A série de pacotes de estímulos e desonerações fiscais que vem sendo implantada desde a crise de 2008 acabou por criar uma armadilha para o governo. Pressionado pelo setor empresarial para a manutenção ou ampliação dos benefícios de um lado, e pelas limitações de gastos por outro, o governo ainda tem que lidar com o fato de que essas medidas têm tido efeito cada vez menor em estimular o crescimento do país.
O governo Dilma Rousseff lançou, desde 2011, mais de duas dezenas de pacotes com medidas para estimular a economia brasileira que incluem da redução do IPI para automóveis até a desoneração para a folha de pagamento e a ajuda de R$ 12 bilhões para o setor energético. Ainda assim, a economia cresceu em média cerca de 2% ao ano.
Nos últimos seis anos, somente o volume de isenções fiscais foi de R$ 193,4 bilhões, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Nas contas do Ibre, a renúncia fiscal está em 1,6% do PIB e deve ser mantida neste ano.
Cerca de R$ 85 bilhões deixarão de entrar nos cofres do governo em 2014, dos quais R$ 5 bilhões se devem somente ao "impacto cheio" da inclusão dos setores da construção civil e do comércio varejista na desoneração da folha de pagamentos.
Para Salomão Quadros, pesquisador do Ibre, o governo incorporou como regra medidas que deveriam ser temporárias para ajudar a economia em um momento de crise. "Ao invés de atacar questões mais profundas, como a reforma tributária e econômica, ele optou por basear sua estratégia em modelo intervencionista, que acabou não sendo suficiente para estimular o crescimento", diz.
Ao "viciar" a economia nas medidas de estímulos, criouse uma bola de neve que precisa ser alimentada com mais gastos públicos. E em um cenário de menor crescimento, a pressão aumenta, como é o caso do setor automotivo, que reivindica mais ajuda.
Ainda que os benefícios dados sejam compensados em parte pelo aumento da tributação de outros setores, essa conta ainda é negativa, criando um desequilíbrio fiscal. O superávit primário economia que o governo faz para pagar os juros da dívida foi de 1,9% em 2013, o mais baixo da série, iniciada em 2009.
Alvo errado
O maior problema, na avaliação do coordenador do curso de Economia da Universidade Positivo (UP), Lucas Dezordi, é que os estímulos se concentravam no consumo e não no investimento. "O erro foi no foco. O Brasil agora está em uma sinuca de bico porque não consegue crescer em meio a baixa produtividade e falta de investimento", diz.
Dar incentivo, inclusive via financiamento e queda nos juros do BNDES, não fizeram o setor produtivo aumentar investimentos na mesma proporção. "Ninguém investe se não tiver uma previsão de demanda futura e isso ocorre com crescimento econômico", diz o economista João Basílio Pereima Neto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para ele, o governo fez "política fiscal via BNDES", ao usar o banco para aumentar o crédito direcionado. "O banco acabou financiando somente projetos bilionários, muitas fusões fora do Brasil que não tiveram impacto no crescimento da economia brasileira", critica.
Retirada de incentivos pode elevar inflação
Se antes o foco dos incentivos era para promover o consumo e gerar mais crescimento, agora parte dos benefícios concedidos nos últimos meses foi para controlar a inflação, que segue em alta. No acumulado dos últimos 12 meses encerrados em abril, o IPCA, que serve de base para o regime de metas, ficou em 6,28%.
Para tanto, o governo cortou impostos da cesta básica e ampliou a desoneração em folha de pagamento, além da reduzir a tarifa de energia e eliminar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre os combustíveis. Apesar disso, o índice de inflação não convergiu para o centro da meta, de 4,5%, e empurrou o problema para 2015.
"Represar esses aumentos na forma de incentivos só adia o ajuste, que virá no próximo ano", diz João Basílio Pereima Neto, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). De acordo com ele, a desoneração da folha de pagamento, por exemplo, teve efeito relativo. "Parte desse benefício foi usado para manter preços, mas parte virou margem para as empresas", diz.
Na sua avaliação, o impacto da alta dos chamados preços monitorados como energia e combustíveis - sobre a inflação deve ser forte e elevá-la para níveis perigosamente próximos do teto da meta de inflação, de 6,5%, em 2015. Segundo Lucas Dezordi, coordenador do setor de Economia da Universidade Positivo, a inflação só não deve estourar o teto porque o aperto monetário do governo, com a alta dos juros, começa a chegar à economia real e deve segurar o consumo.