O embaixador brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães, que renunciou quinta-feira (28) ao cargo de alto representante do Mercosul, propõe em seu último relatório a expansão gradual do bloco para incorporar, além da Venezuela admitida neste sábado (30), Equador, Bolívia, Guiana e Suriname.
Segundo ele, a "emergência de um mundo multipolar" torna prioritária a construção de um bloco econômico na América do Sul. Este, porém, não pode ter como base a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), uma vez que Chile, Colômbia e Peru adotaram estratégias liberais de inserção na economia internacional que dificultam "a construção de políticas regionais de promoção do desenvolvimento".
Esses três países sul-americanos e o México acabam de criar a Aliança do Pacífico, voltada para a integração com cadeias produtivas asiáticas e que pretende se transformar numa área de livre circulação de bens, serviços e capitais.
O relatório de Guimarães, de 15 páginas, foi entregue anteontem aos presidentes reunidos em Mendoza, na Argentina, junto com sua carta de demissão. Na carta, de apenas quatro frases, o ex-secretário-geral do Itamaraty e ex-ministro de Assuntos Estratégicos aponta a falta de apoio político dos governos ao alto representante. O cargo foi criado no final do governo Lula, por sugestão brasileira, para tentar melhorar a coordenação entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Desindustrialização
O centro do relatório é uma advertência sobre os efeitos da desindustrialização no desenvolvimento do Mercosul. Guimarães diz que a concorrência da China e o "tsunami" de capitais dos países ricos desestimulam os investimentos na indústria, estratégica para criar empregos para a população atualmente ocupada em atividades de baixa produtividade e dependente de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Para conter essa tendência, Guimarães propõe, entre outras medidas, a criação de fundos com as receitas extraordinárias das vendas de produtos primários -valorizados em decorrência da demanda chinesa-, para financiar projetos de industrialização e de redução das assimetrias entre os países-membros, que provocam tensão política.
"Estou convencido de que, se não forem tomadas essas medidas, e se não houver um engajamento firme dos presidentes, o Mercosul poderá sobreviver, mas sobreviverá sempre claudicante e não se transformará num bloco de países capaz de defender e promover com êxito seus interesses neste novo mundo que surgirá das transformações e das crises que vivemos", adverte o embaixador.
Além do aumento de recursos do Focem (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), Guimarães defende a criação de fundos setoriais que corresponderiam às áreas ministeriais e seriam administrados pela Secretaria do Mercosul. Cada um teria a dotação mínima anual de US$ 1 milhão (segundo ele, 0,0000016% da arrecadação tributária do bloco) e serviria para atividades como harmonização de legislações, programas comuns e troca de experiências.
A contribuição para os fundos seria proporcional ao peso econômico de cada país, e sua distribuição beneficiaria os países menores. "A causa dos desequilíbrios [comerciais], que levam a tensões políticas, pode ser sanada caso se reduzam as assimetrias e deficiências de infraestrutura entre as regiões e os Estados, o que equalizaria, ou tornaria menos desiguais, as condições de atração dos investimentos", escreve ele.
Mudanças institucionais
O alto representante demissionário também propõe que os presidentes do Mercosul passem a se reunir a cada três meses, em vez de seis, como ocorre hoje. Diz que esses encontros têm que ser fechados, e não públicos. "As reuniões públicas, com amplas delegações e televisionadas, impedem o clima de debate franco que é extremamente necessário", diz.
O embaixador propõe uma mudança no Protocolo de Ouro Preto, que estabelece as bases institucionais do Mercosul, para que as despesas da Secretaria do bloco, hoje divididas igualmente entre os membros, sejam bancadas em sua maior parte pelo Brasil. O critério levaria em conta a capacidade de cada país, como ocorre hoje com o orçamento da ONU.
Para ele, é o fato de não levar em conta as diferenças entre os países que leva o Mercosul a esquemas "provisórios", como as exceções à TEC (Tarifa Externa Comum) e o acordo automotivo (que prevê cotas de importação e exportação para cada país).
Entre as sete condições elencadas por Guimarães para a transformação do Mercosul "num esquema de desenvolvimento regional equilibrado e harmonioso" estão uma legislação comum em áreas como trabalho, previdência, impostos e crédito e o acesso das empresas de todos os países-membros aos organismos nacionais de financiamento de qualquer um deles (no caso do Brasil, o BNDES).
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