Todo funcionário da matriz da Ben & Jerry’s em Burlington, Vermont, tem direito a um litro e meio de sorvete por dia de trabalho. No American Enterprise Institute, um centro de pesquisa para políticas conservadoras em Washington, os funcionários recebem diariamente um elaborado bufê de pratos sofisticados, como costela assada, bolinhos de siri e rosquinhas caseiras.
Na empresa de arquitetura Perkins Eastman, com escritórios em três continentes, os empregados podem aproveitar, de graça, todo tipo de salgadinho – desde que sejam alaranjados, a cor do logotipo da empresa. Em Nova York, isso significa um monte de Cheetos, Fandangos e Doritos sabor queijo.
Nos EUA, a boca-livre tem sido um fato notável no ambiente de trabalho desde os anos 90, quando a Bloomberg e outras empresas emergentes de tecnologia, como a Google, começaram a oferecer lanches na esperança de deixar os funcionários mais felizes ou mais saudáveis, mais produtivos e menos propícios a perder o foco no serviço.
Hoje em dia, entretanto, a prática é quase obrigatória. As empresas têm feito de tudo para fornecer alimentação de graça ou com um belo desconto. As ofertas cresceram em tamanho, alcance e especificidade – algumas adaptadas à proposta da empresa; outras, um reflexo involuntário dela. Há ainda alguns casos curiosos aparentemente sem nexo.
Em alguns locais de trabalho, esses brindes comestíveis ganham até um caráter competitivo. A Zappos, varejista on-line de calçados, realiza competições periódicas de comilança na praça da loja principal em Las Vegas. Mais de trezentos funcionários comparecem para torcer.
Desconto para comida saudável
A Fidelity, empresa de serviços financeiros, também oferece comida como incentivo. Os produtos não são gratuitos, mas podem vir com descontos polpudos, quanto mais saudáveis forem. Um burrito de frango assado, por exemplo, pode sair por metade do preço da versão empanada e frita.
Segundo um porta-voz da empresa, a estratégia tem dado certo: quase dois terços dos alimentos adquiridos a cada mês são do tipo que a empresa considera saudável, representando um aumento de 140% desde que o programa foi introduzido em 2012.
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Muitas empresas alimentícias oferecem aos funcionários apenas seus próprios produtos. Rachel Drori, 36 anos, fundadora da Daily Harvest, empresa de entrega de alimentos por assinatura, disse que encher os refrigeradores do escritório com vitaminas e sopas Daily Harvest é uma boa maneira de avaliar a aceitação de novos lançamentos.
“Acabamos de lançar um pad thai com macarrão de algas e, ontem, nem deu pra todo mundo”, disse ela. “Foi um caos.”
Sem tempero nem requinte
A Airbnb tem o que chama de “estação simples” nos escritórios de San Francisco, com carnes sem tempero, grãos, verduras e legumes. A empresa não explicou por que a comida é tão simples, mas um porta-voz do LinkedIn, que tem uma estação semelhante em São Francisco e em Sunnyvale, Califórnia, disse que ela agrada àqueles que têm restrições alimentares.
A LinkedIn, que não cobra pelas refeições nem nas cantinas da empresa, também oferece várias opções de carne halal para funcionários muçulmanos do campus de Sunnyvale. Para comemorar o Eid al-Adha no verão passado, uma cantina serviu um almoço árabe completo.
“É uma das razões pelas quais estou no LinkedIn há quatro anos”, diz Omar al Ghwairi, 34 anos, gerente sênior de serviços técnicos.
A costela assada e as rosquinhas do American Enterprise Institute podem parecer óbvias para um grupo de pesquisa que exalta as recompensas do mercado livre, mas também há opções menos elaboradas, como frios e ovos. “Eu não diria refeições elaboradas”, diz uma porta-voz da empresa. “É comida do dia a dia.”
Rosemary Newsome, 22 anos, estagiária de desenvolvimento, está encantada com o banquete. “Brinco que, depois de conhecer essa maravilha, não aceito menos.”
Segunda-feira sem carn
Algumas políticas alimentares corporativas já causaram controvérsia. Em julho, houve um alvoroço na mídia depois que a empresa de espaço de trabalho compartilhado WeWork anunciou que deixaria de servir carne em seus escritórios e eventos e não permitiria que os funcionários gastassem com alimentos que incluíssem carne vermelha, frango ou porco.
Na Google, uma política semelhante provou-se insustentável: a empresa bem que tentou introduzir a segunda-feira sem carne em suas cantinas em 2010, mas os funcionários se rebelaram atirando talheres e fazendo churrascos em protesto.
A Amazon, que se orgulha de sua cultura de austeridade, não oferece comida de graça na sede em Seattle. No entanto, uma porta-voz revelou que a intenção da empresa é incentivar os funcionários a frequentar restaurantes e lanchonetes locais. A empresa afirma que adotará a mesma política no novo campus que pretende construir na cidade de Nova York.
Chef corporativo
Nas empresas que oferecem alimentos gratuitamente, os responsáveis pelo preparo enfrentam inúmeros desafios. Tilak Gurung, 49 anos, que foi chef na sede da Dropbox em São Francisco de 2010 a 2017, revelou que não podia fazer o mesmo cardápio mais de uma vez.
Ele também lamenta ter participado da cultura corporativa. “Você tem de escrever avaliações de seus pontos fracos, e o gerente também avalia seu trabalho”, diz ele. “Mas sou cozinheiro! Meu trabalho é cozinhar!” Ele acabou deixando a empresa para abrir um restaurante na cidade, o Tilak.
Cozinhas corporativas também têm de lidar com uma “explosão” de restrições alimentares e consumidores altamente críticos, informa Amelia Ekus, 29 anos, gerente de Nova York e Nova Jersey da Guckenheimer, que fornece alimentos para empresas, e ex-gerente geral da cantina do Twitter, em Nova York.
“Nos restaurantes, a pessoa vota com seu dinheiro”, diz. Mas quando a única opção é a comida servida pela cantina da empresa, “se as pessoas não gostarem do que você faz, vão lhe dizer diariamente como acham que você pode melhorar”.
Ekus acrescenta que entende por que as empresas vêm apostando tanto em comida: comparado com outros benefícios, é um investimento pequeno, “e o retorno é enorme”, afirma. “A rotatividade diminui porque os empregados estão satisfeitos. É assim que você se mantém competitivo em determinados setores.”
O designer Brunello Cucinelli não entende a celeuma. Desde a fundação de sua marca em 1978, na Itália, ele serve refeições aos funcionários por uma taxa simbólica (atualmente 3,20 euros).
Na sede da empresa, localizada na antiga vila alpina de Solomeo, os cerca de 1.000 funcionários desfrutam de um almoço de vários pratos que pode incluir macarrão com tomate e manjericão, além de pão com queijo mozzarella. Eles fazem as refeições em longas mesas num pátio de teto alto com uma excelente vista da cidade.
Depois de relaxar num almoço assim, “você direciona melhor seus pensamentos e sua vida”, diz Cucinelli. “As pessoas ficam mais produtivas.”
Recentemente, ele visitou a cantina da sede da Apple, em Cupertino, Califórnia. “Foi uma boa experiência”, afirmou, aprovando desde o design das mesas de madeira até o frescor do sushi. Mas havia uma grande diferença em relação a seus almoços na Itália: a maioria dos funcionários estava grudada nos celulares.