O governo federal traçou dois planos estratégicos para evitar uma nova greve dos caminhoneiros. A primeira delas, consiste em desmobilizar os transportadores autônomos grevistas com diálogo, conscientização e estratégia. A outra, se inicia apenas caso a paralisação entre em vigor, para mitigar os impactos na cadeia de abastecimento. Ao mesmo tempo, não serão medidos esforços para aplicar multas pesadas para quem obstruir as pistas, sem garantias de anistia.
O primeiro plano está em vigor desde a segunda metade de dezembro, quando o presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), Plínio Dias, convocou pelas redes sociais a greve para 1º de fevereiro. Rompido com as lideranças grevistas, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, mantém um diálogo próximo com caminhoneiros e interlocutores aliados. São esses que, junto ao ministro, tentam desmobilizar a greve internamente.
A estratégia dos caminhoneiros contrários a uma paralisação é feita dentro de grupos de WhatsApp. Eles usam o diálogo e conscientização para explicar os esforços do governo em atender a categoria, com base nas informações de reuniões de Freitas com a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA). Assim, esses autônomos dialogam com lideranças dos grevistas para demover a ideia de um ou outro.
Além dos diálogos com grevistas, as lideranças mais próximas do governo “infiltraram” alguns de seus aliados nos grupos de caminhoneiros paredistas. Lá, eles divulgam vídeos, áudios e seus pensamentos.
Todos esses esforços são feitos com o apoio do ministro Tarcísio de Freitas, que tem feito o possível para evitar a greve. Para ele, trata-se de uma greve política. “É só olhar a data: 1º de fevereiro, às vésperas das eleições da Câmara e do Senado. Querem desestabilizar o governo a qualquer custo. Tem grupos políticos por trás. A gente sabe”, sustenta um líder caminhoneiro.
Como Tarcísio e caminhoneiros atuaram para desmobilizar os grevistas
O caso mais emblemático de atuação do ministro da Infraestrutura ocorreu na última sexta-feira (8), quando ele agiu diretamente para desmobilizar articulações de Plínio Dias, da CNTRC. Dias conseguiu agendar uma reunião para 26 de janeiro no Ministério da Infraestrutura.
O problema é que a reunião foi marcada sem o consentimento de Tarcísio de Freitas, que, em 15 de dezembro, disse a autônomos aliados que não dialogaria mais com a CNTRC e outras entidades grevistas, a exemplo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL).
Segundo apurou a Gazeta do Povo, a reunião foi marcada sob a promessa de apresentar a CNTRC. Caminhoneiros aliados de Tarcísio o alertaram sobre a agenda e foi aí que o ministro agiu para cancelá-la. De férias, ele deu a ordem ao secretário Nacional de Transportes Terrestres (SNTT), Marcello da Costa, e ao diretor do Departamento de Cooperativismo e Acesso a Mercados, Márcio de Andrade.
Àquela altura, os grupos de caminhoneiros entraram em ebulição com as informações ventiladas. Primeiro, porque acreditaram que foi o governo a solicitar a reunião. O caminhoneiro Marconi França, um líder da categoria em Pernambuco, gravou um primeiro vídeo criticando o governo por tentar enganar a categoria com falsas promessas. Em um segundo momento, já cientes de que a reunião havia sido pedida por Plínio Dias, França gravou um segundo vídeo criticando veladamente a postura do presidente da CNTRC.
“Eu pensei que tinha sido o Tarcísio, junto com Marcello e o pessoal do Ministério [da Infraestrutura], que tinha chamado a categoria para conversar, aquela conversinha que não dá em nada. Eu já tinha dito que não era para ir. Mas não foi não, pessoal, foram essas mesmas pessoas que estão chamando para brigar, no dia 1º”, desabafou França, visivelmente irritado. Ele é um dos caminhoneiros que, em dezembro de 2019, tentou iniciar uma paralisação.
O líder caminhoneiro pernambucano continua o desabafo no vídeo e afirma que não participará da greve. “Os caras convocam uma possível paralisação, deixam aquele burburinho e, dias antes, marcam [uma reunião]. Querem se dar bem? Com Pernambuco não conte comigo e meus amigos aqui, não. Quem quiser ir para a pista, vá, faça graça, mas eu não vou fazer palhaçada, porque eu tenho respeito. E quando defendo, defendo com unha e dente”, protestou França.
Repercussão do pedido de reunião rachou grevistas
O segundo vídeo de França caiu como uma bomba entre líderes grevistas. Pouco a pouco, Tarcísio de Freitas e caminhoneiros aliados conseguiram desmobilizar outras lideranças. “Eu não posso assumir uma luta que faltam dados e são incompletos. Noto muito a ideologia no meio e não estou aqui para derrubar [o presidente Jair] Bolsonaro, o Tarcísio. Estou aqui pela verdade, pela luta caminhoneira e pelo certo”, diz o líder Joelmis Corrêa, do Movimento GBN.
