Favela cruzada por linha de trem em Hanói, a capital vietnamita: crescimento anual de 7% é anulado por inflação de dois dígitos, que prejudica os mais pobres| Foto: Justin Mott/The New York Times

Interferência excessiva

Burocracia para tudo irrita investidores

Investidores afirmam estar observando se o governo colocará em prática planos há muito discutidos para reduzir uma rede paternalista de regulamentos e restrições. Fred Burke, diretor-gerente da filial vietnamita da Baker & McKenzie, uma firma de advocacia internacional, dá um exemplo: dirigir um caminhão exibindo uma propaganda pelas ruas de Ho Chi Minh City exige 17 aprovações diferentes dentro do governo. As companhias que quiserem chamar uma coletiva de imprensa ou fazer um anúncio precisam obter permissão governamental. No ano passado, no que as empresas viram como uma tentativa equivocada de controlar a inflação, o governo aprovou regras exigindo delas que divulgassem os preços de todos os ingredientes em alguns produtos.

Burke, que faz parte de um grupo que presta consultoria ao governo sobre como reduzir a burocracia, diz que houve "retrocesso em termos de reformas" nos últimos anos, e descreve a política cambial no Vietnã como "disfuncional". Mas vê sinais de que o governo está tentando cortar a papelada. E também percebe que fabricantes de produtos de alto valor agregado têm investido no país. "É o melhor momento em termos da qualidade do investimento que entra", diz Burke.

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Efeito dominó

Inflação sobe, rating cai e crédito encarece

A economia vietnamita cresceu a uma média de 7% ao ano nos últimos cinco anos, e o ritmo tem sido esse desde os anos 80. Esse crescimento tem ajudado a proporcionar um aumento de bem-estar material sem precedentes: trabalhadores que ganham salário mínimo agora podem comprar motocicletas, televisores, panelas de arroz elétricas e telefones celulares. Mas a inflação, atualmente em cerca de 12%, se tornou uma grande preocupação, especialmente entre os pobres.

"Como é que a gente poderia estar feliz?", pergunta Pham Thi Ngoc, vendedor de frutas na periferia de Ho Chi Minh City. "O dinheiro está perdendo seu valor", lamenta. Esse tipo de preocupação vai bem além das fronteiras do país. A Moody’s, agência de classificação de risco, rebaixou a nota da dívida soberana do Vietnã no mês passado por conta do que descreveu como "deficiências na política econômica", incluindo incapacidade para combater a inflação. Como resultado do rebaixamento, o crédito se tornou mais caro. A PetroVietnam, empresa estatal de petróleo, anunciou que adiaria uma venda planejada de US$ 1 bilhão em títulos por causa de condições de mercado "desfavoráveis".

Empresas vietnamitas relutam em contrair empréstimos junto aos bancos a taxas que chegam a 18%. "O que uma pequena empresa pode fazer?", questiona-se Lam Vien Nguyen, ex-empregado em uma fazenda de propriedade estatal e agora presidente da Vinamit, uma empresa de processamento de alimentos que exporta frutas secas e outros produtos. "A situação financeira do Vietnã é ruim, e o governo reage apenas com analgésicos", reclama.

Ainda assim, muitos investidores estrangeiros dizem que estão apostando que a lendária ética do trabalho dos vietnamitas e uma história de superação de adversidades vão ajudar o país a se recuperar dos mais recentes baques. "Não há como entender o Vietnã sem ver de perto a atividade frenética e a felicidade que vive o país", diz Peter Ryder, presidente-executivo da Indochina Capital, empresa de investimentos. "É uma das razões pelas quais o governo se safa com sua incompetência. Após 100 anos de guerra e fome, o povo nunca pensou que a vida chegaria a ser tão boa", analisa.

