A utilização dos cartões de débito e crédito para pagamentos cresceu bastante nos últimos anos e fez a proporção do dispositivo entre os diferentes tipos de transação passar de 18% para 33% entre 2007 e 2017, segundo dados da consultoria Boanerges & Cia, especializada em varejo financeiro. Para 2027, a consultoria prevê que 49% dos gastos privados sejam feitos com cartão, e que o dinheiro vivo tenha cada vez menos espaço.
Para realizar a análise, a Boanerges utilizou números do Banco Central (BC), da Associação Brasileira da Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e relatórios da The Nilson Report.
Os meios eletrônicos de pagamento movimentaram R$ 1,36 trilhão em compras em 2017. Destes, R$ 842,6 bilhões foram no crédito, R$ 508 bilhões no débito e R$ 6,6 bilhões em cartões pré-pago, de acordo com a Abecs. Em 2018, o primeiro trimestre registrou um aumento de 14,4% em relação ao mesmo período de 2017, com R$ 355,4 bilhões em transações.
Quem é quem
Desde 2010, o Banco Central tem estimulado o aumento da competitividade do setor, em um movimento de abertura do mercado para a entrada de novos players. Hoje, não é difícil perceber que há, de fato, mais competição, basta observar quantos tipos diferentes de “maquininhas” existem e a possibilidade de bancos digitais oferecerem cartões de crédito, por exemplo.
O setor é formado, basicamente, por três partes: as bandeiras, os emissores e as credenciadoras ou adquirentes.
Confira quem é quem, o que fazem e como suas compras são processadas:
Nos infográficos acima, destacamos alguns dos principais nomes atuantes no mercado. Não é difícil perceber que, apesar do aumento da competitividade, o poder dos bancos atuantes no setor financeiro tradicional ainda é grande. “Os bancos são emissores, possuem bandeiras e controlam as credenciadoras. Eles têm um comando direto em toda a cadeia de distribuição e canalização dos pagamentos com cartão”, explica Cleverson Pereira, professor de Cenários Econômicos da Uninter.
O Banco Central publicou, em março deste ano, a Circular nº 3.887, que mexe na taxa de desconto que a credenciadora cobra dos estabelecimentos comerciais. Esta taxa também é chamada MDR, do inglês Merchant Discount Rate.
Confira no infográfico:
O MDR é cobrado pela credenciadora no momento da compra, sendo dividida entre os emissores, em sua maioria bancos, bandeiras e a própria credenciadora. No Brasil, apesar da taxa ter apresentado uma leve queda desde 2008, a fatia destinada aos emissores, chamada de intercâmbio, aumentou.
Acompanhe evolução do MDR no débito e no crédito desde 2008:
Desde 2010, o MDR médio caiu 0,25 ponto percentual, para 2,65%, enquanto no débito a queda foi de 0,13 ponto percentual, para 1,45% em 2017 (este último indicador foi antecipado pelo Banco Central para a Boanerges & Cia). O intercâmbio, no entanto, subiu de 1,30% para 1,58% no crédito e 0,79% para 0,82% no débito.
Seguindo o exemplo de países como Estados Unidos, China e da União Europeia, a Circular nº 3.887 limita a taxa de intercâmbio cobrada pelos bancos nas compras presenciais de pessoas físicas utilizando cartão de débito. A partir de 01 de outubro, a tarifa média de intercâmbio deve ser 0,5% do valor da transação e o teto máximo da cobrança fica em 0,8%, ou seja, abaixo do que é praticado hoje, em média. Com a mudança, acredita-se que os ganhos dos bancos com intercâmbio reduzam em até 40%.
De acordo com o BC, os limites para as tarifas de intercâmbio no débito são uma forma de promover crescimento sustentável e socialmente desejável dos cartões de pagamento. Pelo diagnóstico do órgão regulatório, não há um mecanismo de mercado forte o suficiente para exercer pressão de queda do intercâmbio, o que também limita a queda da MDR como um todo.
