O uso do potencial hidráulico do Rio Paraná e a formação do reservatório de Itaipu, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, obrigou a hidrelétrica a indenizar proprietários e municípios. Ao todo, 1.350 km² de terras foram inundados. Desde 1985, Itaipu pagou US$ 4,6 bilhões em royalties (compensação financeira pelo alagamento das áreas) ao governo brasileiro e outros US$ 4,3 bilhões ao Paraguai. Deste dinheiro, US$ 1,54 bilhão foi repassado integralmente a 15 prefeituras paranaenses e uma do Mato Grosso do Sul.
A verba trouxe prosperidade e transformou os municípios beneficiados em ilhas de bem-estar. Ginásios, estradas, escolas, barracões industriais e postos de saúde foram construídos. No embalo do orçamento polpudo, até obras faraônicas despontaram. Em 2000, Itaipulândia ganhou a maior Nossa Senhora em concreto do continente, com 26 metros de altura. Santa Helena não ficou para trás. Em 2004, inaugurou uma estátua de Cristo em bronze, considerada uma das maiores da América Latina.
Benesses
Passada a saga das obras, a compensação financeira se converteu em benesses assistencialistas. Cestas básicas, custeio de luz, água e outros serviços públicos tomaram conta de algumas cidades. Em Itaipulândia, cidade emancipada em 1993 e erguida com dinheiro da hidrelétrica, são gastos por ano cerca de R$ 1,2 milhão para subsidiar universitários que estudam nos setores públicos e privados.
Quem frequenta instituição privada tem 50% da mensalidade paga. Alunos do setor público recebem uma ajuda de R$ 200 ao mês como forma de reembolso. Como não há faculdades na cidade, o município também custeia parte do transporte escolar. Os estudantes gastam apenas R$ 70 ao mês para viajar todos os dias. Pelo menos 70% da arrecadação do município vem da usina.
Em Santa Helena, município que mais recebe royalties por ter tido maior porcentual de terra alagada, o prefeito Jucerlei Sotoriva (PP) tenta administrar o recurso com mais parcimônia. Restringiu a distribuição de cesta básica e cortou a distribuição de dinheiro para agricultores. Em troca, o município cede maquinários para incentivar obras no campo, a exemplo de aviários e pocilgas.
Ano passado, o município arrecadou cerca de R$ 98 milhões. Deste total, o repasse de Itaipu representa pouco mais da metade. Em 2014 a receita vinda de Itaipu deve variar de R$ 53 milhões a 55 milhões.
Atual presidente do Conselho dos Municípios Lindeiros, Sotoriva diz que muitos municípios não sobreviveriam hoje sem os royalties porque não conseguiriam fazer manutenção da estrutura e da máquina pública. "Hoje, se interrompesse o pagamento, alguns municípios virariam cidades-fantasma, principalmente Santa Helena e Itaipulândia", afirma.
Entre os lindeiros, há um temor de que a compensação termine em 2023, data prevista para a binacional quitar o financiamento contraído para construção. No entanto, o diretor-geral da usina, Jorge Samek, assegura que a cessão do benefício não será interrompida. "Não vamos permitir que interrompa. O Paraná dá uma enorme contribuição para o desenvolvimento do Brasil. É mais natural que os royalties prossigam enquanto existir Itaipu."
Alagamento expulsou 13 mil de Santa Helena
No lado brasileiro, o reservatório deixou embaixo dágua 8.272 propriedades rurais e urbanas, o que obrigou 40 mil pessoas a mudarem de casa. No Paraguai, foram atingidas 1.200 propriedades e 20 mil pessoas. Embora o lago tenha 1.350 km², a área comprometida pela usina chega a 1.800 km² 1.000 km² no Brasil e 800 km²no Paraguai. Muitas terras foram inundadas para compor uma faixa de segurança.
Após o alagamento, Santa Helena perdeu 13 mil dos 40 mil habitantes. No entendimento de muitos moradores, o valor pago pela Itaipu não foi justo. As terras na região Oeste valorizaram e os agricultores indenizados não conseguiram comprar propriedades no Paraná. Boa parte migrou para Mato Grosso, Rondônia e Paraguai.
Tristeza e revolta
Antes das terras desaparecerem, a região foi tomada por protestos, festas de despedidas e eventos religiosos. Algumas famílias transportavam, além de roupas e utensílios, casas inteiras de madeira.
Lenir Spada, 69 anos, foi uma das moradoras que teve a vida transformada pelas águas. Ela vivia com a família em Alvorada do Iguaçu, distrito de Foz do Iguaçu que desapareceu após a criação do reservatório. Deixou para trás 11 alqueires de terra, um mercado e uma loja.
Daquela época, ela lembra das pessoas que relutavam sair das casas e dos amigos que partiram para o Mato Grosso. A família, que foi morar em Santa Terezinha de Itaipu, recebeu indenização pelos 11 alqueires de terra. "Foi difícil. Tinha gente que não queria sair", lembra.
Paraguai entrou na vitrine do Mercosul
Considerada a principal indústria do Paraguai, hoje a hidrelétrica de Itaipu representa o ingresso de US$ 1 bilhão no país e fornece 75% da energia consumida pelos paraguaios. Também representa quase 13% das exportações totais paraguaias aproximadamente US$ 1,8 bilhões de Itaipu, em um total de US$ 13,6 bilhões, segundo o Centro Empresarial Brasil-Paraguay (Braspar). Os aportes de Itaipu -- mais de US$ 600 milhões anuais -- relativos a royalties, compensações, rendimentos de capital e encargos de administração, equivalem a 18% das receitas tributárias do governo central do Paraguai. Outros US$ 300 milhões entram no país, via usina, referente a gastos operacionais, investimentos sociais, manutenção e tecnologia. "Esses recursos ajudam o Banco Central do Paraguai a manter um dos melhores níveis de reservas internacionais/dívida externa da América Latina", diz o diretor-presidente do Braspar, Wagner Enis Weber. Por causa da estrutura financeira de Itaipu, o Paraguai tem a energia elétrica mais barata da América Latina, sem subsídio, o que garante alta competitividade e atrai cada vez mais empresas estrangeiras ao país.
Linha de transmissão
Os benefícios de Itaipu no lado brasileiro são replicados no Paraguai. O país recebe royalties, tem um parque tecnológico e foi dotado de infraestrutura na época da obra.
O mais recente investimento de peso da hidrelétrica no país foi a construção do sistema 500 kv. A linha liga a margem direita de Itaipu, no município de Hernandárias, vizinho a Foz do Iguaçu, à Villa Hayes, na Grande Assunção. São 759 torres em um trajeto de 348 quilômetros. A obra teve início em 2010 e custou US$ 550 milhões, valor financiado pelo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem). O Paraguai entrou com uma contrapartida de 15%.