Alegando não ter recursos, a Valec, estatal federal que cuida de ferrovias, aprovou uma norma que vai priorizar o pagamento de trilhos em detrimento de outros compromissos, incluindo até as obras para preparar as vias para receber o material. A decisão vai afetar ainda mais o cronograma de conclusão de duas linhas férreas, a Norte-Sul e a Oeste-Leste.
Empresas que trabalham em trechos dessas duas ferrovias começaram a reduzir o ritmo das obras no fim do ano passado, em consequência do atraso nos pagamentos pelo governo.
Agora, sem dinheiro para tocar as obras de infraestrutura das vias, a Valec pode ficar com um estoque de trilhos, mas sem estrutura para instalá-los, o que torna praticamente impossível a entrega dos trechos das linhas férreas no próximo ano. Inicialmente, essas obras deveriam ter sido concluídas em 2012.
O trecho da Norte-Sul entre Goiás e São Paulo faria finalmente a ferrovia justificar seu nome, unindo as vias férreas dos dois extremos do país. Sem ele, perdem principalmente produtores agrícolas da região central do país. No caso da Oeste-Leste, a ferrovia escoará a produção de uma mina de ferro no interior da Bahia até o litoral.
A Lei de Licitações determina que os pagamentos feitos pelos órgãos do governo devem seguir a ordem de chegada, proibindo assim que alguma empresa seja priorizada. A Valec alega que a lei permite a priorização “em casos excepcionai”.
A bilionária e polêmica compra dos trilhos para as ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste foi considerada um caso excepcional pela estatal.
Nos bastidores, a reportagem apurou que empresários do setor estranharam a decisão. Eles sugerem a existência de irregularidades e suspeitam de favorecimento na medida.
Atraso
A compra dos trilhos era para ter sido realizada em 2012, mas atrasou porque uma das empresas que seriam contratadas, a Dismaf, foi impedida de fornecer para o serviço público por descumprimento de contrato com os Correios. Uma nova concorrência foi aberta em 2013, e a vencedora de 79% do contrato foi uma empresa nanica de Minas Gerais, a RMC, que se associou ao grupo chinês Pangnag, que produz trilhos e que também era associado à Dismaf.
A investigação de direcionamento da concorrência, na época estimada em R$ 942 milhões, atrasou a assinatura dos contratos, o que só ocorreu em 2014. Os grupos RCM/Pangnag e Trop Comércio/Comerport são os fornecedores dos trilhos para a Valec. O material já está custando R$ 1,3 bilhão por causa da desvalorização do real desde o ano passado. Essas empresas ainda têm a receber quase R$ 900 milhões desses contratos.
O problema é que, com os cortes orçamentários anunciados no mês passado, o caixa da Valec caiu para R$ 1,8 bilhão. Para terminar as obras de infraestrutura das duas ferrovias, a empresa ainda precisaria de R$ 4,4 bilhões. A estatal concluiu que a conta não fecha. Por isso, a diretoria da Valec emitiu notas técnicas e pareceres jurídicos para justificar a priorização do pagamento dos trilhos pelo menos até novembro de 2015.
A alegação é que, se eles não forem pagos, os contratos serão rescindidos. A dificuldade em contratar uma outra fornecedora é, segundo a Valec, o motivo da priorização dessas despesas.