ENTREVISTA - Ronald Hillbrecht, professor de Economia da UFRGS
Há um debate intenso sobre se a política de austeridade fiscal é o melhor caminho para solucionar a crise de endividamento dos países europeus. Qual sua opinião?
Alguns países, como a Grécia, estavam vivendo muito além dos seus recursos, ostentando uma riqueza que não tinham. Então é preciso fazer ajustes. Mas a questão é ainda mais complicada porque essa crise europeia ocorre numa situação em que você está saindo de uma outra crise, que é a crise do sistema financeiro americano. O problema é que, numa crise de endividamento, não há outra terapia a não ser austeridade fiscal.
Só a austeridade funciona?
Também não garante uma boa saída para esses países. Há um trabalho do Alesina [Alberto Alesina, professor de Economia de Harvard], um trabalho estatístico, que mostra que se você tiver que fazer austeridade, é melhor fazer cortando gastos do que aumentando receitas. Mas a situação na Europa é mesmo delicada. Países como a Grécia não têm muita disposição nesse sentido, porque é politicamente mais difícil cortar gastos.
No passado, havia uma grande diferença para quem adotava plano de austeridade, porque o país também podia desvalorizar sua moeda. Esse não é o caso para a zona do euro. Em que medida isso prejudica ainda mais esses países?
É um complicador adicional. Mas o problema é que a União Europeia foi constituída de trás para frente. Em termos de economia, vale a pena abdicar de gerir a sua própria política monetária de ter a sua própria moeda quando você é membro de uma região muito integrada comercialmente e com bom fluxo de capital e de mão de obra. Mas qual foi a ideia dos europeus? Você faz primeiro a unificação por isso de trás pra frente para forçar os países a adotarem aquelas metas de convergência que provêm do Tratado de Maastrich [de 1992, que decidiu integrar as unificações econômica e política]. Alguns países não conseguiram fazer a lição de casa. Eles abdicaram de política monetária, mas não fizeram os ajustes necessários para participar da União.
A Itália possui uma relação dívida/PIB superior à da Grécia, mas não teve problemas em captar dinheiro no mercado como os gregos. Qual é a explicação?
Essas coisas dependem de confiança. E isso depende das expectativas que você gera para o futuro. O temor dos investidores e das pessoas que compraram os títulos da dívida pública da Grécia é que o déficit público do país está fora do controle e a dívida estaria numa trajetória explosiva. Quando você tem um endividamento alto, mas estável, não gera esse tipo de temor. Os EUA, por exemplo, talvez é o país mais endividado do mundo, mas não existe um temor de que os americanos não vão honrar seus compromissos.
Num momento em que os países europeus se confrontam com uma grave crise de endividamento, um artigo publicado na última semana no jornal The New York Times revigorou o debate sobre qual é o melhor remédio a ser usado pelos membros da zona do euro. Intitulado "Na Irlanda, um retrato do custo da austeridade", o texto mostra a grave situação em que se encontram os irlandeses mesmo após a adoção de três pacotes de austeridade fiscal no último ano.
"Ao invés de ser recompensada por suas ações, no entanto, a Irlanda está sendo penalizada. Sua queda foi certamente mais acentuada do que se o governo tivesse gastado mais para manter as pessoas trabalhando", diz o texto. A afirmação é controversa, e serviu de arma para a infindável guerra de opiniões entre keynesianos e liberais.
A turma de Paul Krugman, expoente do primeiro time, tomou o exemplo irlandês como prova de que não é hora de abandonar os estímulos e cortar gastos. Disse ele: "Supunha-se que essa cruel austeridade traria compensações; a tese aceita de que isso ocorrerá é tão forte que, com frequência, lemos notícias dizendo que isso de fato tem ocorrido, que a determinação da Irlanda vem impressionando e tranquilizando os mercados financeiros. Mas na verdade isso não tem se verificado: a eficaz e sofredora Irlanda não está ganhando nada".
Se matérias jornalísticas são bons argumentos nesta batalha, o outro lado ganhou munição no dia seguinte, quando artigo no Financial Times mostrou que a situação irlandesa está, sim, melhorando. Depois de dois anos, o país cresceu 2,7% no primeiro trimestre deste ano.
A blogueira de economia da revista The Altantic, Megan McArdle, pondera: "A tentação na direita será de automaticamente inferir causalidade a Irlanda cortou gastos e agora está crescendo! Isso é muito prematuro; a economia contraiu 15% e, como os investidores gostam de dizer, mesmo um gato morto vai quicar se cair de uma altura muito alta. Mas um saudável ritmo de crescimento parece, no mínimo, colocar em questionamento a noção de que não realizar um estímulo maciço vai condenar sua economia a uma trágica combinação de estagnação e decadência."
Motivos
A extensão da crise grega, que chegou a colocar a própria ideia da União Europeia em xeque, provocou uma forte reação dos países do grupo. Um pacote de quase US$ 1 trilhão foi anunciado para ajudar a Grécia e outros países em dívida. A promessa de dinheiro foi acompanhada de planos de austeridade fiscal, que combinam corte de gastos e aumento de impostos. No último fim de semana, no Canadá, a cúpula do G-20 também chegou a um acordo para reduzir pela metade os déficits dos países ricos até 2013 é irônico que, há um ano, os mesmos líderes tenham decidido aumentar os estímulos governamentais para impulsionar a demanda.
Num continente que sempre se vangloriou de sua rede de proteção social, a adoção de cortes no sistema público tem um custo político gigantesco. Desde o início do ano, a Grécia já viveu 16 greves gerais. Espanha, Irlanda, Itália e Portugal também foram palco de grandes protestos. Por enquanto, nenhuma grande reforma foi anunciada. Essa é precisamente a preocupação de alguns economistas. O aumento das pensões e das despesas médicas representam mais de 80% do aumento do gasto público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) nos países do G-7, segundo o FMI.
"Qualquer estratégia de consolidação orçamentária deve envolver reformas nessas duas áreas. Isso inclui a Europa, onde as projeções oficiais subestimam largamente as despesas com cuidados de saúde. Dada a magnitude do aumento de gastos, a ação precoce nessas áreas será muito mais propícia ao aumento de credibilidade do que concentrar os cortes de gastos no curto prazo. E também não irá afetar a recuperação econômica. Com efeito, algumas medidas nessa área, enquanto politicamente difícil, poderiam ter efeitos positivos sobre a demanda e a oferta (por exemplo, comprometer-se a um aumento da idade para a aposentadoria)." É o que dizem os economistas Carlo Cottarelli, diretor de assuntos fiscais do FMI, e Olivier Blanchard, diretor do departamento de pesquisa da mesma instituição, em texto em que oferecem os "dez mandamentos" para o ajuste fiscal em países ricos.
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast