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Fontes renováveis

“Itaipus” em alto-mar: como o vento no oceano pode ampliar a geração de energia no país

Energia eólica offshore
Subestação e turbinas eólicas no Mar do Norte, fronteira entre Alemanha e Dinamarca. (Foto: Christian Charisius/EFE)

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Um decreto publicado pelo presidente Jair Bolsonaro permitirá colocar também no mar as turbinas de geração de energia por meio do vento, cujos parques, hoje, ocupam apenas terra firme no país. O texto define regras para tirar do papel projetos eólicos em alto-mar, chamados de "offshore" no jargão do setor.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, o decreto representa importante avanço para o desenvolvimento da fonte no Brasil, “compatível com as transformações pelas quais o setor elétrico brasileiro vem passando nos últimos anos, especialmente em função da evolução da matriz elétrica”.

Para a pasta, o novo regramento “acompanha a modernização de tecnologias de geração energia elétrica por fontes renováveis e com grande capacidade de potência, características importantes ao atendimento do crescimento da demanda futura”.

Na prática, o objetivo é preencher uma lacuna identificada no setor: a ausência de um marco regulatório brasileiro para a exploração do potencial elétrico offshore, “em especial relacionado a questões sobre a implantação e ao modelo de concessão”, aponta o MME.

Na avaliação da pasta, o decreto deve contribuir para "trazer a necessária segurança jurídica aos investidores nacionais e internacionais" para o desenvolvimento de projetos de geração de energia, inclusive em parques eólicos em área marítima.

O ponto também é tido como fundamental pela Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). Em nota, a presidente da entidade, Elbia Gannoum, destaca que o decreto significa segurança "para que – tanto empresas, como sociedade e governo – saibam quais são os critérios técnicos, exigências, obrigatoriedades de estudos e os órgãos que responderão e serão responsáveis por analisar, aprovar e formalizar o avanço de cada etapa dos projetos, que possuem complexidade maior do que os de eólica onshore [em terra]”.

A ABEEólica destaca, ainda, que o governo apresenta agora as regras do jogo, mas que o Ibama já tem mais de 40 gigawatts (GW) de projetos eólicos offshore em análise – o que demonstra o grande interesse dos investidores, na avaliação da associação. A título de comparação, a capacidade máxima da hidrelétrica de Itaipu, maior geradora de energia do país, é de 14 GW.

Avanços da fonte, entretanto, já eram antevistos no Plano Nacional de Energia 2050. Elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal encarregada do planejamento do setor, o documento traz previsão de capacidade instalada de geração de energia elétrica por fonte eólica offshore de até 16 GW em 2050, caso haja redução no custo total de investimento da fonte. Essa perspectiva se mantém independentemente da indicação de um alto crescimento da capacidade eólica onshore.

Energia eólica offshore: 50 "Itaipus" em alto-mar

Diz o MME que “o Brasil notadamente possui características favoráveis para instalação e operação de empreendimentos para geração de energia elétrica offshore". No cenário entram a extensa costa, de 7.367 km, o vasto espaço marítimo, de 3,5 milhões km², a extensa plataforma continental, com águas rasas ao longo do litoral, e ainda a incidência dos ventos alísios, presentes na região Nordeste, de intensidade e direção constantes.

Estudo realizado pela EPE para identificar o potencial eólico offshore brasileiro e publicado em 2020 destacou áreas em que a velocidade dos ventos é superior a 7m/s (consideradas mais atrativas para este tipo de geração). Os resultados indicam que, a 100 m de altura e em locais com profundidade de até 50 metros, o potencial do Brasil seria de 697 GW. É o equivalente a quase 50 usinas de Itaipu.

Cabe, entretanto, destacar que as análises “não consideraram nenhuma restrição nas áreas exploráveis, como por exemplo áreas de proteção ambiental, rotas comerciais, rotas migratórias de aves, áreas de exploração de petróleo ou outras áreas com usos conflitantes”.

Parques eólicos em alto-mar aproveitam vento mais constante e forte. Mas são mais caros

A EPE frisa que, embora os projetos eólicos offshore utilizem tecnologia fundamentalmente semelhante à dos projetos onshore, as instalações em área marítima têm algumas vantagens, como a capacidade de exploração de vento mais constante e com velocidades mais altas do que em terra, além de menos restrições na área e distância do solo.

“Como resultado, os tamanhos dos projetos e as turbinas eólicas são geralmente maiores e os indicadores de desempenho desses parques geralmente são melhores”, completa a EPE.

Apesar disso, o custo é ponto a ser considerado. Estima-se que os projetos de usinas eólicas em mar são aproximadamente duas vezes mais caros que aqueles construídos em terra devido, principalmente, aos custos de fundações, de instalação e de transporte das estruturas. Somam-se a eles também custos adicionais na fabricação dos equipamentos, que “precisam ser projetados e protegidos contra o efeito da corrosão e da ação de ondas e marés”.

