Renda disponível das famílias brasileiras, que representa sobras após gastos com itens essenciais, caiu 3,6% em dez anos| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo
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A renda disponível das famílias brasileiras — ou seja, o dinheiro que sobra depois de pagar itens essenciais, como comida, luz, água, gás e transporte — vem caindo nos últimos anos. É o que aponta uma pesquisa recente da Tendências Consultoria, que mostra uma queda de 3,6% nessa renda de dez anos para cá.

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O estudo, liderado pela economista Isabela Tavares, revela uma realidade sentida por milhões de brasileiros, agora em dados. Em dezembro de 2024, a renda disponível representava 41,87% do orçamento familiar, uma queda em relação aos 42,45% registrados no mesmo período de 2023. Há uma década, esse percentual era de 45,5%, indicando uma perda significativa no poder de compra das famílias.

A diferença pode parecer pequena à primeira vista, mas representa um movimento persistente e cumulativo de estrangulamento orçamentário. Uma influência que afeta todas as classes, mas pesa de forma mais cruel sobre as camadas mais baixas. Para os domicílios das classes D e E, com renda mensal de até R$ 3,4 mil, a margem de manobra é mínima: apenas R$ 20,60 de cada R$ 100 ficam disponíveis para qualquer gasto que não seja obrigatório.

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A inflação seletiva que não consta no IPCA

O motivo para essa perda tem sido o aumento expressivo da inflação em produtos básicos, e que vem superando a inflação geral, impactando especialmente as famílias de baixa renda.

A inflação oficial (IPCA) fechou 2024 em 4,8%, acima do teto da meta (4,5%). Mas essa métrica esconde uma particularidade importante: os itens essenciais subiram, em média, 5,8% — bem acima do índice geral. Isso significa que quem ganha menos gasta proporcionalmente mais com aquilo que ficou mais caro.

Curiosamente, o país começou a registrar uma expansão da chamada classe C — domicílios com renda mensal entre R$ 3,4 mil e R$ 8 mil. Em 2024, mais da metade das famílias brasileiras voltou a ocupar essa faixa, um retorno ao patamar de 2015. A massa de renda também cresceu: 7% no geral, com a classe C puxando a alta (9,5%). Em janeiro deste ano, a Tendências previa um aumento 6,4% na renda deste grupo, contra 3,8% para o restante da população.

Mas isso não é suficiente para aliviar a pressão dos preços. Com menos dinheiro disponível após as contas, os impactos se espalham pela economia: cai o consumo de bens consolidados, desacelera o crédito, e o sentimento de segurança financeira também recua.

O que sobra em muitos lares é um malabarismo diário para manter as contas equilibradas, já que nem as manobras do governo têm sido suficientes para melhorar a situação.

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Manobras econômicas insuficientes

A alta dos alimentos, que vem impactando a imagem do Lula 3 de forma significativa, já levou o governo a zerar a alíquota de importação de vários produtos, como carne, café, açúcar e milho. A eficácia disso para baratear de fato a comida, no entanto, ainda é uma dúvida, uma vez que o foco parece estar no lugar errado.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), por exemplo, critica essa alternativa, alegando que "as medidas apresentadas pelo governo federal são pontuais e ineficazes para efeito imediato, especialmente quando se gasta recurso interno ao zerar impostos para produtos importados, sem garantir o reforço ao apoio da produção brasileira". 

Como forma de diminuir a inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central também aumentou na última quarta (19) a taxa básica de juros da economia, a Selic, em 1 ponto percentual, de 13,25% para 14,25% ao ano. Este é o maior patamar desde 2016 e a quinta alta consecutiva.

Juros mais altos tornam o crédito mais caro, tornando a injeção de dinheiro na economia mais cara, consequentemente, desestimulando o consumo e baixando a inflação. No entanto, sozinha essa medida não tem o poder de resolver o problema, já que os gastos públicos também influenciam a economia, dificultando o controle apenas com a taxa de juros.

E com o aumento de gastos do governo, ao que tudo indica, a macroeconomia não deve responder a contento, formando um cenário que tende a manter a dinâmica de manobra do orçamento familiar e perda do poder de compra.

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Segundo o levantamento da Tendências, até agora, em 2025, os dados de gastos com itens essenciais mostram leve melhora em relação aos meses anteriores, mas seguem em queda na comparação com 2024, o que não dá sinais de resultados positivos no curto prazo.