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De rejeito a objeto de desejo

O empreendimento mais inovador do Vale da Seda nasceu de uma escolha inusitada. Em uma região que produz fios reconhecidos pela qualidade, a fiação artesanal O Casulo Feliz, de Maringá, optou por usar como matéria-prima justamente os casulos defeituosos, rejeitados pela indústria. E o que era rejeito se transformou em objeto de desejo.

Criada em 1988 pelo zootecnista Gustavo Augusto Serpa Rocha, a empresa tem 30 funcionários e fatura cerca de R$ 3 milhões por ano. Fornece tecido para grifes como Osklen, Animale e Cantão, e peças de decoração e figurino para novelas e minisséries da Globo e da Record.

No início O Casulo Feliz era voltado à área de decoração, com produtos como tapetes e cortinas. Mas deslanchou há uma década, quando entrou para o mundo da alta moda. A venda de tecidos para grifes renomadas representa 60% das receitas. A área de decoração tem 20%, e as vendas para a tevê já respondem por 20%.

"As pequenas imperfeições fazem de cada peça uma peça única, inimitável. O que era defeito vira efeito", conta Rocha. "Enquanto a seda chinesa sai por R$ 30 ou R$ 40 o metro, a nossa custa mais de R$ 100."

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Quem faz

• Ano de fundação: 2009 (Instituto Vale da Seda)

• Em que área atua: Vestuário

• Cidade: 29 municípios do Noroeste do Paraná

• Trabalhadores: Mais de 3 mil famílias

• Posição no mercado: O Paraná responde por 92% da produção nacional de casulos

• Por que é bem feito: O Vale da Seda faz o melhor fio do mundo porque investe no melhoramento genético das lagartas e conta com a dedicação dos criadores e um clima propício ao bicho-da-seda

Os bichos-da-seda
O produtor recebe as larvas ainda pequenas da Bratac, de Londrina, a única fiação industrial de seda do país. Pouco mais de um mês depois, entrega o casulo
Para alimentar os bichos-da-seda, o produtor Nivaldo Vilas Boas Simões, de Nova Esperança (Noroeste do Paraná) colhe folhas de amoreira – alimento exclusivo dos bichos – até cinco vezes por dia
As folhas frescas de amoreira são espalhadas cuidadosamente sobre milhares de lagartas acomodadas em esteiras, dentro de um galpão
As lagartas comem folhas de amoreira quase sem parar, durante um mês
As lagartas comem folhas de amoreira quase sem parar, durante um mês
O carinho e a dedicação dos produtores são recompensados após um mês de criação, quando o bicho sobe ao
O bicho-da-seda tece seu casulo ininterruptamente, durante três ou quatro dias. Depois de prontos, os casulos são entregues à Bratac, que compra a produção
Mauro Sérgio Vicentini é um dos funcionários da fiação Bratac que prestam assistência técnica aos produtores
Cerca de 95% dos casulos produzidos no Vale da Seda paranaense são de primeira qualidade: têm em média 1,2 mil metros de fio ininterrupto cada um, sem defeitos. Os fios são beneficiados pela Bratac. Cerca de 90% da produção dela é exportada, para virar tecido no exterior
João Berdu, presidente do Instituto Vale da Seda, fundado em 2009: objetivo do instituto é estimular a produção local de tecido e peças de seda, elevando a geração de riquezas na região
Os casulos de segunda linha, cerca de 5% do total, são rejeitados pela indústria. Mas também têm seu valor. A fiação artesanal O Casulo Feliz, de Maringá (Norte do Paraná), compra esses casulos e os transforma em uma imensa variedade de peças
Os casulos de segunda linha, cerca de 5% do total, são rejeitados pela indústria. Mas também têm seu valor. A fiação artesanal O Casulo Feliz, de Maringá (Norte do Paraná), compra esses casulos e os transforma em uma imensa variedade de peças
Depois que os fios são separados do casulo, um dos primeiros passos é a
Algumas peças produzidas na fiação O Casulo Feliz não passam pela degoma. Assim, o fio fica mais rústico, semelhante a uma palha
Máquina na fiação artesanal O Casulo Feliz: empresa fatura cerca de R$ 3 milhões por ano
Máquina na fiação artesanal O Casulo Feliz: empresa fatura cerca de R$ 3 milhões por ano
Trabalhador em tear na empresa O Casulo Feliz: fiação artesanal emprega 30 pessoas
Trabalhadora na empresa O Casulo Feliz: fiação artesanal emprega 30 pessoas
Peças produzidas na O Casulo Feliz: cerca de 60% da produção é destinada à alta moda; 20% à área de decoração e 20% para redes de tevê como a Globo e a Record, que usam as peças em novelas e minisséries
O zootecnista Gustavo Augusto Serpa Rocha, dono da O Casulo Feliz:
Dirce Gonçalves dos Santos é a presidente da cooperativa Artisans Brasil, que reúne 37 mulheres da área rural de Nova Esperança
Alice Liberato Gargaro, integrante da cooperativa Artisans Brasil
Os cachecóis de fio de seda artesanal, produzidos em pequenos teares pelas integrantes da cooperativa Artisans Brasil, estarão à venda nas 12 subsedes da Copa do Mundo de 2014
Mariposa
Roxelle Munhoz, pesquisadora do laboratório da UEM: o principal projeto é o desenvolvimento de um híbrido rústico do bicho-da-seda, que produza um fio mais adequado às fiações artesanais da região do Vale da Seda
Do ovo ao fio: quadro no laboratório da UEM mostra o ciclo de vida do bicho-da-seda

O melhor fio de seda do mundo é obra de bichos do Paraná. Os bichos-da-seda propriamente ditos e as 4 mil famílias de criadores do estado, responsável por 92% da produção nacional de casulos de seda.

