O presidente da Volkswagen do Brasil, Pablo Di Si.| Foto: Divulgação/Volkswagen
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Com fábricas paralisadas desde março por conta do novo coronavírus, a Volkswagen do Brasil é uma das montadoras que se prepara para retomar as atividades na próxima semana. "Aos poucos, de forma muito tranquila", assegurou o presidente da empresa no país, Pablo Di Si, em entrevista concedida à Gazeta do Povo.

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Para garantir a segurança dos funcionários, um protocolo com mais de 80 itens de segurança foi criado. Com menos turnos e mais ônibus para levar os funcionários ao trabalho, as fábricas terão até monitores para "puxar a orelha" dos que não respeitarem o distanciamento social.

A retomada gradual, entretanto, está longe de significar que os problemas do setor estão resolvidos. Junto com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a VW demanda que o governo federal ajude fornecedores e concessionários a conseguir crédito nos bancos privados. A proposta, apresentada em reuniões com a equipe econômica e com o próprio ministro Paulo Guedes, é de que eles possam utilizar créditos tributários como garantia em empréstimos.

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O último encontro ocorreu na semana passada, mas ainda não há uma resposta do Ministério da Economia. Segundo o presidente da VW, a ideia teve a "simpatia política" de Guedes, mas agora está em análise pela equipe técnica da pasta. "Não é uma questão só de dinheiro, é de agilidade, de falta de burocracia", reclamou Di Si. "Enquanto nós pensamos, a vida continua e a conta precisa ser paga", completou.

Na conversa com a Gazeta do Povo, o presidente da VW do Brasil deu detalhes sobre a retomada das atividades, falou sobre a possibilidade de haver demissões de funcionários e comentou as reuniões entre o setor automotivo e o governo federal. Confira a íntegra da entrevista:

Na semana passada, a Anfavea divulgou os resultados da produção do setor em abril. A queda foi devastadora. Como a VW, especificamente, está sentindo a pandemia?

Foi devastador, porém nós tínhamos essa noção lá no mês de março. Naquela época, nós congelamos todos os investimentos, reduzimos todas as despesas e negociamos com todos os sindicatos, já sabendo que o mês de abril seria um dos piores da história – o que realmente aconteceu.

Falando um pouco do Brasil, agora vamos entrar em fases. O Paraná vai ter uma das primeiras fábricas a retomar as atividades. Os concessionários do Sul já reabriram as portas.

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No mês de março, já tínhamos planejado e sabíamos que abril seria muito difícil. O mês de maio vai ser muito difícil também, mas um pouco melhor do que abril. Nós retomaremos a produção no Paraná no dia 18 de maio e nas outras fábricas no dia 25, então vamos ter alguma produção e um pouco mais de vendas, mas não muito mais.

Quais cuidados estão sendo tomados para essa retomada da produção?

Nós fomos a primeira montadora a parar as operações pelo coronavírus, lá na última semana de março. Nós aprendemos muito, mas muito mesmo, com nossa operação da VW China e da VW Alemanha, porque eles já passaram por isso há dois, três meses.

Temos um protocolo com mais de 80 itens de segurança. Vou falar só alguns deles. Uso de máscara, óbvio. Distanciamento social, óbvio. Mas tem outras coisas. Nas catracas, por exemplo. É super normal você entrar na fábrica e quase automaticamente colocar a mão na catraca. Fizemos vídeos de um minuto, gifs de cinco segundos, cartazes comunicando nossos funcionários de como deve ser a entrada, colocando no chão da fábrica e fora dela qual é o distanciamento social necessário. Nós também vamos ter monitores. Mas não tipo polícia. Uma das coisas mais bonitas desse pais são as pessoas, que são calorosas, abraçam, cumprimentam, ficam perto umas das outras. Nós temos que tomar muito cuidado e respeitar o distanciamento social.

Nós comunicamos via digital, com nosso aplicativo; com cartazes, de todas as formas. Porém, vamos ter monitores nas fábricas, nos escritórios, no restaurante. Se houver alguma pessoa que não estiver mantendo o distanciamento social, o monitor vai falar “por favor, mantenha o distanciamento”.

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No refeitório, separamos todas as mesas, acabamos com o buffet, e todos que vão pegar a comida vão colocar luvas plásticas descartáveis, para que não tenha contaminação. Posso te falar outras 70 iniciativas, mas essas são algumas. Obviamente limpar as máquinas duas a três vezes ao dia. Tem muita coisa para fazer.

