Perspectivas
Quatro anos após estouro da crise, incertezas persistem
Apesar do longo tempo passado desde o marco do início da turbulência financeira a quebra do banco Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008 , o clima de incertezas permanece. O desdobramento da crise da dívida na Europa e o abismo fiscal nos Estados Unidos são as principais preocupações de economistas para o cenário atual.
"Chegamos aos quatro anos de crise muito longe de uma solução. Tudo indica que a crise terá fôlego longo. Estamos falando em anos, não em meses. Não há indicação de que vamos sair rápido da atual situação", diz Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
As perdas do mercado financeiro são apenas um dos sinais de uma economia enfraquecida, que passa pela segunda fase de uma crise que agora tem seu foco principal na zona do euro. A União Europeia deve encerrar o ano com recessão, enquanto os Estados Unidos ensaiam apenas uma leve recuperação e os emergentes veem uma desaceleração de seu crescimento.
Burocracia ainda barra trabalhadores
Para especialistas em recursos humanos, o número de estrangeiros trabalhando legalmente no Brasil poderia ser ainda maior se não fossem a burocracia e as restrições impostas pelo governo ao imigrante, um problema que está atrasando a capacitação da mão de obra local e, consequentemente, reduzindo a competitividade do setor produtivo.
Uma das principais queixas é com relação à extensa lista de documentação exigida, que deve ser traduzida e legalizada em representação diplomática. Outra reclamação muito comum é sobre o limite de permanência do profissional no Brasil. Atualmente, o visto temporário vale por 90 dias, enquanto que o visto técnico é válido por um ano, renovável por igual período. Para esta segunda opção, porém, a empresa e o profissional expatriado precisam se comprometer a qualificar mão de obra brasileira.
No entanto, a partir de 183 dias de permanência no Brasil, o profissional é considerado residente fiscal, ou seja, paga imposto como todo trabalhador local, um custo que acaba assumido pela empresa. "Acho que o prazo de permanência e a tributação deveriam ser flexibilizados. Estamos perdendo a oportunidade de aproveitar a presença desses profissionais no Brasil para qualificar nossa mão de obra", avalia Giovanna Dantas, gerente de operações no Brasil da NES Global Talent, empresa de recrutamento e seleção especializada no setor de óleo e gás.
Fiscalização
Segundo o coordenador-geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, Paulo Sérgio de Almeida, as regras brasileiras seguem o padrão internacional e, entre outras funções, servem para evitar que o profissional brasileiro seja preterido. Se atendidas todas as solicitações do MTE o processo de autorização dura, no máximo, 30 dias. "Não acho que o processo brasileiro seja mais burocrático que de outros países. O problema, na maioria das vezes, está na falha do próprio solicitante do processo", defende Almeida. Ele salienta que nos próximos meses a solicitação de trabalho de estrangeiros deverá ser feita integralmente em ambiente on-line, o que, segundo ele, deve reduzir o prazo de liberação em 30%.
A crise econômica na Europa tem provocado uma mudança no fluxo migratório. Se no fim da década de 1990 era comum ver brasileiros partindo para trabalhar em países como Portugal e Espanha, agora cada vez mais europeus têm desembarcado no Brasil em busca de empregos, salários melhores e oportunidades de negócios.
Segundo o Ministério da Justiça, a quantidade de estrangeiros regularizados no Brasil cresceu 57% em 2011, alcançando 1,5 milhão de pessoas. No Paraná, esse número passou de 44,3 mil em 2010 para 77 mil em abril deste ano o estado é o terceiro em número de "forasteiros", atrás de São Paulo (771,8 mil) e Rio de Janeiro (314,2 mil).
"Basicamente duas forças contribuem para o aumento na procura de oportunidades de trabalho no Brasil: a crise nos países do hemisfério Norte e o cenário de estabilidade econômica e de prosperidade vivido por nosso país, que ainda teve sua visibilidade aumentada por eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada", explica Freud Oliveira, diretor do Cesumar Empresarial, programa de extensão do Centro Universitário de Maringá.
Entre as três maiores comunidades de europeus no Brasil, os espanhóis foram os que tiveram o maior índice de crescimento dos últimos anos, passando de 58,5 mil registrados em 2009 para 82,5 mil em abril deste ano, um crescimento de 41,1%. A imigração de italianos subiu 39%, passando de 70,2 mil para 97,9 mil. Os portugueses formam o maior grupo de estrangeiros são 331,4 mil, ante 276,7 mil em 2009.
