Entregadores de aplicativos como o iFood promoveram uma paralisação recentemente para protestar contra as condições de trabalho.| Foto: Gerson Klaina/Tribuna
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A recente paralisação dos entregadores de aplicativos escancarou as condições precárias de milhões de trabalhadores que vivem da chamada "economia sob demanda" e levantou o debate sobre o que fazer com eles.

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Contratados como autônomos, esses trabalhadores nem sempre gozam da autonomia prometida, já que a crescente "uberização" do trabalho os empurra a aceitar empregos com longas jornadas e ganhos baixos. Se para muitos fazer entregas é só um complemento da renda, para outros passar o dia inteiro na moto ou na bicicleta se tornou a única fonte de renda.

O modelo de negócio incomoda também os restaurantes, cujos donos se sentem "reféns" dos apps. Insatisfeitos, empresários e entregadores estão juntos nessa briga da "nova economia" e reclamam que são eles que pagam a conta oculta dos aplicativos de comida.

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Diego Barreto, vice-presidente de estratégia e finanças do iFood, diz que a empresa já atende às demandas dos entregadores: a companhia estabeleceu o valor mínimo de R$ 5 por rota, distribuiu gratuitamente 800 mil equipamentos de proteção individual (EPIs), oferece seguro de vida e contra acidente para todos os trabalhadores, incluindo a volta para casa, e se comprometeu a resolver a questão dos bloqueios imotivados, que suspendem os entregadores da plataforma e os impedem de trabalhar.

Mas o executivo reconhece que uma regulamentação do setor é necessária. "Precisa de algo entre o atual, que é nada, e a CLT. Algo que diga: estamos protegendo sem retirar a flexibilidade que a economia sob demanda tem", afirma Barreto, se referindo à legislação trabalhista.

Com uma média de 30 milhões de pedidos por mês, a empresa é a maior plataforma de entrega de comida do país e se prepara para lançar a função "Na Mesa", que permite que o cliente que está no restaurante faça seu pedido pelo aplicativo, sem necessidade de garçom. Confira trechos da entrevista:

Qual impacto pode ter sobre o modelo de negócio do iFood uma legislação que regulamente a categoria dos entregadores?

Faz sentido você ter um piso mínimo de condições que qualquer trabalhador da economia sob demanda esteja resguardado? A resposta é sim. O que é essa lei? Não é CLT. Os atributos de empregado CLT não falam com os atributos de um profissional da economia sob demanda. Precisa de algo entre o atual, que é nada, e a CLT. Algo que diga: estamos protegendo sem retirar a flexibilidade que a economia sob demanda tem.

Nessas condições, o impacto operacional sobre o iFood seria baixo, mas o impacto no Brasil seria alto porque nem todo mundo no Brasil segue os padrões mínimos.

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Qual demanda seria aceitável para o iFood? A obrigatoriedade de pagar um plano de saúde, por exemplo?

Se eu der um plano de saúde [ao trabalhador], todos [os apps] vão dar um plano de saúde. Não faz o mínimo sentido isso, não é correto. Não dá para falar em nada que não respeite uma certa proporcionalidade. A economia sob demanda parte do pressuposto do fracionamento do seu tempo com as plataformas. Cerca de 70% dos entregadores do iFood trabalham entre 4 e 5 horas por semana. É desproporcional embutir um determinado instrumento que não respeita a proporcionalidade.

Deveria existir uma plataforma tecnológica que centralizasse a jornada do trabalhador. Aí você tem uma foto da sua jornada e a partir dessa foto, você discute essa proporcionalidade, seja do privado ou do público.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Os entregadores cogitam formar uma cooperativa para ter um poder de negociação maior com os aplicativos. Como isso afetaria a relação com o iFood?

A gente vê isso como algo possível e legítimo. A pergunta que fica é: como você garante legitimidade sendo que 70% das pessoas frequentam a plataforma pontualmente. Uma parcela pequena que se aplica por muito mais tempo, 8 a 10 horas por dia, teria o direito de falar por toda essa massa?

Tem um contrassenso porque 70% das pessoas usam a plataforma como complemento de renda pontual. Quando você trata dois públicos com comportamentos tão diferentes é difícil imaginar que um grupo vá legitimar o todo.

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Não sei qual é a solução, o diálogo vai nos levar ao longo do tempo a uma solução para descobrir isso. Mas com certeza, o formato antigo não se aplica à economia sob demanda.

Os donos de restaurantes também estão insatisfeitos. Se sentem reféns dos apps por serem "coagidos" a oferecer promoções o tempo todo. Reclamam também que a taxa de 25% a 30% sobre cada venda é muito alta. Como o iFood encara essa questão?

Se você quer listar o seu restaurante no iFood, você vai pagar de 9% a 12%. Quando você quer que o iFood faça a entrega por você, isso tem um custo. Quando você quer que eu transacione o pagamento na minha maquininha porque você não consegue mandar para o seu cliente, isso tem um custo. No momento em que eu vou para televisão ou invisto em influenciadores de Instagram e outros esforços para atrair tráfego para a plataforma para que você consiga vender seu produto, isso que eu cobro se chama de marketplace.

O iFood não cobra 27%. Cobra uma série de serviços que fica a seu critério aceitá-los ou não. O iFood nunca, nunca, nunca obrigou ninguém a fazer uma promoção. Você não tem nenhuma necessidade de fazer se você não quiser.

Os donos de restaurantes reclamam que se não oferecem descontos não ganham destaque na plataforma.

A promoção que dá R$ 5 ou R$ 10 de desconto é você que decide, você que faz, decide quantas vezes você quiser. Eu penalizo alguém por isso? Zero. O algoritmo do iFood leva isso em consideração? Não. Se alguém deu essa informação, ela é completamente equivocada.

Como funciona o algoritmo que exibe a lista de restaurantes?

Tem várias composições, mas são dois [fatores] principais: os restaurantes que atraem a atenção de clientes, ou seja que recebem clientes para olhar o cardápio, e o nível de serviço, ou seja a nota. Quanto mais você atrai clientes e quanto mais oferece um bom serviço, mais você sobe.

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Os restaurantes pedem também legislação que obrigue os apps a aceitarem o cadastro apenas de empresas formalizadas. Porque o iFood não exige CNPJ e alvará na hora do cadastro?

O iFood é uma plataforma e dá liberdade de entrar desde que seguida a legislação e os critérios da empresa. Isso não quer dizer que eu tenha que fiscalizar in loco. Isso, por lei, é responsabilidade da Vigilância Sanitária. O iFood não tem competência técnica para fazer esse tipo de análise.

O que eu cobro é: você está cumprindo a lei? Você está de acordo com todas as necessidades para operar um restaurante? Se existir algum problema de inverdade, ele vai responder na lei por isso. O nosso contrato não é omisso a essas exigências.

É a mesma coisa que cobrar de um dono de imóvel que ele fiscalize isso. Não está certo. Quem tem a responsabilidade legal é aquele que leva um negócio para dentro do imóvel.

Mas não seria mais fácil pedir CNPJ e inscrição municipal na hora do cadastro?

Isso está tudo no contrato. Contratualmente, eu peço isso e exijo que você cumpra a lei. Quando eu recebo alguma informação que vá contra algum preceito legal, a gente apura e automaticamente [o restaurante] sai da plataforma. Ao longo dos últimos 30 dias, eu bloqueei 400 a 500 restaurantes por vários motivos. Essa é minha responsabilidade como empresa.