Kassel (Alemanha) Como um bom vendedor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou sua passagem pela reunião do G8, na Alemanha, para tentar empurrar o imbatível etanol brasileiro. E ele não pode ser acusado de propaganda enganosa. Barato, pouco poluente e com 30 anos de mercado, o álcool de cana-de-açúcar apresenta vantagens sobre os biocombustíveis produzidos na União Européia. Mas isso pode ser pouco para que o mercado europeu abra rapidamente as portas para o combustível.
Dentro do bloco europeu, os biocombustíveis são vistos como uma opção entre dezenas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, especialmente o CO2. Hoje, o uso de combustíveis líquidos no setor de transportes europeu é responsável por pouco mais de 20% desse tipo de poluição. As fontes mais importantes de emissões estão nos setores de geração de eletricidade, aquecimento e processos industriais, nos quais carvão e petróleo têm papel fundamental. Para deter o aquecimento global, portanto, é necessário mais do que etanol.
O plano da Comissão Européia é reduzir drasticamente o uso de carvão com investimentos pesados em fontes alternativas e em conservação de energia. "É importante ressaltar que biocombustíveis não são a forma mais eficiente de reduzir a emissão de CO2", diz o especialista em economia agrícola Oliver Henniges, da Universidade de Hohenheim. "A combustão direta de biomassa é uma opção mais barata para reduzir as emissões na produção de energia", explica.
Isso não significa que os biocombustíveis seriam descartados em um projeto de redução de emissões. Na União Européia, a meta é usar pelo menos 10% de biodiesel ou etanol até 2020 porcentual abaixo do alvo de redução das emissões totais, que é de 20% até 2020. A substituição de 10% de gasolina por álcool significa a criação de uma demanda de aproximadamente 30 bilhões de litros por ano, quase o dobro da produção brasileira atual. No ramo de biodiesel, o mercado será ainda maior, perto de 40 bilhões de litros por ano.
Se o motorista europeu tivesse a chance de escolher a opção mais barata, as usinas brasileiras teriam um quinhão respeitável desse mercado muito acima dos cerca de 700 mil litros exportados para o bloco em 2006. É nesse ponto que surge a principal barreira à entrada do etanol de cana-de-açúcar na Europa, o protecionismo. Agricultores e investidores que estão montando novas usinas de biodiesel e álcool têm forte influência sobre os governos europeus e asseguraram barreiras para segurar a competição estrangeira. "Os consumidores comprariam o combustível mais barato, mas os políticos acham importante incentivar os agricultores", afirma Karin Retzlaff, analista da Associação Alemã da Indústria do Biocombustível (BDV), que representa os produtores de álcool e biodiesel.
Tarifas sobre os concorrentes importados e créditos tributários são os instrumentos mais usados na proteção às usinas européias. O álcool hidratado importado do Brasil, por exemplo, paga uma taxa de 0,19 euro por litro. Nas contas de Oliver Henniges, feitas com base em preços do ano passado, contando os custos de transporte e a tarifa, o álcool brasileiro chega no mercado europeu custando aproximadamente 0,47 euro por litro. O custo de produção do etanol europeu, contando os créditos tributários, fica em no mínimo 0,45 euro por litro. Com os atuais preços do trigo, o custo pode chegar a 0,60 por litro.
Derrubar tarifas de importação é uma tarefa dura por enquanto porque o lento aumento no consumo de biocombustíveis está sendo atendido pela indústria européia. "A capacidade de produção é suficiente para atender as cotas estabelecidas até agora", diz Karin, da BDV. Na Alemanha, por exemplo, a adição de etanol à gasolina chegará a 1,2% nos próximos dois anos. O álcool sairá de três usinas que estão em construção e as matérias-primas principais serão cereais e beterraba cultura que ganha um subsídio de 45 euros por hectare.
Nas próximas décadas, no entanto, a importação será crucial. Em um estudo recente, a Comissão Européia traçou dois cenários em que o uso de biocombustíveis chegaria a 14% do consumo do setor de transportes. Com forte incentivo à produção interna, as importações chegariam a 22% da demanda. Se o bloco escolher abrir o mercado, fornecedores estrangeiros poderiam garantir mais de 50% da oferta. É para este segundo cenário que o Brasil está olhando.