Principal preocupação dos governadores e prefeitos, a autonomia dos estados e municípios foi ainda mais impactada com a versão da reforma tributária aprovada pelo Senado na última quarta-feira (09).
Parlamentares, tributaristas e governadores aumentaram o tom das críticas às alterações feitas pelo relator proposta na Casa, senador Eduardo Braga (MDB-AM), em relação ao Comitê Gestor, que vai gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que unifica os tributos de estados e municípios.
"O comitê quebra a espinha dorsal do pacto federativo. Você tem uma federação quando tem estados independentes. Qual a independência de um estado que não tem poder para fazer a sua própria política tributária e fica não mão de um conselho que centraliza tudo?", questionou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) à Gazeta do Povo.
O texto da proposta, aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados, previa a instituição do Conselho Federativo para gerir o IIBS. As críticas à estrutura centralizadora do Comité sempre foram inúmeras. O Conselho chegou a ser classificado pelo ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, em entrevista ao "Poder360", como “geringonça federativa”, com competência de "fiscalizar, arrecadar e até criar lei".
O relator da reforma no Senado substituiu o Conselho pelo Comitê Gestor. Braga também retirou a possibilidade de iniciativa de lei pelo órgão e definiu que a representação do Comitê será feita por integrantes das carreiras da administração tributária e das procuradorias de estados e municípios. Além disso, incluiu a possibilidade de o Congresso Nacional convocar o presidente do Comitê e solicitar informações, como já acontece com ministros de Estado.
As mudanças não modificaram a essência do novo órgão. No entendimento do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), a reforma tributária está criando "uma autarquia de arrecadação central não eleita, e sim nomeada, que vai "estabelecer políticas de cobranças setoriais para todo Brasil". Cada estado, explica o parlamentar, vai trazer suas demandas específicas para serem decididas por um ente central.
"Para que um comitê central? Desde quando regime centralizado dá certo? As discussões nos estados não são validas? Qual a tecnologia que não está funcionando para cobrança dos estados de seus impostos? Ninguém responde essas questões", observa o deputado.
A perda de autonomia, afirma Orleans e Bragança, não afeta apenas os estados e municípios, mas também o Legislativo, que vai submeter ao novo órgão a discussão das políticas tributária e do próprio orçamento. "Na prática, a autarquia vai rivalizar com as atribuições do Parlamento", afirma o deputado.
Secretários da Fazenda também criticam centralização
A preocupação com a perda de autonomia foi externada também pelo Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz) em nota divulgada na quinta-feira (10).
Segundo os secretários, a proposta aprovada, que cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, impõe a federalização dos tributos, com excessivas vinculações do IBS, estadual, à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser arrecadada pela União.
Como os tributos federais devem entrar em vigor antes do tributo estadual, destaca a nota, haverá brechas para uma centralização de receitas que enfraqueceria "a sustentabilidade fiscal de estados e municípios".
Também não há limites definidos para evitar que a União avance na base de incidência do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, (que vai ser incluído no IBS) gerido pelos estados e DF, que representa aproximadamente 85% do total arrecadado.
“A União já arrecada mais de 2/3 dos tributos brasileiros e está prestes a consolidar um quinhão quase totalizante das receitas tributárias brasileiras, deixando aos estados e municípios apenas os de cunho patrimonial, de baixo fluxo arrecadatório”, diz na nota.
O secretário estadual da Fazenda do Espírito Santo, Benício Costa, criticou o mecanismo adotado para a indicação do presidente do comitê gestor, que será responsável pela distribuição dos recursos dos impostos. O nome terá que ser aprovado pelo Senado Federal, após sabatina, o que aprofunda ainda mais a perda de autonomia dos estados e municípios.
Reforço nos Fundos não impediram críticas sobre distribuição dos recursos
Para ampliar o apoio à proposta, o senador Eduardo Braga atendeu ao pedido dos governadores e turbinou de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões os repasses da União ao Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR).
O FDR compensa o fim da guerra fiscal entre os estados e prevê recursos orçamentários para o desenvolvimento regional. A intenção de Braga foi estabelecer um “meio-termo” entre os pleitos dos governadores entre considerar a população do estado, que privilegia estados mais populosos, e utilizar os critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que atende aos estados mais pobres.