Um dos lusitanos que cruzaram o Atlântico foi o arquiteto Luís Arrátel, de 26 anos, que trocou Bragança por Maringá. Segundo ele, a construção civil e o ramo imobiliário foram os primeiros setores a sentir o efeito da crise econômica em Portugal. "As ofertas de trabalho desapareceram e as poucas vagas são relativas a estágios profissionais, com cargas horárias pesadas, índices de exigência bastante altos e remuneração ridícula. Uma situação péssima para quem pensa começar a construir a sua própria vida", conta o jovem.
Namorando uma brasileira e com casamento marcado, Arrátel não pretende voltar tão cedo ao Velho Continente. "O Brasil é um dos grandes mercados na área da construção", diz. Por sinal, o número de engenheiros portugueses autorizados a trabalhar no país saltou de 21 em 2010 para 75 em 2011; só no primeiro semestre deste ano foram 63 autorizações.
Permissões
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de janeiro a junho deste ano foram concedidas 32,9 mil permissões de trabalho para estrangeiros 29 mil delas para empregos temporários , 24% mais que no mesmo período de 2011. Em todo o ano passado houve 70,5 mil liberações, cerca de 14,5 mil a mais que em 2010.
No Paraná, foram 713 concessões para estrangeiros no primeiro semestre, apenas 271 a menos quem em todo o ano de 2011. A maior parte das autorizações beneficiou alemães (114), norte-americanos (90), suecos (45), espanhóis (39) e finlandeses (35).
O coordenador-geral de Imigração do MTE, Paulo Sérgio de Almeida, atribui o avanço nas autorizações ao aumento de investimentos no país. Setores como a indústria e energia (especialmente petróleo e gás) passaram a demandar uma mão de obra cada vez mais especializada, que muitas vezes não é encontrada no Brasil.
Colaboraram Tatiane Salvatico, da Gazeta Maringá, e Fabiula Wurmeister, da sucursal de Foz do Iguaçu
Recessão faz brasileiros voltarem ao país
A turbulência nos países ricos também estimulou o retorno de brasileiros que estavam morando no exterior. A família de Raquel Pacheco faz parte deste grupo. Depois de dez anos morando em Portugal, o marido e os filhos, de 11 e 7 anos, tomaram o caminho de volta.
"Aos poucos, fomos sentindo que os salários começaram a recuar, os empregos, a escassear e os preços, a subir. Os contratos temporários de trabalhadores estrangeiros, renovados anualmente, passaram a ser renovados mês a mês. Percebemos a crise", disse Raquel.
A onda de retornos ao Brasil começou após o estouro da crise em 2008. Pelo Censo 2010, o número de brasileiros que viviam no exterior e voltaram ao país era de 174,5 mil, o dobro (98,6%) dos 87,8 mil registrados pelo Censo 2000.
Entre os que retornaram da Europa está o engenheiro Rafael Sperotto, de 32 anos, que enfrentou duas crises durante os quase nove anos que esteve trabalhando na área de energia. "Com a crise americana de 2009, o escritório onde eu trabalhava [em Berlim] foi fechado e resolvi aproveitar um programa de demissão incentivada e saí da empresa", conta Sperotto, que então se mudou para a Itália. Tudo andava bem até que, em agosto de 2011, a empresa em que trabalha precisou apostar em novos mercados para fugir da atual crise que atinge a Europa e o crescente mercado de petróleo no Brasil pareceu a alternativa mais segura.
Hoje Sperotto é gerente de contas de uma empresa especializada em mão de obra para a indústria do petróleo, no Rio de Janeiro. Satisfeito com a mudança e seguro da experiência que adquiriu na Europa, garante ser um privilegiado por ter sobrevivido a duas crises e ainda ter retornado ao país com um bom emprego. "Não existe um lugar como o nosso país, a nossa cultura, a família e os amigos", diz.
Casos como o de Sperotto costumam ser uma exceção. Segundo a pesquisadora Sueli Siqueira, os "retornados" costumam encontrar dificuldades para voltar ao mercado de trabalho. "Muitas vezes eles têm experiência, mas não conseguem comprová-la. Antes, voltavam com algum dinheiro e tentavam abrir um negócio. Hoje, a maioria volta sem nada."
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