Os dados da Bovespa mostram que a confirmação do afastamento de Dilma Rousseff da presidência acabou não se configurando em uma melhora ainda mais pronunciada do mercado de ações do Brasil. O mês de maio contou com uma saída de R$ 1,8 bilhão de investimentos estrangeiros da bolsa de valores e o Índice Bovespa acumulou uma queda de mais de 10% no período, após três meses consecutivos de alta – até por isso, o saldo de capital externo na bolsa ainda está positivo em R$ 11,475 bilhões em 2016.
Mas os motivos para este cenário de aversão verificado em maio passam por uma realização de lucros, pela continuidade de notícias políticas negativas e se estendem para mudanças de sinal vindos do exterior, sobretudo no que diz respeito à política monetária norte-americana.
Ao longo do último mês, estiveram em pauta a queda de ministros do governo Michel Temer, a divulgação de áudios de conversas envolvendo a cúpula do PMDB, o receio com o que pode vir dos acordos de delação da Odebrecht e da OAS e a possibilidade de saída de Renan Calheiros da presidência do Senado. O vice-presidente do Senado, Tião Viana, é petista e seria o sucessor, podendo dificultar a atuação da equipe de Temer.
Gilberto Tonello, gestor de portfólios LatAm do Grupo Bursatil Mexicano (GBM), avalia que o fluxo de saída observado em maio é a contrapartida da entrada registrada nos meses anteriores, ou seja, trata-se de uma correção. “Muito porque o governo Temer ainda não mostrou a que veio. Mas dados antecedentes mostram que o fundo do poço já chegou e o País deve observar uma volta do crescimento”, opina.
James Gulbrandsen, sócio da NCH Capital, gestora especializada em mercados emergentes, acrescenta que os investidores têm se mostrado mais focados no que vai acontecer no campo político do que na economia. Segundo ele, a estabilidade do governo Temer está ligada à aprovação de medidas econômicas.
Lá fora
O cenário externo, contudo, também não ajudou a Bovespa em maio. Conforme explica relatório do Citi, as bolsas de países emergentes no geral passaram por enfraquecimento, seguindo sinais de perda de fôlego da economia chinesa e o movimento negativo das commodities metálicas.
Nos Estados Unidos, declarações de representantes do Federal Reserve (Fed) e a ata do Fomc mais “hawkish” levaram parte do mercado a antecipar a alta dos juros americanos e uma consequente valorização do dólar. O Citi, no entanto, segue esperando uma elevação apenas em setembro, diz o banco em relatório.
Mário Roberto Mariante, analista da Planner, prevê para este mês de junho apreensão na bolsa. Ele diz que, na primeira quinzena os investidores devem se pautar por acontecimentos políticos e sinalizações do Fed acerca da taxa de juros americana. “Se for confirmada a alta dos juros nos EUA, a consequência pode ser a saída de recursos da Bovespa e a alta do dólar ante o real.
O analista explica ainda que as delações premiadas que fazem parte das investigações da Lava Jato trazem preocupação ao mercado, com a possibilidade de resultar em instabilidade do governo. Ele lembra também que o empresariado está ainda com pé no freio, não está investindo.
No caso específico dos investidores estrangeiros, matéria publicada pelo Broadcast na última sexta-feira já indicava um comportamento distinto deles em relação ao investidor local. A avaliação dos analistas ouvidos é de que os estrangeiros, que estão retirando recursos do País, querem ver a confirmação de que o governo Temer vai permanecer e de que terá sucesso nas medidas propostas.
Perspectivas
Tonello, da GBM, diz que aquele investidor que observa o múltiplo da bolsa brasileira pode considerar que ela está cara, o que, na sua avaliação, não é verdade. “Vai parecer que a bolsa está cara, em razão dos lucros ou resultados de Ebitda pressionados. Mas isso porque estamos na parte baixa do ciclo econômico”, opina. A questão é que se a análise considerar o risco mensurado pelo CDS, a bolsa estaria barata, avalia.
De acordo com relatório da Spinelli, a Bovespa encerrou maio com indicador preço/lucro (P/L) de 11,81, considerando apenas lucros positivos. Para comparação, o Shanghai Composite registrou P/L de 13,84, o FTSE 100, de 19,95, o Dow Jones, de 16,88, e o S&P 500, de 18,72.
O problema é que pode “demorar um pouco” para que volte a ser registrado fluxo de entrada, acrescenta o gestor da GBM. “Mas a tendência é que isso já comece a acontecer no segundo semestre deste ano e, mais fortemente, no primeiro semestre do ano que vem.”
Mesmo porque, a percepção geral é de que os problemas no País no campo fiscal estão gradualmente sendo resolvidos. Ontem (01), aliás, a comissão especial da Câmara aprovou, por 20 votos a favor e 4 contrários, a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2023, o que gerou apetite ao risco na bolsa de valores.
Pedro Galdi, analista da WhatsCall Consultoria, opina que o Brasil tem potencial para atrair investidores. “O que acontece é que a instabilidade política que se seguiu depois do afastamento de Dilma levou o investidor a colocar um pé no freio”, explica.
Galdi, no entanto, diz que restam boas opções de investimentos na bolsa, como Raia Drogasil e Ambev, opina. Ele também está otimista com as estatais, que nesta semana tiveram seus comandos trocados. “A mudança dos presidentes da Petrobras e do Banco do Brasil é um fator positivo, que pode atrair capital. Os executivos estão chegando para arrumar a casa”, diz.
Por outro lado, ele acredita que há de fato ações caras. Na sua visão, esse é o caso das siderúrgicas, cujo cenário segue negativo quanto aos fundamentos. “A alta recente desses papéis foi puramente especulativa e agora há espaço para realização”, opina. CSN devolveu recentemente parte dos ganhos causados pelo cenário político, mas ainda acumula valorização de cerca de 70% neste ano. Usiminas PNA, por sua vez, ainda tem alta de 13% no mesmo período.
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