A expansão da “nova classe média” está ameaçada. Os trabalhadores que subiram de vida com o aquecimento do mercado formal, a valorização do salário mínimo e as transferências de renda agora se veem encurralados pelo avanço do desemprego, da inflação e das taxas de juros. Para economistas, é grande a chance de que a classe média encolha neste ano, com muita gente retornando a camadas mais pobres.
“Com a crise e, ainda mais, com as políticas severas de ajuste fiscal, este processo [de ascensão social] tende a ser abortado da pior forma possível, estagnando um movimento de inclusão ainda prematuro”, avalia a economista Vivian Garrido Moreira, que em seu doutorado na USP defendeu uma tese sobre distribuição de renda e crescimento econômico.
A avaliação de Vivian e de outros economistas é que as pessoas que ingressaram na classe C nos últimos tempos ainda não haviam firmado os pés nesse estrato social e, por isso, são mais vulneráveis aos tremores da economia.
Capacitação
Para a economista Vivian Garrido Moreira, a consolidação da classe média depende de qualificação, para elevar a produtividade. Assim, o crescimento viria acompanhado de uma melhora na distribuição de renda.
“O desemprego está aumentando, o que significa que os melhores postos de trabalho serão disputados ferrenhamente. Quem tem baixa qualificação vai concorrer com profissionais mais qualificados. Muita gente será levada a aceitar salários mais baixos”, diz Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Segundo o IBGE, a taxa de desemprego nas regiões metropolitanas chegou a 6,2% em março, a mais alta em quase quatro anos. Afetado pela inflação e a disputa por vagas, o rendimento real dos trabalhadores caiu 3% em relação a março de 2014, no maior recuo em mais de uma década.
Pesquisa feita em fevereiro pelo Instituto Data Popular revelou alguns dos maiores temores da classe C: 55% dos entrevistados acreditam que o cenário para o emprego piorou e 84% acham que os salários não terão aumento ou subirão abaixo da inflação.
Ciclo interrompido
Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), Quadros, da Unicamp, constatou que o ciclo de melhorias que ocorria desde 2004 já foi interrompido, dois anos atrás. Entre 2012 e 2013 quase 3,4 milhões de pessoas teriam deixado classes mais altas, a maioria rumo ao que ele classificou de “baixa classe média”, e cerca de 1 milhão teriam sido rebaixadas desta última camada. “É possível que o mau desempenho tenha se mantido em 2014 e 2015”, avalia Quadros.
Em outra simulação, o economista concluiu que um retorno do quadro social às condições de 2010 provocaria um encolhimento em todas as faixas da classe média, principalmente na mais baixa – justamente a que mais cresceu com a ascensão social. Conforme a estimativa, quase 8 milhões de pessoas desta camada seriam rebaixadas para os grupos de “massa trabalhadora” e “miseráveis”.
Retrocesso tem impacto sobre o consumo e o PIB
O encolhimento da nova classe média teria efeitos não apenas sobre o padrão de vida dessas pessoas, mas também sobre a própria atividade econômica, uma vez que parte do crescimento do PIB brasileiro na última década foi impulsionada pelo consumo das famílias.
Amparados no emprego formal e em medidas de estímulo do governo, os brasileiros das camadas mais populares tiveram mais acesso ao crédito e puderam adquirir bens como eletrodomésticos, automóveis e imóveis.
Esse modelo começou a dar sinais de esgotamento quando, endividados, os consumidores deixaram de responder aos seguidos estímulos do governo ao consumo. Mais recentemente, o medo de perder o emprego também passou a inibir compras de valor mais alto.
O reflexo aparece em indicadores como as vendas do chamado “comércio ampliado”, que inclui, além dos segmentos mais tradicionais, as concessionárias de veículos e as lojas de materiais de construção, que ganharam com o novo consumidor. No período de 12 meses até fevereiro, o setor recuou quase 4%, a maior queda desde o início da pesquisa do IBGE, em 2004. (FJ)
“Classe é mais prejudicada que ricos e pobres”
- Fernando Jasper Vivian Garrido Moreira, doutora em Economia pela USP
A retração da economia e as medidas de ajuste fiscal – entre elas as que restringem benefícios trabalhistas e previdenciários – afetam mais a “nova classe média” que os mais ricos ou os muito pobres. A avaliação é da doutora em Economia Vivian Garrido Moreira. Confira trechos da entrevista, concedida por e-mail:
De que forma a crise econômica ameaça a nova classe média?
A “nova classe média” se constitui basicamente de uma classe trabalhadora que alcançou alguma mobilidade social, motivada por políticas inclusivas como a valorização do salário mínimo, a formalização no mercado de trabalho e as transferências de renda. O problema é que esse processo é ainda inicial, preliminar. Com a crise e, ainda mais, com as políticas severas de ajuste fiscal, este processo tende a ser abortado da pior forma possível, estagnando um movimento de inclusão ainda prematuro.
Os efeitos da crise já aparecem sobre essa classe?
Sim. Existem os efeitos dos juros mais altos que dificultam o crédito de forma geral e, para a “nova classe média”, o crédito relacionado a imóveis e a bens duráveis é o que mais pesa. Existem também os efeitos da inflação. No caso recente, devido à política de valorização do salário mínimo, o próprio custo salarial foi repassado para muitos preços. Então parte dos ganhos da inclusão social vem sendo “resgatada” pelos grupos formadores de preços. Outra parte vem sendo “resgatada” pelo aumento dos juros, que prejudica quem tem de pagá-los mas beneficia quem deve recebê-los.
Existe o risco de que a classe média “encolha”?
Sim, se as políticas de ajuste continuarem na mesma direção por muito tempo. É justamente sobre essa classe que a interrupção do crescimento e da inclusão pode causar os maiores retrocessos, porque os mais ricos têm mais mecanismos de proteção e os muito pobres na verdade não mudam muito sua condição. Há também fatores mais específicos que indicam uma fragilização dessa nova classe, como as mudanças no seguro-desemprego e nas pensões e, principalmente, na terceirização da mão de obra.
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