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Entre arrendamentos e leilões, portos do Brasil seguirão caminho do Estado mínimo

Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

Os planos do ministério da Infraestrutura para destravar os investimentos na área começarão pelo o que já estava caminhando na gestão de Michel Temer: os arrendamentos de terminais portuários. O novo secretário de Portos e Transportes Aquaviários e ex-diretor do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), Diogo Piloni, foi oficialmente nomeado na última quinta-feira (8) e conversou com a Gazeta do Povo sobre as prioridades da pasta na nova gestão.

“Fizemos 19 licitações de arrendamentos em 2018, tocados pelo ministério [dos Transportes, atual Infraestrutura] e coordenados pelo PPI. A ideia é potencializar isso”, disse ele. Agora que ‘sentou na cadeira’, ele garante: é o momento de priorizar empreendimentos. “Algo em torno de 20 projetos”, diz. A expectativa é definir quais até o fim de janeiro para a primeira reunião do PPI, que deve ocorrer ainda no 1.º trimestre.

Dez outras licitações, contudo, já estavam com data marcada: três terminais do Porto de Cabedelo, em João Pessoa, (PB), um em Vitória (ES), cinco em Belém (PA) e outro no porto de Vila do Conde, em Barbacena (PA). Todos os projetos são de granéis líquidos. Em ‘bom português’, focados no setor de combustíveis.

“Priorizamos essas licitações pela mudança da estratégia comercial da Petrobras, que concentra as atividades de extração. Isso gera oportunidades em outras partes da cadeia, como distribuição e logística, e gera novas possibilidades em outros terminais portuários”, justifica.

Candidatos para os arrendamentos não faltam, de empresas que já atuam no mercado nacional a ‘gringos’. Segundo fontes do mercado, além das tradicionais concorrentes BR Distribuidora e Transpetros, ligadas à Petrobras, companhias como Raízen, Ipiranga, além de interessados da China e da Argentina que já atuam no ramo de distribuição têm interesse nos arrendamentos dessas áreas.

A regra básica para esses dez leilões é por maior valor de outorga: quem dar o maior lance leva o terminal por 15, 20 ou 25 anos, dependendo do edital. A concessão pode ser renovada pelo mesmo prazo se, ao final do contrato, a operação for considerada eficiente pelo governo e pelas autoridades portuárias envolvidas.

Por decreto, o ex-presidente Michel Temer autorizou prorrogações por até 70 anos para arrendamentos em portos por uma mesma empresa ou consórcio. Há especialistas a favor e contra a medida.

“Espero que essa regra permaneça, pois traz segurança jurídica às empresas. Elas podem saber o quanto investir, o quanto precisam para se manter. Era uma demanda clara do mercado”, analisa Fabrizio Pierdomenico, ex-secretário de Planejamento e Desenvolvimento Portuário da Secretária de Portos e sócio-diretor da Agência Porto, com sede em Santos.

Consultor de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antonio Fayed dá como exemplo a necessidade de relicitar contratos terminados para favorecer as exportações: “Esse negócio tinha que acabar. Nossa posição é a relicitação. Veja a experiência do setor rodoviário: você relicita e as tarifas caem”, afirma.

Privatização das Companhias Docas não é prioridade

De um lado estão os arrendamentos de terminais. Do outro, os boatos sobre uma possível “privatização dos portos”, tema que Piloni faz questão de esclarecer: “Minha missão será a descentralização do poder. Se a gente tem autoridades em condição de assumir papeis de gestão de seus próprios contratos, caminharemos neste sentido”.

Ele garante que vai seguir uma portaria assinada dia 26 de dezembro pelo então Ministro dos Transportes, Portos e Aviação, Valter Casimiro, que transfere a autonomia para as autoridades portuárias. “É claro que essas autoridades têm de cumprir alguns requisitos para ter a delegação de competências, porque não faria sentido delegar o desafio para uma parte com menos condições de enfrentá-lo do que nós, enquanto poder público federal”, explica Piloni.