Bandeiras estampando a foice e o martelo tremulam em Ho Chi Minh City (a antiga Saigon), bastião do aparentemente irrefreável capitalismo vietnamita onde, na terça-feira, teve início, como manda o figurino, o Congresso Nacional do Partido Comunista, realizado a cada cinco anos para traçar o rumo de um país que tem assistido a um milagre econômico nas últimas décadas. Mas, desta vez, as coisas são diferentes. Numa região onde os governos estão cheios de reservas cambiais e a inflação relativamente sob controle, o Vietnã é uma ilha de instabilidade econômica.

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A economia do país continua a crescer 7% ao ano, mas os aumentos na casa dos dois dígitos nos preços de alimentos e outros bens essenciais castigam a classe trabalhadora e contribuíram para que, recentemente, uma agência de classificação de risco decidisse rebaixar a nota da dívida soberana do país. A moeda do Vietnã tem constantemente ficado abaixo da taxa de câmbio oficial, criando um próspero mercado negro de ouro e dólares. E uma das maiores empresas públicas locais está praticamente insolvente, derrubada por dívidas de valor equivalente a mais de 4% da produção total do país.

"Estamos no limite, não há muita margem para erro", diz Le Anh Tuan, diretor de pesquisa da Dragon Capital, uma empresa de investimentos. "A questão, no Vietnã, depende muito de até que ponto o governo conseguirá localizar a raiz do problema para poder corrigi-lo", afirma. Os problemas, dizem muitos empresários e economistas, têm origem na contínua e pesada dependência do Vietnã de suas empresas estatais, apesar da abertura do país para mais negócios privados, que se expandiram de forma rápida e rentável.

Estatais para tudo

Durante anos, o governo considerou sua vasta rede de empresas estatais como a vanguarda da economia, grandes conglomerados dos quais o Partido Comunista poderia se valer para conduzir o país rumo à prosperidade. O domínio das empresas estatais, mesmo depois de várias ondas de privatizações, continua a ser impressionante. Não é difícil para um habitante local passar um dia inteiro consumindo produtos e serviços do governo: pagando a conta do celular, depositando um cheque no banco, fazendo compras no supermercado, enchendo o tanque do carro e almoçando num hotel de luxo.

Mas os problemas aparentemente insolúveis da Vinashin, empresa pública profundamente endividada, escancararam as limitações de se confiar tão amplamente em estatais. A partir de sua missão central, a construção de navios, a Vinashin se multiplicou em cerca de 450 empresas, negócios que não conseguiu tornar rentáveis por não ter capacidade para geri-los adequadamente, como spas, imóveis e linhas de montagem de motocicletas. À beira da falência, com US$ 4,5 bilhões em dívidas, a empresa agora está efetivamente sendo resgatada pelo governo: foi dispensada de pagar impostos este ano e tomará empréstimos sem juros, segundo relata a imprensa vietnamita.

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Ineficiência

Para se ter uma medida de sua ineficiência, as empresas estatais do Vietnã se apropriam de 40% do capital investido no país, mas contribuem com apenas 25% do Produto Interno Bruto. Economistas dizem que a falta de transparência com que o governo tem tratado o colapso da Vinashin e a política inconsistente nos altos escalões da área econômica minaram a confiança na moeda e no mercado em geral. A bolsa do país tem tido um dos piores desempenhos na Ásia nos últimos três anos.

Economistas e empresários estão presentes à reunião do Partido Comunista para saber se as empresas estatais continuarão a ser mimadas ou se serão forçadas a aderir à disciplina do "quem não tem competência não se estabelece". "Até agora não vimos muitos casos em que o governo tenha deixado morrer companhias desse tipo", conta Nguyen Thi Mai Thanh, diretor geral da Ree Corp., uma grande empresa de engenharia especializada em ar condicionado. "Talvez fosse preciso dar uma lição", avalia.

O primeiro-ministro Nguyen Tan Dung, que, na reunião do partido, está em busca de apoio para mais um mandato, tem aparecido na imprensa vietnamita para dizer que a reforma das empresas estatais é um "critério-chave para uma economia de mercado". Mas analistas dizem que as tentativas de reforma podem se mostrar complicadas pelo envolvimento de funcionários públicos e seus familiares nos negócios.

Tradução: Christian Schwartz

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