Não olhe agora, mas o crime perfeito pode estar no seu bolso. Dados do Banco Central mostram um crescimento no número de falsificações de notas de pequenos valores, como R$ 10 e R$ 20.
No ano passado foram retiradas de circulação 71.660 cédulas de R$ 20, o maior número dos últimos cinco anos. No primeiro semestre de 2019 já foram tiradas de circulação 29.448 cédulas desse valor. Os números se referem somente à segunda família de cédulas de papel, que passou a circular a partir de 2010 e conta com itens de segurança mais avançados que suas antecessoras. Em 2010 entraram em circulação as notas de R$ 50 e R 100; as de R$ 10 e R$ 20 só chegaram ao mercado em 2012; as de R$ 2 e R$ 5, em 2013.
Ao todo, de janeiro a junho deste ano, foram tiradas de circulação 200.800 cédulas falsas. No ano passado, foram 549.111. O número tem-se mantido relativamente estável: de 2012 para cá, manteve-se na faixa dos 520 mil a 550 mil. Foram apenas duas exceções – em 2015 foram 477.097 e em 2016, 504.869. Esses foram também anos de recessão na economia brasileira.
A maior parte dessas apreensões refere-se a notas de R$ 100 (84.305), o que se justifica pelo valor – é a que dá, teoricamente, mais lucro aos falsários. Mas as notas de valores mais baixos são uma alternativa surpreendente. “Todo mundo que pega uma nota R$ 100 dá uma boa olhada para ver se é verdadeira. Mas a maioria das pessoas guarda a nota de R$ 5 ou R$ 10 sem se preocupar”, comenta o economista José Guilherme Vieira, professor da Universidade Federal do Paraná.
“Por isso, a nota de menor valor traz menos chance de ser flagrado. É uma consequência da teoria do risco: a perda de alguém com uma nota de R$ 100 falsa é maior, por isso as pessoas tomam precauções maiores.” Em 2019, o Paraná foi líder no número de apreensões de cédulas falsas de R$ 10. Foram 3.091 notas da segunda família.
A velocidade de circulação das notas de pequeno valor fazem com que elas troquem de mão mais vezes, o que também facilita as coisas para os malfeitores. “Para ter sucesso, os falsários precisam passar as falsificações adiante e escolhem sempre como vítima quem não se preocupa em conferir se a nota é verdadeira. Ao mostrar que está atento, fazendo sempre a verificação do seu dinheiro, você se protege de fraudes, agrega qualidade ao seu serviço e ainda inibe a atuação criminosa dos falsários”, diz uma cartilha do Banco Central contra falsificações.
O próprio BC, encarregado da fiscalização do mercado e distribuidor do dinheiro genuíno, foi procurado pela reportagem, mas limitou-se a indicar o material que produz sobre o tema: uma lista de perguntas e respostas e um material como identificar notas suspeitas.
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O economista Vieira observa que o mercado de moeda é complexo. “Não é só um cara que imprime dinheiro para pagar suas contas, ele conta com alguma sofisticação.” Em primeiro lugar, o falsário dificilmente coloca sua produção diretamente no mercado. Ele vende as notas com desconto a parceiros, atravessadores. São esses que passam as cédulas adiante, quase sempre em estabelecimentos noturnos, onde é mais difícil fazer uma verificação de qualidade, ou no comércio informal. Muitas vezes o dinheiro falso é misturado a notas verdadeiras para “diluir” valores pagos em transações ilegais, como compra e venda de drogas ou armas.
Vieira conta que, há alguns anos, chegou a receber uma proposta de receptação de dinheiro falso. “Foi uma oferta pela internet, em um site de venda direta. O sujeito estava vendendo um lote de notas de R$ 100 por R$ 20 cada”, conta. “Em nenhum lugar dizia que era dinheiro falso, mas as imagens que ele apresentava não tinham nenhuma tarja dizendo que seria um ‘modelo’ e alardeava que eram idênticas às originais.”
Para ele, a relativa estabilidade no número de apreensões mostra que o processo de recolhimento das notas (feito, muitas vezes, pelo próprio sistema financeiro) está sendo eficiente. Mas, ao mesmo tempo, revela que está havendo dificuldade em coibir o crime, porque os patamares continuam os mesmos. “O governo investe muito na tecnologia para melhorar a qualidade das cédulas e dificultar a falsificação, mas a tecnologia funciona nos dois sentidos: também torna mais baratas as formas de imprimir”, diz Vieira.