Além disso, no Brasil são praticados valores mais altos em comparação com outras jurisdições. “O atual nível da tarifa de intercâmbio desincentiva o surgimento de arranjos com modelos de negócio inovadores e mais eficientes. Nesse sentido, entendo que existem fatores suficientes para justificar uma regulação em transações com cartões de pagamento”, afirmou Reinaldo Le Grazie, Diretor de Política Monetária do BC, em voto.
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Para Pereira, a mudança estipulada pelo BC deve obrigar os bancos a se reinventar. Com a competitividade acirrada no mundo das credenciadoras (o que explica, também, a queda da MDR), os bancos podem perder um pouco o poder de negociação e pressão.
“Até então os bancos conseguem pressionar a bandeira e o credenciador pela taxa que ele quer, diz que se não aceitarem vai para a concorrência, pararia de emitir cartões. As novas credenciadoras mostraram que é possível fazer a intermediação de forma mais barata e os lojistas devem ganhar com isso, podendo negociar valores mais acessíveis com as credenciadoras”, explica o professor.
Com o tempo, redução no custo do sistema deve chegar aos comerciantes
O Banco Central acredita que a redução do intercâmbio deve contribuir para a aceleração do crescimento das operações com cartões de débito e também que a redução seja repassada aos varejistas.
A Boanerges & Cia trouxe um levantamento com as taxas de intercâmbio praticadas em diferentes setores do mercado que utilizam a bandeira Mastercard. O segmento de supermercados, um dos mais importantes do setor varejista, já possui taxa de intercâmbio de 0,5%, dentro dos limites do BC. No entanto, em vários outros segmentos as taxas devem mudar: companhias aéreas (0,95%); postos de combustível (0,80%); lojas de departamento (0,85%) são alguns exemplos.
Segundo Pereira, a limitação da taxa de intercâmbio na União Europeia deixou o mercado mais dinâmico e competitivo. “Conforme os lojistas passaram a pagar menos na taxa total, começaram a ter uma sobra para investimentos. Muitos buscaram abrir mais pontos de loja, injetaram em treinamento de equipe, em tecnologia. E também há indícios de que os benefícios foram repassados para o consumidor final”, conta.
O professor aponta que a mudança também fez com que surgissem novos players para além dos tradicionais credenciadores, em sua maioria não ligados a bancos, como as fintechs. “Se tudo isso vier a acontecer no Brasil, será positivo para toda a cadeia”, diz. “Sempre que não tem concentração na mão de poucos, o resultado é melhor”, acrescenta.
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Até quando o setor de pagamentos vai se pulverizar?
O estímulo à competitividade no setor de pagamentos faz parte da agenda positiva do Banco Central e a entrada de novos nomes nesta disputa não deve diminuir tão cedo. Ao menos por enquanto, Pereira acredita que este é o caminho.
A opinião do professor é que algo parecido com o que houve quando o Brasil passou pelo processo mais forte de bancarização, entre as décadas de 1980 e 1990. “Foi preciso que muitos bancos fossem abertos, dessem acesso à população, à cadeia produtiva e aos negócios, para então em outro momento os grandes players começarem a comprar os menores”, afirma.
Ele acredita que a estratégia agora deve ser verticalizar e abrir este mercado, para que, assim, os bancos também saiam de uma posição de conforto, em que ditam as regras do jogo. “A partir do momento em que tiverem competição, precisarão se reinventar para não perder clientes. Com a concorrência, o lojista aumenta seu horizonte e não fica dependente apenas do banco”, completa.
Pereira não descarta que fusões e aquisições possam acontecer no futuro, quando os pagamentos eletrônicos estiverem mais consolidados. “Já vemos isso, por exemplo, no mercado de investimentos. Surge uma fintech que cria um novo modelo de investimento, um grande banco logo vai lá e compra. Por enquanto, nada impede que isso também venha a acontecer com os meios de pagamento”, finaliza.
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