná de seu gás natural

Como se poderia aceitar declarações falsas e improváveis de danos ambientais, sociais e agrícolas, sem que os fatos sejam verificados?

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A Coesus nasceu em Curitiba há três anos e meio, meses antes do 12.º leilão da ANP que ofertou blocos de gás de xisto ou gás não convencional, e hoje tem escritórios também em Brasília e São Paulo. À frente da organização, Araújo diz que a liberação do fraturamento hidráulico no Brasil, sem que houvesse uma discussão mais ampla com a sociedade, acendeu um sinal vermelho. “A Coesus fez esse papel cidadão, pacífico e coerente de promover uma discussão que cabia à ANP, trazendo a luz do interesse público as verdades e pesquisas técnicas e científicas sobre o fracking”, afirma.

Diante da necessidade de ir além do discurso, a coalizão levou deputados federais, estaduais, vereadores, prefeitos, lideranças e pesquisadores para que vissem in loco os impactos sociais, econômicos e ambientais do fracking na Argentina e nos Estados Unidos. Todos puderam ver, garante Araújo, que o sonho utópico da energia barata do gás de xisto, que traz desenvolvimento para a sociedade, não se concretizou na Argentina e em diversos países do mundo. “Há estados americanos que proibiram o fracking, por exemplo”.

Coalizão tem apoiadores de peso

Um trabalho dessa magnitude, com viagens a outros países e a centenas de municípios brasileiros, exige capacidade financeira. Na retaguarda, a Coesus tem aliados de peso como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Cáritas, Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Sindicato Rural Nacional, além do reforço da ONG climática norte-americana 350.org. Ao todo, são 234 entidades associadas, entre sindicatos rurais, cooperativas agrícolas, empresários, universidades, centros de pesquisa e inovação, ONGs climáticas, ONGs ambientalistas, entre outros, que ajudam a financiar a campanha “Não Fracking Brasil” – em 2016, o custo da campanha ultrapassou R$ 3 milhões. “No começo, tirava recursos pessoais para financiar viagens em busca de mais conhecimento técnico e científico, visitando universidades e centros de pesquisa em outros países. A partir do momento que a Coesus começou a crescer, nós passamos a receber muitas doações. Essa ainda é a fonte de 90% dos nossos recursos”, conta Araujo.

Como se vê, o corpo a corpo junto à sociedade e o lobby nos bastidores políticos surtiu efeito. A aprovação sem alarde da moratória no Paraná – primeiro estado do país a aprovar uma lei dessa natureza – marcou a primeira grande vitória da Coesus. Até o fim deste ano, outros quatro estados brasileiros, cujos nomes Araújo não revela, devem aprovar leis semelhantes. “O trâmite da lei é público, mas a divulgação é uma questão de inteligência e contrainteligência. É como Golias e Davi. Existem regras quando você estabelece um enfrentamento com a indústria do gás e do petróleo”, diz.

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Um dos méritos da Coesus para emplacar sua agenda foi conseguir reunir forças opostas em torno de uma mesma causa. Com a ajuda de sindicatos rurais, ONGs ambientalistas, políticos, universidades e até mesmo da igreja, a Coesus conseguiu intensificar a campanha contra o fracking nos municípios paranaenses e de outros estados por meio de audiências públicas, estimulando a aprovação de uma lei padrão que proíbe a parte operacional da exploração do gás não convencional.

Atualmente, 284 municípios nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Acre, Maranhão, Ceará, Minas Gerais, Piauí e Mato Grosso do Sul têm leis municipais de proibição ao fracking já sancionadas, e pelo menos 150 cidades estão em fase de discussão. A meta da Coesus é atingir 754 municípios em todo o país.

No Paraná, das 122 cidades com áreas leiloadas pela ANP, 104 proibiram a emissão de alvarás, a outorga de uso de águas e o trânsito de veículos. Até o final deste ano, a coalizão espera que todos os municípios do Norte Novo, Norte Velho e Noroeste do Paraná, que não têm áreas leiloadas, mas que podem vir a ter no futuro, aprovem leis contra o fraturamento hidráulico.

“Os cientistas caipiras do Paraná, os agricultores caipiras do Paraná, os políticos caipiras do Paraná, a população caipira do Paraná já disse não ao fracking”, comemora Araújo. Mas a Coesus quer mais. “A moratória apenas adia o uso da técnica no país. A gente quer o Brasil livre do fracking”, acrescenta. Em 2016, a coalização também ganhou um braço internacional, a Coesus América Latina, para atuar também na Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Equador e México.

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Um contraponto necessário

A aprovação moratória do fracking no Paraná pode ajudar a acelerar o banimento da técnica antes que haja um debate mais informado sobre o assunto no país. Para o geólogo e consultor Paulo César Soares, professor aposentado da UFPR, banir uma técnica é um ato de difícil qualificação. Segundo ele, apesar da atividade dos movimentos ambientalistas, muitos financiados por interesses contrários ao shale gas, apenas a França, mantém proibição do fracking desde 2011. A própria União Europeia (UE) após alguns anos de estudos técnicos de casos, adotou uma posição permissiva e regulatória em 2014. “A aprovação da lei, sem qualquer discussão ou consulta técnica pela Assembleia Legislativa, implica na proibição do aproveitamento do gás do Paraná, inclusive o convencional, limitando o desenvolvimento desse setor”, afirma. Soares acredita que se a lei vingar, o debate sobre o fracking tende a silenciar mesmo após o fim da moratória, sobretudo com a proibição também das pesquisas nesse período. “As pesquisas tem um custo muito alto e somente ocorrerão com expectativa de retorno”, argumenta Soares.

Do ponto de vista dos riscos da técnica de fraturamento, o geólogo afirma que há muita confusão intencional. “Talvez a maior restrição seja a questão da água necessária para o fracking. Mas apenas para as regiões onde os índices pluviométricos são baixos como na Argentina e no Colorado (EUA), ou não haja disponibilidade de aquíferos salinizados. Não é o caso do Paraná”.