Além disso, ainda comparando com os parques onshore, os prazos de entrega de projetos offshore são maiores e o planejamento e a construção são mais complexos.

Independentemente desta característica, a avaliação da EPE é de que empreendimentos dessa natureza têm se mostrado competitivos, com perspectivas favoráveis diante da queda nos valores de energia nos países em que esses parques vem sendo implementados.

De acordo com o mais recente relatório de energia eólica offshore, elaborado pelo Conselho Global de Energia Eólica (GWEC, na sigla em inglês), o mundo tinha 35 GW de capacidade instalada para a geração de energia eólica offshore ao fim de 2020, 14 vezes o montante da década anterior. Só no ano passado, a capacidade subiu em 6,1 GW, acréscimo semelhante ao de 2019.

A Europa é o maior mercado do mundo em total de energia eólica offshore instalada, e também o maior em novas instalações, liderado por Reino Unido e Alemanha. No mercado asiático, o destaque é da China.

As perspectivas do GWEC são de que a potência dos parques eólicos será multiplicada por sete em uma década, chegando a mais 235 GW instalados até 2030.

O que diz o decreto da geração

O decreto assinado em 25 de janeiro por Bolsonaro e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore, ou seja, em ambiente marinho.

Os espaços físicos de que trata o texto são prismas, termo que define as áreas a serem exploradas para a geração de energia, que são tridimensionais, abarcando o “loteamento” definido por coordenadas geográficas, mas também a área vertical de profundidade coincidente com o leito submarino.

Pela regra, os contratos administrativos firmados junto à União terão prazo determinado e terão duas modalidades: de cessão planejada ou independente.

A cessão planejada consiste na oferta de prismas previamente delimitados pelo Ministério de Minas e Energia a eventuais interessados, mediante processo de licitação. A cessão independente trata da cessão de prismas requeridos por iniciativa dos interessados em explorá-los.

Ambas as cessões serão onerosas – ou seja, exigirão pagamento – e assinadas mediante a realização de estudos para identificar o potencial energético do prisma em questão. Haverá ainda a obrigatoriedade da emissão de uma série de Declarações de Interferência Prévia (DIP) como requisito para explorar a geração eólica offshore.

Os documentos serão emitidos por Marinha, Aeronáutica, Ibama, Instituto Chico Mendes, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Infraestrutura e do Turismo e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Os documentos vão avaliar compatibilidade com o transporte aquaviário, impacto paisagístico em regiões turísticas, eventuais interferências na atividade pesqueira, interferências nas comunicações ou nas operações aéreas, respeito a unidades de conservação, prejuízos para futuras implantações de projetos de exploração de gás ou petróleo, entre outros fatores.

A autorização de uso dos prismas no oceano competirá ao Ministério de Minas e Energia e abrangerá, além da área marítima destinada à instalação do empreendimento para a exploração da atividade de geração de energia, também áreas da União em terra. A estrutura é necessária para instalações de apoio logístico para manutenção e operação do empreendimento e para a conexão com o Sistema Interligado Nacional (SIN), por meio de procedimentos que ainda serão estabelecidos pelo MME.

O Ministério poderá delegar à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) as competências para firmar os contratos de cessão de uso e realizar os atos necessários à sua formalização.

O decreto prevê ainda que, a critério do Ministério de Minas e Energia, poderão ser realizados leilões específicos para a contratação de energia elétrica offshore quando indicado pelo planejamento setorial, por meio de estudos de planejamento desenvolvidos pela EPE ou do Plano Decenal de Expansão de Energia, mediante critérios de focalização e de eficiência.

Marco da geração offshore

Além do decreto publicado pelo governo federal, a geração de energia offshore é objeto de um projeto de lei, em tramitação no Senado. De autoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), a proposta pretende disciplinar a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético em área marítima.

Mesmo com a publicação do decreto, a assessoria do parlamentar informou à Gazeta do Povo que o senador deve insistir na aprovação do texto, uma vez que é ele mais amplo, com o início de um marco regulatório para a exploração de outras fontes, como solar ou das marés. Na justificativa do texto, destaca-se que “a inexistência de um marco regulatório sobre a atividade no Brasil tem sido um entrave para a atração de investimentos no setor”.

O PL está na Comissão de Infraestrutura. Foi distribuído em novembro para relatoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), que confirmou que a proposta deve seguir em debate apesar do decreto. O texto está no colegiado em decisão terminativa – o que significa que o resolvido pela comissão terá valor de uma decisão do Senado, sem a necessidade da votação em plenário.

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