De acordo com a proposta aprovada, 70% das cifras serão distribuídas com base no Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 30% conforme a população. O texto do senador prevê repassar, com correção inflacionária:
em 2029: R$ 8 bilhões;
em 2030: R$ 16 bilhões;
em 2031: R$ 24 bilhões;
em 2032: R$ 32 bilhões;
em 2033: R$ 40 bilhões;
em 2034: R$ 42 bilhões;
em 2035: R$ 44 bilhões;
em 2036: R$ 46 bilhões;
em 2037: R$ 48 bilhões;
em 2038: R$ 50 bilhões;
em 2039: R$ 52 bilhões;
em 2040: R$ 54 bilhões;
em 2041: R$ 56 bilhões;
em 2042: R$ 58 bilhões;
a partir de 2043: R$ 60 bilhões por ano.
Governadores do Sul e Sudeste, no entanto, afirmam que o texto de Braga amplia as desigualdades de tratamento em relação aos Estados do Norte e Nordeste. "O relatório aumenta a guerra fiscal e divide os Estados", disparou o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD).
A declaração foi dada em conjunto com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), após reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad na quarta-feira, quando se cogitou a orientação de voto contrário à proposta. Também participaram da reunião Tarcísio de Freitas (SP); Claudio Castro (RJ); Jorginho Mello (SC); e Mateus Simões (vice-MG). Leite, que é presidente do grupo, afirmou que a reforma tributária da Câmara era mais "palatável" aos estados do Sul e Sudeste.
Estimativa da CNN com base nos parâmetros do relatório Braga indicou que os estados do Nordeste ficariam com R$ 25 bilhões dos R$ 60 bilhões do FDR. No lado oposto, os estados do Centro-Oeste seriam contemplados com cerca de R$ 4,22 bilhões.
O estado que receberá a maior cifra é a Bahia, em torno de R$ 4,95 bilhões. Na sequência aparecem São Paulo (R$ 4,43 bilhões), Pernambuco (R$ 3,67 bilhões), Ceará (R$ 3,53 bilhões) e Maranhão (R$ 3,40 bilhões).
A projeção levou em consideração, para o FPE, os coeficientes no exercício de 2024, publicados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e, para a população, o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O método foi validado em consulta a Murilo Viana, economista e especialista em contas públicas.
Recursos não podem ser barganha para fim de autonomia, diz oposição
Para os parlamentares da oposição, o reforço dos recursos do FDR, sob quaisquer critérios, não compensa a perda de autonomia dos entes federativos. Oriovisto Guimarães critica a falta de olhar para os impactos econômicos.
"Os fundos não têm fundos, não têm recursos. De onde o governo vai tirar mais 60 bilhões por ano para compensar os estados?, questiona o senador, lembrando o déficit fiscal. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que não se chegará ao déficit zero, conforme previsto no arcabouço no ano que vem", disse o senador.
O ponto central, na avaliação do congressista, seria beneficiar um ou outro estado. "Os estados do Nordeste serão mais beneficiados. Mas se o projeto atendesse melhor ao Sul, de onde eu sou, eu teria a mesma posição. Não é sustentável", afirma.
O deputado Luiz Phillipe de Orleans e Bragança reforça que fundos vêm justamente para corrigir distorções. "Sempre que se fala em fundo, alguma conta não está fechando. A verdade é que os governadores não entendem o sistema tributário e não sabem prever os desdobramentos econômicos das medidas. E quem sabe, está quieto, pressionado pela sanha arrecadatória do governo".
O projeto ainda voltara para a apreciação da Câmara dos Deputados antes de virar lei. Na avaliação do jurista Ives Gandra Martins, os governadores só irão sentir o peso da reforma quando os projetos de leis complementares estiverem aprovados.
"Aí poderão ver o impacto nos seus orçamentos. Até agora, além de não atentar para a perda de autonomia, ninguém fez cálculos ainda. Nem os setores impactados, nem cada um dos 27 estados e o Distrito Federal, nem dos 5569 municípios", avalia.
Estamos cercados, acredita Gandra, de uma grande ilusão de que qualquer sistema é melhor do que o que está aí. Mas pode piorar e muito. "Uns vão ganhar e outros vão perder, mas quem vai pagar é o contribuinte", alerta.
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