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Meio ambiente

Banco Mundial diz que benefícios fiscais e crédito rural estimulam desmatamento na Amazônia

Floresta Amazônica
Relatório do Banco Mundial aponta que algumas políticas econômicas brasileiras não ajudam na preservação da Floresta Amazônica. (Foto: Joedson Alves/EFE)

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Um estudo elaborado pelo Banco Mundial aponta que o desmatamento da Floresta Amazônica é provocado, entre outras causas, por políticas econômicas implantadas pelo governo federal para estimular a industrialização da região Norte do país – especialmente em Manaus – e a concessão de crédito rural ao agronegócio.

A avaliação faz parte do memorando “Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira”, publicado na noite desta terça (9) com uma série de dados e análises que apontam caminhos que o Brasil deveria adotar para conter o desmatamento nos nove estados que formam a Amazônia Legal (veja na íntegra).

O estudo aponta que as medidas evitariam sanções comerciais que podem ser impostas por nações estrangeiras a alimentos e produtos supostamente produzidos em áreas de devastação, como o bloco de países que formam a União Europeia. O acordo dos europeus com o Mercosul está travado por questões ambientais levantadas principalmente pela França.

O acordo começou a ser costurado em 1999 e chegou a ter uma primeira versão assinada em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No entanto, após a assinatura por parte do governo brasileiro, diversos países do bloco europeu passaram a fazer oposição ao tratado.

Reservadamente, integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicam que estão preocupados com a falta de debate sobre o acordo como um todo, e veem essa resistência dos europeus como mero protecionismo e tentativa de fugir da concorrência em produtos agropecuários.

O relatório sinaliza um ponto de atenção na relação comercial do Brasil com os europeus, afirmando que, se o acordo vier a ser ratificado, a União Europeia “abrirá seus mercados para mais exportações agrícolas brasileiras, ao passo que o Brasil abrirá gradualmente seu setor manufatureiro. Várias salvaguardas ambientais destinam-se a reduzir os impactos desse acesso aprimorado ao mercado sobre o desmatamento. Os efeitos dessas salvaguardas variam conforme o caso: é importante que elas sejam implementadas e aplicadas adequadamente”.

“Os acordos comerciais que incluem a liberalização agrícola continuarão a representar um risco para a conservação das florestas da Amazônia até que a maturidade econômica e institucional esteja suficientemente avançada”, explica Marek Hanusch, editor do estudo.

O Banco Mundial afirma, ainda, que as políticas governamentais de incentivo à produção agrícola e industrial na região vão na contramão da preservação ambiental. Uma delas, retrata, é a concessão de crédito rural em detrimento de outros setores, mesmo frente aos grandes resultados do agronegócio que tornam o Brasil o maior produtor mundial de alimentos.

“Em vez disso, as políticas deveriam se concentrar no apoio a práticas agrícolas inteligentes relacionadas ao clima, como, por exemplo, abordagens integradas de paisagem, as quais exigem uma mudança de postura: em vez de incentivar bens privados por meio de crédito relativamente não direcionado, oferecer incentivos para bens públicos, como no caso do Plano ABC do Brasil”, afirma.

Outra política governamental criticada pelo Banco Mundial é a de incentivo à industrialização na região amazônica através da Zona Franca de Manaus, que consome cerca de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional para a instalação de produções de manufaturas na capital amazonense. Apesar de gerar empregos, a instituição afirma que os benefícios fiscais não ajudaram a elevar a economia do estado – que vem diminuindo a competitividade e perdendo empresas.

Segundo o Banco Mundial, oferecer mais incentivos fiscais para as empresas “não é a solução, porque isso introduz distorções que incentivam as empresas a se instalarem em lugares onde, de outra forma, não se instalariam e resultam em produtividade reduzida – exatamente o oposto do que um modelo de crescimento com foco na produtividade tentaria alcançar”.

A instituição também aponta que barreiras comerciais impostas pelo Brasil nos setores de manufatura e serviços tornam a economia do país uma das “mais fechadas do mundo, e sua participação nas cadeias globais de valor tende a se concentrar na exportação de commodities primárias”.