A medida deve ter o aval do mercado. “O governo da época [em que foi assinada a nova lei dos portos] arrebentou a Lei 8.630”, afirma Fayet, consultor da CNA, referindo-se à primeira Lei dos Portos, assinada em 1993 e revogada em 2013 por Dilma Rousseff. “A nova lei determinou que todas as decisões fossem centralizadas em Brasília. O Porto de Paranaguá tinha tudo pronto [para licitar arrendamentos] em 2012 e, com a mudança da lei não conseguimos fazer mais nada em Paranaguá”, exemplifica Fayet.

Uma das principais mudanças da legislação foi a que passariam a ganhar licitações empresas que apresentassem critérios de maior eficiência com menor tarifa. Pela Lei de 1993, valia o valor de outorga – critério que voltou a existir nos novos editais do governo Temer, assim como a expectativa de privatizações, que não são descartadas pelo Ministério da Infraestrutura. Mas o foco primário não é esse, garante Diogo Piloni.

O novo secretário garante que a equipe está aberta para estudar mais de um modelo de gestão de transferência da administração portuária para iniciativa privada.

“A lei que rege o processo de transferência de ativos para iniciativa privada é a lei do PND – Plano Nacional De Desestatização, que traz um universo de modelos. A concessão dos aeroportos e rodovias, que é recorrente, é uma delas, e prevê a devolução de ativos para o poder público. A privatização é definitiva, com a venda do ativo, onde o governo pode até manter poder de veto para alguns assuntos”, explica.

Não há um modelo para a “desestatização” das Companhias Docas

Para o secretário, cada porto tem uma realidade que se adequa melhor a um modelo de gestão. “Teremos alguns projetos pilotos, mas cuidados muito grandes no seguinte aspecto: porto público tem funções que precisam ser tuteladas pelo poder público, porque não atende só cadeias lucrativas e interessantes do gestor privado. Os portos atendem cadeias menos lucrativas importantes para as economias locais e também para o país”.

De acordo com o novo secretário, o PPI realizou a qualificação de um estudo de desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo, a Codesa. “O conselho do PPI priorizou esse empreendimento, e vamos dar continuidade. Com relação às demais [companhias de docas], não temos nada fechado. Estamos recebendo ideias e vamos avaliar com cuidado”, disse ele sem dar mais detalhes sobre o destino da Codesa.

Fabrizio Pierdomenico lembra que o conceito de arrendamento da operação está consolidado desde 1993, mas que a privatização da gestão dos portos é um assunto mais sensível. “A primeira análise que precisa ser feita é que não há muitas experiências internacionais de portos públicos cuja gestão do porto seja privada. Um ente público, com regras de gestão pública, está sujeito a muitas amarras e barreiras legais para a gestão funcionar na velocidade que precisa”.

Ciente disso, Piloni garante: o processo de desestatização não é uma ameaça às autoridades portuárias. “Acho que há um complemento entre melhoria de gestão publica e possibilidade de gestão privada. Onde a gestão privada não se justifica, a gestão será pública”, conclui.

Agronegócio espera que novos arrendamentos nos portos venham logo

Enquanto especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes quanto à nomeação de Diogo Piloni – “Cara técnico, e competente”, eles dizem –, a medida de priorizar a área de combustíveis neste primeiro momento gera entusiastas e críticos.

“A sequência de dez editais [de granéis líquidos com leilões marcados] é um processo de amadurecimento da agência reguladora (Antaq), do corpo técnico e da Secretaria de Portos via PPI. O atual governo precisa entender que essa sequencia de licitações precisa permanecer, principalmente para as mais urgentes, como terminais líquidos porque tem relação direta com o abastecimento de combustível para a população. É preciso essa sensibilidade e é importante não perder o embalo”, avalia Fabrizio Pierdomenico.

