O brasileiro nunca parcelou tanto suas compras como agora. Com o orçamento comprometido com aquisições recentes, como o automóvel, a geladeira, o fogão ou a casa nova as famílias estão espichando o prazo para que as novas compras caibam no bolso.
Segundo dados do Banco Central, o prazo médio de financiamento concedido aos consumidores entre operações de crédito pessoal, cartão de crédito, aquisição de veículos e outros bens atingiu, em dezembro do ano passado, o maior patamar da série histórica iniciada em 2000: 520 dias ou 17,3 meses. No fim de 2008, ele estava em 16,2 meses.
"A procura por prazos mais longos vem aumentando ano a ano. O brasileiro está comprando mais, os juros estão menores e ele precisa de parcelas que caibam no seu orçamento", diz Eduardo Balarotti, diretor de marketing e vendas da rede de material construção Balaroti. Segundo ele, 50% das vendas do grupo hoje são parceladas, porcentual que deve chegar a 60% até o fim de 2010.
Na venda de automóveis, esse índice é ainda maior. Cerca de 90% dos carros vendidos no Brasil são financiados. "O setor não vende se não oferecer prazo para o cliente", diz Luis Antonio Sebben, diretor regional da Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave). Segundo ele, o prazo médio de financiamento dificilmente chega ao limite oferecido pelas montadoras, mas vem aumentando ano a ano. "Antigamente, o prazo médio era de 23 meses. Passou para 34 meses e hoje está entre 42 e 43 meses", lembra.
Passada a crise, com a queda nos juros e a volta do crédito, o comércio também voltou a ampliar seus prazos para atrair os consumidores. A montadora Ford, por exemplo, voltou a oferecer planos de venda de automóveis com pagamento em até 80 meses. No grande varejo, bandeiras como Extra, Walmart e Condor passaram a oferecer prazos de dez a doze meses, que subir para 15, 18 meses no cartão próprio em algumas ações promocionais. Na mesma linha, Magazine Luiza e Pernambucanas já ampliaram alguns planos para 24 meses com juros.
Embora muitas vezes vá pagar mais no fim do financiamento, o brasileiro está mesmo interessado no valor da parcela."O consumidor ainda não faz a conta de quanto vai pagar ao fim do prazo, não mede o tamanho da dívida. Se ele tem uma renda de R$ 1 mil, ele vai pagar R$ 100 com a parcela do refrigerador e não pensa que ao fim de doze meses terá pago R$ 1,2 mil, mais do que um mês do seu salário", admite Jeferson Henrique Guimarães, diretor de vendas da MM Mercadomóveis. Atualmente, entre 75% e 80% das vendas da cadeia de lojas de eletrodomésticos são financiadas. De acordo com ele, nos últimos tempos o próprio consumidor passou a exigir mais prazo das redes. "Hoje a busca é por planos de dez a doze meses", afirma.
Boa parte desse fenômeno é explicado por outro fator: o brasileiro também nunca esteve tão endividado. Um estudo divulgado pela consultoria LCA mostra que o nível de dívida do consumidor bateu recorde no ano passado. Atingiu R$ 555 bilhões, entre cartões de crédito, cheque especial, financiamento bancário, crédito consignado, empréstimos para compra de veículos, imóveis, incluindo os recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O valor é quase 40% da renda anual da população, que engloba a massa nacional de rendimentos do trabalho e os benefícios pagos pela Previdência Social.
Em 2008, o brasileiro precisava de 4,3 meses de rendimentos (salários, aposentadorias e pensões) para quitar os empréstimos. No ano passado, esse índice subiu para 4,8 meses, a maior relação entre dívida e rendimentos da série histórica iniciada em 2001. "É natural que quanto mais comprometido o orçamento, mais o consumidor parcele suas novas contas", afirma Douglas Uemura, economista da LCA, que prevê que essa tendência veio para ficar. "Na comparação com outros países, o grau de endividamento aqui ainda é baixo. Ao mesmo tempo há muito crédito no mercado e uma demanda crescente", diz.
Para o economista Luiz Afonso Cerqueira, do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF), consumidor vive um momento de "euforia". A retomada do crédito, a confiança na manutenção do emprego, a perspectiva de aumento da renda e o crescimento da economia vêm favorecendo o consumo e, por consequência, o endividamento. "As pessoas não querem abrir mão dos novos sonhos de consumo justamente no momento que passam a ter acesso a ele", diz.