Entre as commodities primárias apontadas pelo estudo, estão alguns dos produtos de maior peso na balança comercial brasileira de exportação, como a soja (9,99%), minério de ferro e concentrados (9,90%) e o petróleo cru (9,35%).

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O Banco Mundial aponta que a posição favorável do Brasil como uma nação de renda média alta se deu, entre outros motivos, por conta do desmatamento para a produção de commodities agrícolas e minerais. No entanto, a instituição afirma que “o mundo vem despertando para o impacto de sua demanda sobre o desmatamento e suas devastadoras consequências naturais, sociais e econômicas”.

“Às vezes, essas tendências são vistas como uma ameaça ao crescimento econômico no Brasil e na Amazônia Legal. Elas também indicam uma oportunidade de substituir o modelo de crescimento do país por outro que proporcione simultaneamente a proteção dos recursos naturais e um desenvolvimento sustentável e inclusivo. Uma mudança no modelo de crescimento é importante para o Brasil e a Amazônia Legal”, afirma.

De acordo com o Banco Mundial, rever as políticas de incentivos fiscais, crédito rural e preservação poderia render até R$ 1,5 trilhão ao ano (US$ 317 bilhões) por manter a “floresta em pé”. Isso, relata, equivale a “até sete vezes mais que o valor estimado da exploração privada ligada à agricultura extensiva, à exploração madeireira ou à mineração”.

Segundo o levantamento, a floresta tropical brasileira tem um impacto anual de R$ 98 bilhões na agricultura da América do Sul, com a chuva necessária para as lavouras e a proteção contra a erosão do solo e incêndios. Já em âmbito global, o armazenamento de carbono na floresta é estimado em pouco mais de R$ 1 trilhão.

Já a produção de produtos não madeireiros ou turismo sustentável com a floresta em pé são estimados em R$ 59 bilhões. No entanto, a instituição avalia que o Brasil estaria sendo inapto na preservação ambiental.

“O custo da inação é alto, tanto na Floresta Amazônica quanto nos outros biomas da Amazônia Legal. Impedir o desmatamento ilegal não é apenas uma prerrogativa econômica e ambiental, mas também se alinha aos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo Climático de Paris. A efetivação desse compromisso é importante para que o governo brasileiro demonstre sua credibilidade política para seus cidadãos e para o mundo e, ao mesmo tempo, cumpra suas obrigações de conter o aquecimento global como membro da comunidade internacional”, assinala.

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A instituição indica que a prosperidade futura do Brasil vai depender da capacidade de se aumentar a produtividade em setores além das commodities, como indústria de manufatura e serviços, apesar da pauta de exportações ainda ser composta majoritariamente por bens agrícolas e minerais.

O Banco Mundial aponta três medidas que poderiam ser implementadas para reduzir o peso econômico sobre a região da Amazônia Legal que ajudariam a preservar a atual cobertura da floresta:

  • O crescimento da produtividade em outras partes do país aumentaria a demanda por bens produzidos na Amazônia Legal, beneficiando especialmente estados, como o Amazonas, que estão integrados aos mercados internos.
  • Além disso, atrairia trabalhadores para fora da Amazônia Legal, reduzindo a oferta de mão de obra local e, assim, elevando os salários locais.
  • Por fim, reduziria o desmatamento, atenuando a competitividade externa das commodities da região, reduzindo as pressões sobre as terras rurais e, portanto, sobre as florestas naturais da Amazônia Legal.

O relatório indica ainda, entre outros pontos, a necessidade de melhorar a infraestrutura logística da região sem comprometer a floresta, estimulando principalmente o transporte nos rios da região – atualmente baixo e altamente concentrado, elevando os valores pagos.

“Reduzir os custos de transporte em 12,5% (digamos, reformando o sistema de cabotagem) aumentaria o PIB estadual [do Amazonas] em cerca de 38%, mais que o valor anual dos atuais incentivos fiscais para a Zona Franca de Manaus”, registra.

Por fim, o relatório aponta que reformas na concessão de crédito rural e de impostos territoriais e a aceleração da regularização fundiária ajudariam a preservar a floresta amazônica em paralelo ao aumento dos ganhos econômicos.

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