Os profissionais dos serviços administrativos também vão voltar ou ficarão em home office?

Vamos fazer uma retomada em cascata. Não é necessário voltar todo mundo junto. Os primeiros que vão voltar somos eu e nossos funcionários diretos, no dia 18. Depois, os gerentes, mas não todo mundo. Cinquenta por cento ficam em home office, 50% voltam pro escritório. Em um período de dois, três meses, voltaremos a uma nova normalidade. Vai ser bem devagar, super tranquilo.

Por exemplo, eu já falei para a minha assistente que ela não precisa ir para o escritório, se ela não quiser. Pode ficar 100% home office. Vai ser tudo muito flexível e com o intuito de manter as pessoas em casa o máximo de tempo possível, para manter esse distanciamento social.

Houve redução dos turnos?

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Vai ter redução de turnos e vai ter aumento de custos. Vamos começar com um turno. Quando você faz distanciamento social, é preciso desacelerar o ritmo da linha e colocar mais ônibus [para levar os trabalhadores às fábricas], porque no mesmo ônibus vão menos pessoas.

Não enxergo que junho, julho vão ser meses de venda forte no Brasil. Então, precisamos começar a produzir de forma devagar e acompanhar o mercado. Se o mercado acelerar, vamos aceleramos a produção.

O vírus ainda não é completamente conhecido pela ciência, e não se descarta a possibilidade de uma segunda onda de contaminação. A VW trabalha com a possibilidade de ter que fechar as fábricas novamente?

Nós vamos fazer o que for melhor para a saúde dos nossos funcionários, seja fechar a fábrica por um dia, uma semana ou um mês. A China voltou 100%, está normal.

Pelo histórico, o importante é ter protocolos e disciplina. Precisamos manter o distanciamento social, usar a máscara. Não é fácil. Eu estive na fábrica com meu time na última sexta-feira, com cadeiras a dois metros de distância uma da outra, com máscara. Passei todo o dia em reunião. Posso falar que não é fácil. Com a máscara você não escuta bem as pessoas, não enxerga direito, é incômodo. Mas é a nova realidade, nós temos que nos acostumar.

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Esse segundo surto acontece quando as pessoas relaxam, todo mundo sai junto, fica esse contato físico maior. Nós precisamos de protocolo e disciplina.

O senhor mencionou que em junho e julho a demanda do setor ainda não deve ser forte. A VW tem alguma projeção de mercado para esse ano?

Acho que é muito cedo para saber. Não temos uma data real de quando as concessionarias vão abrir nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. Mesmo que abram, precisamos entender como vai ser a situação de emprego no país e qual vai ser o crédito disponível nos bancos – porque nossa indústria é movida a crédito.

É muito cedo para falar isso. Em junho podemos começar a ver como esses novos consumidores, nesse novo mundo, vão reagir. Minha expectativa é de que não vai ter uma demanda tão forte nos próximos meses.

Com essa expectativa de demanda menor, há alguma possibilidade de haver demissão de funcionários?

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Nós aderimos ao programa do governo [da MP 936], de 90 dias. Não estamos demitindo ninguém nessa crise. Nossa intenção é não demitir ninguém, mas depende muito do mercado e do que acontecer no segundo semestre e no próximo ano. Vamos precisar reavaliar tudo isso – investimentos, empregos, mercado – no início do segundo semestre.

A propósito das medidas do governo, o senhor considera que elas são suficientes? A Anfavea afirma que uma das demandas ao governo federal se relaciona ao crédito, já que falta liquidez às empresas e o acesso aos financiamentos está difícil. Esse é um problema para a VW? Existe alguma possibilidade de aporte da matriz?

O problema de liquidez, do qual eu já falava em março, é no sistema. Não estou falando de dinheiro para a VW. Estamos falando do que vai acontecer com os fornecedores e com os concessionários. Eu não quero que o governo empreste dinheiro para a VW. Eu não quero dinheiro público. Gostaria que o governo desse linhas de crédito de liquidez aos fornecedores e aos concessionários, que são a cadeia mais fraca.

Esse não é um problema só do Brasil ou da VW. É um problema sistêmico, que nunca vimos na vida. Outros países – e eu coloquei isso para o governo –, como  a Alemanha, deram crédito para toda a cadeia e o dinheiro chegou rápido na ponta. Não é uma questão só de dinheiro, é de agilidade, de falta de burocracia. Se você conseguir que esse dinheiro chegue rápido, e se reabrir a atividade com protocolos e disciplina, você tem mais chances. Mas, aqui no Brasil, se alguma dessas empresas menores vai pra falência, vai colocar em risco todo o sistema.