“Quem cancelou a reunião foi o governo, não foi o Plínio [Dias]. E não foi só por um interlocutor, foram vários que nos informaram. O governo cancelou a reunião. Não foi o Conselho [CNTRC] que cancelou a reunião. Tem que detalhar isso aí. É mais bonito dizer: cometemos um erro de ego ao anunciar essa reunião em uma briga de egos e aí virou esse bolo todo e gerou essa controvérsia”, acrescenta Joelmis, em áudio enviado em um grupo da categoria na quarta-feira (13).
A repercussão do pedido de reunião foi devastadora para Plínio Dias. Afinal, para caminhoneiros, pegou mal um dos líderes grevistas pedir uma reunião com o governo, sobretudo em uma data às vésperas da paralisação. O presidente da CNTRC até tentou, em live no domingo (10) e em um vídeo gravado na segunda-feira (11), dizer que foi ele que cancelou uma reunião pedida pelo governo. Mas a Gazeta do Povo recebeu documentos que comprovam a solicitação feita por Dias.
Em vídeo, Dias tenta se justificar. “Seria uma reunião onde o Conselho Nacional queria se apresentar ao governo”, declarou. “Seria com a CNTTL, a Asspac [Associação Paulista de Assistência ao Caminhoneiro], a CNTRC e a ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres]. Não seria falado em paralisação nesta reunião. Estamos aí firmes e fortes, a paralisação continua”, disse.
Após a força-tarefa para desmobilizar a categoria, nesta quinta-feira (14), os caminhoneiros contrários à paralisação calculam que, dos cerca de 30 membros da diretoria do CNTRC, “no mínimo 12” passaram a ser contra a greve. “Os caras acreditam porque estamos passando essa credibilidade para o pessoal e provamos a eles que estão errados”, diz uma liderança da categoria ouvida pela reportagem.
Ministério da Infraestrutura promete multa “pesada” a grevistas
Após as estratégias de rachar as lideranças grevistas internamente, o governo avalia que a atuação do Ministério da Infraestrutura conseguiu, em alguma parcela, enfraquecer o movimento paredista.
Contudo, se a paralisação ainda ocorrer, Tarcísio de Freitas promete um plano mais agressivo. “A estratégia do governo nesse tipo de situação vai ser ‘couro e cacete (sic)’. Vai dar multa pesada a quem obstruir rodovia”, destaca um líder caminhoneiro próximo do ministro.
A infração de trânsito para quem bloquear deliberadamente vias gravíssima, com multa agravada em 30 vezes. Ou seja, um valor de R$ 5.746,20. Ela ainda tem o valor dobrado em casos de reincidência no período de doze meses. Além disso, aqueles que obstruírem as passagens ficarão proibidos de receber incentivo creditício por 10 anos para a aquisição de veículos.
Aos mais próximos, o ministro da Infraestrutura também deixou claro que as punições serão seguidas à risca, sem margem para negociações posteriores, como anistias, a exemplo do que aconteceu em outras greves. “Esse é outro governo. O governo está negociando, ajudamos o Tarcísio, os projetos estão indo para frente, mas com entidade, orgânica e representativa. O momento para repensar na greve é agora. Depois, quem for multado, um abraço, não vai ter esse negócio de anistia”, explica um líder autônomo.
Inteligência e Forças Armadas: as estratégias para evitar o desabastecimento
A estratégia de multas será acompanhada por análises de inteligência de órgãos do governo, que avaliarão os riscos de colapso de abastecimento e como atuar para evitar os impactos da greve. Por ora, as divisões de inteligência das estruturas integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) — que reúne informações de 42 órgãos federais de diferentes ministérios — já estão operantes acompanhando a categoria.
A inteligência não monitora líderes, mas o desenrolar das discussões sobre o movimento grevista. “A Abin [Agência Brasileira de Inteligência] não monitora os líderes. O que é feito é um acompanhamento da situação. Uma situação que tem o potencial de desestabilizar o país, como a greve dos caminhoneiros, é acompanhada, mas não pessoas específicas”, explica um interlocutor do Palácio do Planalto à Gazeta do Povo.
Ou seja, discussões de líderes grevistas como pontos de obstrução, onde estão os focos mais radicais da greve, estão sendo monitorados para que o governo trace um cenário que permita mais previsibilidade.
“Não existe histórico perdido. Aprendemos muito com a greve de 2018. Hoje, toda a estrutura do governo, não só o Sisbin, sabe onde estão os principais gargalos, onde o fechamento de uma estrada causa mais problemas por não ter outros pontos de passagem”, diz o interlocutor.
No caso da greve dos caminhoneiros, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) tem papel fundamental para mitigiar os impactos da greve. A entidade tem recebido o apoio de líderes contrários à greve, que vão transmitir informações dos pontos de bloqueio e os líderes grevistas.
Todos os esforços serão conduzidos pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República para evitar qualquer crise de desabastecimento a portos, aeroportos, à produção, ao consumidor, a subestações de energia, água e hospitais.
A edição de um decreto da Garantia da Lei e Ordem (GLO) para empregar as Forças Armadas também não está descartada. Na greve de 2018, elas atuaram para garantir a segurança de comboios de caminhoneiros. Tudo dependerá dos relatórios de inteligência e demais estruturas do governo obtidos pelo GSI.
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