“Essa é uma pressão da própria Petrobras. É óbvio que o Brasil está crescendo, mas o que temos que resolver são os terminais de grãos, que foi o que empacou. E para racionalizar precisamos fazer a modernização de algumas coisas”, avalia Luiz Antonio Fayed, lembrando das crescentes exportações recordes do Brasil. “Em 50 anos, passamos de importadores de alimentos para o segundo maior exportador do mundo. Ultrapassamos os Estados Unidos nas exportações de soja”, enfatiza o consultor.

Leilões fracassados e a expectativa para o porto de Paranaguá

No ano passado, tentativas de arrendamento de terminais do agronegócio falharam em Paranaguá e em Porto de Santana (AP). No Amapá, um terminal de cavaco de madeira não teve interessados em leilão de setembro. No Paraná, os leilões dos terminais de celulose e de veículos, ambos agendados para 27 de julho, também foi deserto. Já três terminais de grãos que precisam de arrendamento também estão parados – e não é por falta de interesse do setor privado, como apurou a reportagem.

Nos bastidores do agronegócio, fala-se em nomes como Cargill e Bunge e cooperativas. Nenhuma das empresas quis comentar o assunto – as duas empresas mantêm terminais arrendados em Paranaguá, assim como a Coamo.

Diretor da Associação de Portos de Paraná e Antonina (Appa) até 31 de dezembro, Lourenço Fregonese garante: os estudos técnicos para receber os arrendamentos estão prontos desde 2012: “Enviamos para Brasília no começo do governo Dilma. Naquela época tiraram a autonomia dos portos, o governo puxou tudo para Brasília e, com a Lei 12.815, a nova Lei dos Portos, pararam os investimentos”.

A Appa, então, resolveu utilizar recursos próprios para investir nos terminais. “No governo Temer, voltou a discussão dos leilões”, lembra Fregonese. Quando o negócio andou, após serem feitas audiências públicas para os terminais de celulose e veículos, “mudaram a regra do jogo no final”, nas palavras do ex-diretor da Appa. A informação é confirmada por especialistas de mercado.

Havia pelo menos cinco empresas interessadas no leilão do terminal de Celulose, incluindo a Klabin, que concentra sua produção em Ortigueira (PR), e poderia ampliar a capacidade de exportações. “Na audiência pública de ambos os casos, discutimos uma taxa de 10% de taxa de retorno nos contratos e previa o arrendamento por 25 anos”, lembra Fabrizio Pierdomenico.

Quando o edital foi publicado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) as condições foram outras: a taxa de retorno de 10% baixou para 8,03% e o período de arrendamento para 17 anos.“Isso foi determinante para impedir que as empresas participassem”, afirma o consultor da Agência Porto. No que depender do novo secretário de Portos, ainda neste semestre o arrendamento de celulose e veículos vai voltar à pauta.

“Como a primeira tentativa foi frustrada, fizemos um levantamento dos motivos teriam levado a isso, o que nos leva a uma nova configuração. A expectativa é republicar esses dois editais já em janeiro. Assim, o novo leilão na bolsa para esses terminais ficará para abril ou maio”, afirma Diogo Piloni.

A Klabin afirmou, por meio de nota, que acompanha com atenção todas as movimentações de mercado. “Qualquer possibilidade de otimização dos processos da Companhia é avaliada”. A empresa reforçou que o porto de Paranaguá é hoje a principal rota de escoamento da Klabin, que tem uma unidade logística no local.

Já os três terminais de grãos vão demorar um pouco mais. “A ideia é ao longo do ano lançar o edital. Vamos discutir e aprimorar com os players da região e faremos a consulta prévia ao TCU, assim como todo processo de licitação de arrendamento”, adianta o secretário. Ele afirma que manteve conversas preliminares com o novo diretor-presidente da Appa, Luis Fernando Garcia, que prefere aguardar a divulgação da nomeação no Diário Oficial antes de se pronunciar sobre o assunto.

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