O governo fez coisas muito bem. Por exemplo, os R$ 600 [para os trabalhadores informais]. Mesmo com todas as dificuldades, o governo agiu de forma rápida. Tem problemas, sempre tem, mas na minha visão foi bastante rápido. Essa lei de ajuda para os estados, com um limite para o orçamento com servidores públicos, foi aprovada relativamente rápido. Na parte de liquidez poderiam ter um pouco mais de velocidade.

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Como foram as conversas com o governo? O Ministério da Economia se mostrou aberto às sugestões?

Foram conversas em bom tom, muito profissionais. Os bancos precisam de garantias. Nós dissemos “olha, aqui tem um crédito do governo. O que há de mais seguro do que um crédito do governo federal? Mais seguro do que isso, não existe”. Mas eles ainda estão pensando.

O Ministério deu algum prazo para responder a essa demanda?

Eles falaram que iam estudar. De novo, é a velocidade. Há fornecedores que não estão conseguindo pagar a folha de pagamento. Há fornecedores que não estão conseguindo capital de giro. Nós só vamos conversar daqui a uma semana. Enquanto nós pensamos, a vida continua e a conta precisa ser paga.

Enfim, tomara que seja solucionado. De novo, não para as montadoras, mas pra cadeia de fornecedores e concessionários. Hoje eu estava conversando com a rede de concessionários em São Paulo. Eles não vão faturar nada por dois meses. Continuam vindo contas de luz, IPTU, salários. Não tem como resistir.

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Mudando um pouco de assunto, as exportações também tiveram queda significativa. Há alguma perspectiva de retomada?

Os outros países estão na mesma velocidade que o Brasil. O mesmo que está acontecendo no mercado brasileiro está acontecendo na Argentina, no Chile, no Peru, no Paraguai, na Costa Rica, no México. Alguns países estão mais abertos que outros, mas a velocidade da demanda vai ser fraca. O problema não é do país, é mundial. Acho que as exportações vão se manter nesse nível baixo nos próximos meses também.

Além dos investimentos congelados, houve alguma outra mudança de rumos? Lançamentos foram postergados?

Nós congelamos todos os investimentos. Isso não significa suspender ou cancelar. Congelamos para não gastar mais dinheiro por um período de três meses. Depois, vamos reavaliar o que fazer: quanto tempo atrasar ou até possivelmente cancelar algum projeto do futuro.

O problema de caixa e de liquidez na VW e na indústria será muito pesado. Nós vamos ficar sem caixa para o investimento do futuro. Com certeza, atrasaremos todos os investimentos. Menos o Nivus, que estamos lançando agora no final de junho; e temos um SUV que será produzido na Argentina até o final do ano, que também não foi atrasado porque já fizemos quase todo o investimento. O resto está todo congelado.

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Qual é a soma de investimentos congelados?

O número não é público. Não comunicamos o plano de investimento. Estávamos próximos de fazer um anúncio de investimentos após 2020, mas a pandemia pegou e não comunicamos nada. Estávamos muito próximos de comunicar.

Para terminar, com o impulso pandemia, a empresa está fortalecendo os canais de venda digital?

Ainda bem que nós começamos dois anos atrás com a venda digital e temos o DDX [Digital Dealer eXperience]. Hoje, todos os concessionários têm seus vendedores com tablets e óculos com realidade aumentada. Eles podem ir para onde você quiser, e o processo de venda pode acontecer do início ao fim no tablet, inclusive a parte do financiamento. Está tudo integrado. Você como consumidor escolhe o carro, vê o estoque, vê o preço, negocia, e pode fazer um tour em realidade aumentada com os óculos. Se você quiser fazer um test drive, levam o carro até onde você quiser. Isso começou como um piloto, mas agora os concessionários vão acelerar ainda mais esse processo.

O Nivus, nosso lançamento, é um carro totalmente conectado, quase um celular com rodas. Nós já estávamos nessa onda de digitalizar a empresa, que vai acontecer e vai acelerar muito mais na VW e no mundo. Os hábitos das pessoas vão mudar significativamente. Toda a nossa vida vai ser muito mais digital e muito diferente do passado.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Esta entrevista é a terceira parte da série "Retratos da economia", que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira. Leia também as reportagens sobre os impactos do coronavírus na indústria e no setor automotivo.