Inadimplência está em queda, mas pode subir no segundo semestre
Apesar do endividamento recorde do consumidor, analistas não consideram esse indicador como uma ameaça e nem temem uma explosão da inadimplência pelo menos não em 2010. A chave para o equilíbrio está na combinação do aumento da renda e do nível de emprego, que estão intimamente ligados ao nível de calote, segundo Luiz Afonso Cerqueira, do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF).
Dados do Banco Central mostram que a inadimplência de pessoa física fechou 2009 em 7,8%, depois de atingir um pico de 8,6% em maio do ano passado. Segundo a Serasa Experian, a inadimplência deve continuar sua trajetória de queda até meados de 2010, quando deve começar a ganhar algum fôlego. O crescimento acelerado do endividamento das famílias, a alta da inflação neste início de ano e a elevação do custo dos financiamentos são os fatores que devem interromper a rota de queda. Ainda assim, a inadimplência deve permanecer em patamar de normalidade, de maneira que não irá prejudicar a expansão do crédito às famílias em 2010.
O perigo, contudo, está em achar que o cenário positivo de 2010 pode se manter por tempo indeterminado, alerta Cerqueira. "A alta da inflação, o aumento dos juros e uma eventual redução de liquidez no mercado são fatores que podem provocar estragos no orçamento do brasileiro", diz Cerqueira, que defende que o consumidor evite se empolgar demais. "É preciso evitar o parcelamento do cartão do crédito e aos primeiros sinais de aperto, renegociar com a dívida com os bancos e cortar e controlar gastos supérfluos" afirma.
Em busca da parcela que cabe no bolso
O guarda-roupa, a cozinha e a mesa que o barista João Paulo Dias comprou junto com a esposa, a operadora de caixa Isabel da Silva, foram financiados, mas e o casal já pensa nas próximas aquisições para mobiliar a casa. "Queremos móveis para o quarto, como a cama e a mesinha de cabeceira, além de uma máquina de lavar", diz ele, que, embora deseje comprar à vista, admite que a maior parte será financiado. O casal tem que equilibrar os gastos das compras à prazo, que comprometem de R$500 a R$ 600 da renda dos dois, de R$ 2 mil.
"Fazendo compras a prazo, podemos usar o que queremos tudo ao mesmo tempo. Com compras à vista, temos que comprar alguma coisa e esperar para poder comprar outra", diz a comerciante Rosi Pascale, que na quinta-feita passada estava em busca de sofá, televisão, cama e máquina de lavar. "Se o preço do prazo for o mesmo do à vista, pagaremos as contas parceladas", diz
O administrador de empresas Leonardo Ferrarezzi acaba de pagar a primeira parcela, de R$ 450, do seu Ford Ka, parcelado em 80 meses. "Eu preferi pagar mais parcelas do que me privar de outros gastos diários", afirma ele, que tem uma renda de R$ 2,2 mil. Com uma renda de R$ 1,5 mil, o casal Tania Ribeiro Alves Rodrigues e Diogo Willian Rodrigues também não se importa com o prazo longo. Casados há um ano, eles adquiriram a cozinha em doze parcelas de R$ 120 e agora querem parcelar a compra computador, geladeira e guarda-roupas.
Colaborou Carla Bueno Comarella
O brasileiro nunca parcelou tanto suas compras como agora. Com o orçamento comprometido com aquisições recentes, como o automóvel, a geladeira, o fogão ou a casa nova as famílias estão espichando o prazo para que as novas compras caibam no bolso.
Segundo dados do Banco Central, o prazo médio de financiamento concedido aos consumidores entre operações de crédito pessoal, cartão de crédito, aquisição de veículos e outros bens atingiu, em dezembro do ano passado, o maior patamar da série histórica iniciada em 2000: 520 dias ou 17,3 meses. No fim de 2008, ele estava em 16,2 meses.
"A procura por prazos mais longos vem aumentando ano a ano. O brasileiro está comprando mais, os juros estão menores e ele precisa de parcelas que caibam no seu orçamento", diz Eduardo Balarotti, diretor de marketing e vendas da rede de material construção Balaroti. Segundo ele, 50% das vendas do grupo hoje são parceladas, porcentual que deve chegar a 60% até o fim de 2010.
Na venda de automóveis, esse índice é ainda maior. Cerca de 90% dos carros vendidos no Brasil são financiados. "O setor não vende se não oferecer prazo para o cliente", diz Luis Antonio Sebben, diretor regional da Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave). Segundo ele, o prazo médio de financiamento dificilmente chega ao limite oferecido pelas montadoras, mas vem aumentando ano a ano. "Antigamente, o prazo médio era de 23 meses. Passou para 34 meses e hoje está entre 42 e 43 meses", lembra.
Passada a crise, com a queda nos juros e a volta do crédito, o comércio também voltou a ampliar seus prazos para atrair os consumidores. A montadora Ford, por exemplo, voltou a oferecer planos de venda de automóveis com pagamento em até 80 meses. No grande varejo, bandeiras como Extra, Walmart e Condor passaram a oferecer prazos de dez a doze meses, que subir para 15, 18 meses no cartão próprio em algumas ações promocionais. Na mesma linha, Magazine Luiza e Pernambucanas já ampliaram alguns planos para 24 meses com juros.
Embora muitas vezes vá pagar mais no fim do financiamento, o brasileiro está mesmo interessado no valor da parcela."O consumidor ainda não faz a conta de quanto vai pagar ao fim do prazo, não mede o tamanho da dívida. Se ele tem uma renda de R$ 1 mil, ele vai pagar R$ 100 com a parcela do refrigerador e não pensa que ao fim de doze meses terá pago R$ 1,2 mil, mais do que um mês do seu salário", admite Jeferson Henrique Guimarães, diretor de vendas da MM Mercadomóveis. Atualmente, entre 75% e 80% das vendas da cadeia de lojas de eletrodomésticos são financiadas. De acordo com ele, nos últimos tempos o próprio consumidor passou a exigir mais prazo das redes. "Hoje a busca é por planos de dez a doze meses", afirma.
Boa parte desse fenômeno é explicado por outro fator: o brasileiro também nunca esteve tão endividado. Um estudo divulgado pela consultoria LCA mostra que o nível de dívida do consumidor bateu recorde no ano passado. Atingiu R$ 555 bilhões, entre cartões de crédito, cheque especial, financiamento bancário, crédito consignado, empréstimos para compra de veículos, imóveis, incluindo os recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O valor é quase 40% da renda anual da população, que engloba a massa nacional de rendimentos do trabalho e os benefícios pagos pela Previdência Social.
Em 2008, o brasileiro precisava de 4,3 meses de rendimentos (salários, aposentadorias e pensões) para quitar os empréstimos. No ano passado, esse índice subiu para 4,8 meses, a maior relação entre dívida e rendimentos da série histórica iniciada em 2001. "É natural que quanto mais comprometido o orçamento, mais o consumidor parcele suas novas contas", afirma Douglas Uemura, economista da LCA, que prevê que essa tendência veio para ficar. "Na comparação com outros países, o grau de endividamento aqui ainda é baixo. Ao mesmo tempo há muito crédito no mercado e uma demanda crescente", diz.
Para o economista Luiz Afonso Cerqueira, do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF), consumidor vive um momento de "euforia". A retomada do crédito, a confiança na manutenção do emprego, a perspectiva de aumento da renda e o crescimento da economia vêm favorecendo o consumo e, por consequência, o endividamento. "As pessoas não querem abrir mão dos novos sonhos de consumo justamente no momento que passam a ter acesso a ele", diz.
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