SLIDESHOW: Confira algumas fotos que mostram o processo de produção da seda

A maior parte dessas famílias, cerca de 3 mil, se concentra em 29 municípios do Noroeste, no chamado Vale da Seda, o maior polo de produção de casulos do Ocidente. Desde sempre voltada à exportação do fio, a região tenta agora formar uma verdadeira cadeia produtiva, que transforme a seda crua em produto final e multiplique a geração de riquezas. Os ganhos são evidentes: um quilo de casulo de primeira qualidade, pelo qual o criador recebe cerca de R$ 13, rende até quatro echarpes de seda de R$ 90 cada.

Matéria-prima de qualidade não falta. Resultado da combinação de clima propício, décadas de melhoramento genético e dedicação dos criadores, o fio com que as lagartas daqui tecem o casulo é de excelência, conforme atestam grifes como a francesa Hermès, que desde 2006 só usa fio brasileiro em seus lenços de seda, vendidos a US$ 600.

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Mais que uma receita extra, a agregação de valor é vista como questão de sobrevivência, talvez a única forma de reverter o declínio da sericicultura no país. A produção e o número de criadores vêm diminuindo, sob o impacto da concorrência da China e da migração dos produtores para outras atividades. Das 17 fiações industriais existentes no país há 20 anos, restou apenas a Bratac, de Londrina.

Com poucas exceções, hoje a cadeia produtiva do setor começa e termina nessa empresa. É ela quem fornece as larvas de bicho-da-seda e a assistência técnica aos produtores, e mais tarde compra e beneficia os casulos. Cerca de 90% do fio que ela produz vai para o exterior, principalmente o Japão, e o restante é vendido a confecções do Sudeste.

"Meu sonho é que daqui a 30 anos, todo viajante que passar pela região e quiser algo bem típico, compre uma peça de seda", diz João Berdu Garcia Junior, presidente do Instituto Vale da Seda, que desenvolve projetos para agregar valor à produção local. A região, afinal, margeia o "corredor da moda" que vai de Londrina a Cianorte, um polo de confecções com cerca de 4 mil empresas. Dessas, umas 100 teriam condições de produzir peças de seda, estima Berdu.

O instituto também quer valorizar a produção artesanal e multiplicar iniciativas como a da cooperativa Artisans Brasil, formada por 37 mulheres da área rural do município de Nova Esperança. Nas horas vagas, elas produzem cachecóis de seda – produtos que, dentro de um projeto do Sebrae, em 2014 estarão à venda nas 12 subsedes da Copa do Mundo.

Lagarta recebe tratamento vip

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Atividade tipicamente familiar, criar bicho-da-seda requer muita disposição. Tarefa para gente como Nivaldo Vilas Boas Simões, 53 anos, há 29 na atividade.

Morador da área rural de Nova Esperança, ele se levanta às 4 da manhã para dar de comer à criação. Antes da primeira luz do dia, vai à lavoura colher folhas de amoreira, que depois espalha cuidadosamente sobre milhares de lagartas acomodadas em esteiras dentro de um galpão. Ele e a esposa, Creonice, repetem o ritual até cinco vezes ao dia, para garantir que não falte folha fresca ao bicho, que só se alimenta da amoreira. A lagarta retribui o carinho após um mês de criação, quando começa a tecer o casulo, trabalho que dura de três a quatro dias.

Tanto esmero do criador – típico do método de criação herdado da colônia japonesa e empregado há quase um século no país – tem sua recompensa. A produção brasileira, de 3 mil toneladas de casulo por ano, não chega a 1% do total mundial, mas em termos de qualidade deixa para trás gigantes como China e Índia. No Brasil, 95% dos casulos são de primeira: têm em média 1,2 mil metros de fio ininterrupto cada um, sem defeitos. Na Ásia, que apostou em raças que dispensam maiores cuidados, nem metade da produção atinge esse nível.

Laboratórios preservam e cruzam raças

Domesticado há cerca de 3 mil anos, na China, o bicho-da-seda é a larva da mariposa Bombyx mori, que desde então não existe na natureza. Na sericicultura, o ciclo de vida da espécie é interrompido antes da formação da mariposa – por meio de calor, o bicho é sacrificado no estágio de pupa, logo após formar o casulo, para preservar o fio intacto.

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As raças e híbridos cultivados hoje foram cuidadosamente selecionados ao longo dos últimos séculos, e toda a reprodução é controlada pelo homem. No Paraná, dois laboratórios cuidam da preservação de raças e do melhoramento genético do bicho-da-seda: o da fiação Bratac e o da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que herdou os bancos genéticos da Cocamar e da Fujimura, que abandonaram a sericicultura.

A UEM tem um banco com 50 germoplasmas, dos quais 35 são raças provenientes da China, Índia e Japão. Seu principal projeto, iniciado em 2010, busca desenvolver um híbrido rústico do bicho-da-seda, que produza um fio mais adequado às fiações artesanais da região do Vale da Seda. "Já selecionamos seis híbridos de boa produtividade, e agora vamos avaliar como eles reagem às diferentes condições do ambiente. O trabalho deve durar mais uns três anos", conta a pesquisadora Roxelle Munhoz.

Vale da seda