Entenda a polêmica da Emenda 3
A legislação brasileira autoriza a existência da chamada "empresa de uma pessoa só".
O que é?A "empresa de uma pessoa" é, quase sempre, uma empresa constituída por profissional liberal prestador de serviços.
Por quê?Por causa da qualificação desses profissionais, os empregadores acham caro pagar o salário acima da média, acrescido dos encargos trabalhistas.
Menos encargos e impostos
É cada vez maior o número de "empresas de uma pessoa só", o que interessa:
- aos empregadores, porque pagam menos encargos trabalhistas, mantêm o nível salarial, e não jogam o trabalhador na informalidade;
- aos profissionais liberais, porque mantêm um vinculo formal com a Receita, não se submetem às altas alíquotas do IR das pessoas físicas e são tributados como pessoas jurídicas para compensar a redução dos encargos trabalhistas.
Posição do Fisco
A Receita resiste à existência da "empresa de uma pessoa só" sob três argumentos:
- livra os empregadores do pagamento dos encargos trabalhistas; - disfarça o vínculo empregatício porque os serviços contratados aos profissionais liberais não são temporários, mas regulares;
- o governo arrecada menos para a Previdência.
Abuso?Além de multar as "empresas de uma pessoas só", os fiscais costumam determinar que elas sejam desconstituídas, o que os parlamentares e muitos juristas consideram um abuso de poder.
Emenda 3Ao aprovar a Lei da Super-Receita (6.272/05), o Congresso também aprovou, de carona, uma emenda à Lei n.º 10.593/2002, que regulamenta o trabalho dos fiscais da Receita, da Previdência e do Trabalho.
O que diz a Emenda"No exercício das atribuições da autoridade fiscal (...), a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial."
Redação "tortuosa"Para os juristas, do jeito que foi redigida a Emenda 3, os fiscais da Receita e da Previdência ficaram proibidos de "desconsiderar" as "empresas de uma pessoa só", mas os fiscais do trabalho deixariam de poder fiscalizar, mesmo que não cometessem o abuso de desconstituir empresas.
Solução: projeto de leiO presidente da República sancionou Lei da Super-Receita, mas vetou a Emenda 3. Agora, a atuação dos fiscais será decidida por um projeto de lei com tramitação em urgência urgentíssima. Ele tranca a pauta se não for votado em 45 dias. Ele abrirá a possibilidade de uma pessoa poder recorrer à instância superior da Receita ou até mesmo à Justiça, quando autuada.
São Paulo Associações empresariais e a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) lançaram ontem um movimento sob o slogan "Fiscal não é juiz" e divulgaram um manifesto para reivindicar, ao Congresso Nacional, a derrubada do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Emenda 3 do projeto de lei que criou a Super-Receita.
O manifesto, assinado inicialmente por sete entidades representativas, alega que a Emenda 3 mantém o estado de direito ao impedir que fiscais da Super-Receita apliquem multas em caráter definitivo às empresas, estabelecendo exclusividade de julgamento ao Poder Judiciário.
"O objetivo maior do movimento é ser a favor da manutenção do estado de direito, no qual o Executivo não cumpra o papel do Judiciário ao transformar o fiscal em juiz", declarou o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Claudio Vaz, após o lançamento do manifesto na sede da OAB-SP. "Hoje é o fiscal julgando a questão trabalhista, e amanhã será o policial quem julgará a questão penal", acrescentou Vaz.
Segundo o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio D'Urso, o objetivo do movimento pela derrubada do veto é manter "atos jurídicos perfeitos" nos contratos entre prestadores de serviços e empresas. "A discussão é sobre o sistema jurídico de separação dos poderes, e não se será feita a defesa ou não dos direitos do trabalhador", afirmou D'Urso. "Está errada a posição dos sindicatos, de alegarem que a manutenção do veto à Emenda 3 vai assegurar os direitos dos trabalhadores", completou.
Numa crítica aos sindicatos, o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alencar Burti, disse que não adianta "sonhar por um mundo perfeito, enquanto duas em cada três empresas do país, e seus respectivos trabalhadores, permanecem na informalidade". "Quero que os sindicatos digam qual é o direito daqueles que estão na informalidade. Sendo o sujeito um PJ, cabe ao sindicato fiscalizar a relação entre capital e trabalho e mover ação judicial, caso identifique algo de incorreto nesta relação", avaliou o presidente da ACSP.
"É preciso que os trabalhadores tenham claro que, caso se sintam prejudicados, podem recorrer à Justiça trabalhista, porque o contrato firmado entre o PJ e a empresa está sujeito à legislação", acrescentou o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícia, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon-SP), José Maria Chapina Alcazar.
O presidente do Sescon-SP admitiu que o governo também possa ter motivações arrecadatórias ao conceder mais poderes aos fiscais, pois estudos tributários revelam que as empresas gastam menos com pessoas jurídicas do que com empregados registrados, atendendo às exigências da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).
Trabalho escravo
O ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, disse ontem que a derrubada do veto presidencial à Emenda 3 da lei que criou a Super-Receita significaria a oficialização do trabalho escravo no país. Segundo ele, todos os partidos da base do governo irão trabalhar para manter o veto presidencial no Congresso.
"Defendo que o veto do presidente seja mantido. Até porque essa Emenda 3 é inconstitucional. Ela, por exemplo, tira o poder do Ministério do Trabalho e Emprego de fiscalizar as empresas. Então isso seria oficializar o trabalho escravo, dando como exemplo mais radical", afirmou Lupi, em entrevista à Agência Brasil.
"Temos uma posição de todos os onze partidos que fazem base da aliança do presidente Lula, inclusive o meu, do qual sou presidente, que é o PDT, de fechar questão nesse veto presidencial. Poderemos ter uma ou outra exceção à regra, de alguma pessoa jurídica. Mas não podemos transformar pessoa jurídica na regra."
O ministro do Trabalho classificou a Emenda 3 como um "atraso" para o Brasil. "O que significa isso? Burlar a legislação, não pagar os direitos trabalhistas, não depositar o Fundo de Garantia. Como o governo pode admitir isso? Como o governo popular, democrático, um presidente da origem do presidente Lula, um trabalhador, vai aceitar que as conquistas de trabalhadores, ao longo de meio século de luta, de Brasil, possam ser simplesmente ignoradas."
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