A China vive um paradoxo. Com uma matriz fortemente baseada nos combustíveis fósseis e responsável por jogar toneladas de gases tóxicos à atmosfera todos os anos, o país asiático também lidera os investimentos em energias renováveis. Sozinha, a China investiu em 2015 US$ 102,9 bilhões – um terço do total global de US$ 286 bilhões e quase 17% mais do que valor aplicado em 2014.
Contaminação atmosférica
Ano após ano, os índices de poluição no país atingem recordes. Em novembro de 2015, a capital Pequim revelou a maior marca já registrada. Sites que monitoram os níveis de poluição fizeram as autoridades emitirem o raro alerta laranja, o segundo mais intenso em uma escala de quatro categorias. O número de partículas poluentes por metro cúbico foi superior a 600 microgramas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que o nível seguro deve ser inferior a 25 microgramas por metro cúbico. Na ocasião, escolas chegaram a suspender atividades ao ar livre.
Embora os investimentos volumosos em energia limpa façam parte de uma estratégia de mercado – o país pretende lucrar com a exportação de tecnologias verdes–, a mudança urgente na matriz energética é também uma questão de sobrevivência. Se continuar cultivando o modo de produção industrial baseado no uso de carvão e combustíveis fósseis, como fez intensamente desde a década de 1980, a China deve caminhar para um cenário insustentável do ponto de vista da qualidade de vida dos seus habitantes.
US$ 102,9 bilhões
foi o que a China investiu, em 2015, em energias renováveis. O índice é quase 17% superior ao total de US$ 89 bilhões, aportado pelo país em 2014 e equivale a um terço de todo o investimento global em energias limpas.
Custo do progresso
Terceiro maior país do planeta, atrás apenas da Rússia e do Canadá, ela concentra a maior porção habitacional do globo, com 1,4 bilhão de habitantes. Depois do Japão e Estados Unidos, detém o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB), com o índice de US$ 10,33 trilhões. O posto, entretanto, foi conquistado em menos de quatro décadas, a partir de 1978, quando o Partido Comunista Chinês começou a se abrir ao investimento estrangeiro e baixar os custos da mão de obra. “Até 2010, a economia chinesa cresceu cerca de 10% ao ano, enquanto a média anual de países desenvolvidos ficava em torno de 2%. Para a capital Pequim, a poluição pareceu ser o preço a pagar pela conquista do desenvolvimento”, lembra Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Hoje, a China acumula números que preocupam. Por 80% de sua matriz energética ter sido, por anos, baseada na queima de carvão mineral, o país é o maior emissor de CO2 (dióxido de carbono) do mundo.
Em 2006, ultrapassou os Estados Unidos em termos de emissões absolutas, segundo a Agência de Avaliação Ambiental da Holanda. Naquele ano, de acordo com o estudo, 6,2 bilhões de toneladas do composto tóxico foram emitidos pela nação. Em 2011, dados da Agência Internacional de Energia (AIE), com sede em Paris, apontavam que o índice havia crescido para 31,6 bilhões. Um estudo de pesquisadores da Universidade de Harvard afirmou que o país emite tanto CO2 quanto a União Europeia e os Estados Unidos juntos.
Índices de poluição atmosférica 20 vezes superior aos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) chegaram a ser registrados em Pequim, que, em 2014, também já foi considerada uma cidade “imprópria para a vida”, pelo ranking da Academia de Ciências Sociais de Xangai.
China corre contra o tempo para limpar matriz
Há dois anos, o governo chinês declarou “guerra à poluição” e impôs mais rigor às punições aplicadas a fábricas que excederem limites de contaminação do ar e da água. Desde então, elas são obrigadas, por exemplo, a emitir a cada hora relatórios com dados quantitativos sobre emissões de gases poluentes.
Como medida emergencial, o primeiro-ministro Li Keqiang também prometeu fechar 50 mil fornos a carvão. No ano passado, a China reduziu seu consumo de carvão em 3,7%, resultado do avanço das renováveis, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
Apesar das boas expectativas da nação, alguns desafios ainda precisam ser superados nas 23 províncias chinesas.O fato de algumas regiões desenvolvidas, e com metas mais rígidas de controle de emissões, comprarem produtos fabricados em outras mais pobres, e, por consequência, com metas menos limitantes, é um exemplo.
Para Carlos Rittl, do Observatório do Clima, o caminho para a descarbonização chinesa e mundial vai exigir a superação de comportamentos como esses, além de investimentos constantes em inovação, mas é o único caminho possível. “O fato de 171 países terem assinado o acordo de Paris e se comprometido a ratificar medidas para a mitigação das mudanças climáticas foi um avanço. Agora, é preciso que elas passem a integrar o ordenamento jurídico de cada nação”, diz Rittl.
Ele defende que o caso da China deve servir de exemplo a outras economias mundiais. “Em 2015, mais de 25% dos municípios brasileiros decretaram estado de calamidade pública por conta de eventos climáticos. Investir na produção de combustíveis fósseis e destruir áreas de florestas, como ainda fazemos por aqui, certamente, não nos afastará do cenário caótico que a China construiu e hoje tenta, às pressas, modificar”, conclui.
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