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Falta de continuidade e de coordenação no governo limitam impactos das reformas
Adesão do Brasil à OCDE é uma das iniciativas de inserção internacional do Brasil que tiveram pouco avanço no governo Lula.| Foto: André Borges/EFE

Mudanças e reformas micro e macroeconômicas vêm sendo implementadas na economia brasileira desde os anos 1990. Seus impactos sobre a produtividade do país, entretanto, foram mais modestos do que poderiam.

A culpa é da falta de continuidade e das dificuldades do governo em implementar uma coordenação eficiente entre os diferentes órgãos, segundo Fernando Veloso, pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e coordenador do Observatório de Produtividade Regis Bonelli, ligado à mesma instituição.

Segundo estudo do observatório, a produtividade do país cresceu apenas 0,9% ao ano, em média, entre 1995 e 2021. Dos três grandes setores, só a agropecuária registrou crescimento significativo de produtividade, com avanço médio de 5,6% ao ano. No setor de serviços, o avanço foi de 0,4% ao ano. E, na indústria, a produtividade até regrediu, a uma taxa média de 0,2% ao ano.

Ainda segundo o observatório, de 12 subsetores da economia, sete tiveram queda de produtividade entre 1996 e 2000, e cinco conseguiram elevá-la. Os piores desempenhos foram dos serviços de informação, transportes e construção. Os melhores, de agricultura, mineração e serviços industriais de utilidade pública (água, gás, energia e outros).

Dados do Banco Mundial mostram que o Brasil não acompanhou a tendência mundial, com os países de renda média registrando crescimento quase quatro vezes maior na produtividade do trabalho entre 1995 e 2019.

Além disso, o crescimento do PIB brasileiro ficou abaixo da média global, com o país na 124.ª posição entre 179 países, segundo o Fundo Monetário Internacional. A economia mundial cresceu 3,6% ao ano, enquanto o Brasil expandiu apenas 2,3% ao ano entre 2000 e 2023.

Algumas das reformas implantadas nas últimas décadas foram a parcial abertura ao exterior, alterações nas regras do mercado de crédito, profundas mudanças na legislação trabalhista e a autonomia do Banco Central.

O ambiente de negócios provavelmente seria ainda pior se elas não tivessem sido implantadas. Um ranking elaborado pelo TMF Group, grupo internacional que atua no segmento de conformidade regulatória, mostra que, neste ano, o Brasil é o sétimo país mais complexo para se fazer negócios. Em 2022, o Brasil era o mais complexo. Mas a melhoria no ranking deveu-se mais à piora das condições em outros países do que à melhoria na situação interna.

Um aspecto sempre ressaltado por economistas liberais é o forte ataque que membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), incluindo ele próprio, fazem a algumas das mais importantes reformas das últimas décadas – como a da Previdência, a trabalhista, a autonomia do Banco Central e mesmo as privatizações.

Desde antes da eleição, são frequentes as ameaças de revogação das legislações aprovadas em governos anteriores. Em alguns casos, como no novo Marco Legal do Saneamento, o que o governo Lula fez foi descaracterizar, em decretos de regulamentação, avanços importantes da legislação.

Os entraves que se sobrepõem às reformas

Um estudo realizado por Veloso para o Banco Mundial aponta alguns entraves que contribuem para um frágil ambiente de negócios no país:

  • O cenário desencoraja a competição e induz à má alocação dos recursos;
  • Distorções competitivas – como subsídios ao crédito, isenções fiscais e políticas de conteúdo local – foram introduzidas para beneficiar setores e empresas específicas;
  • O modelo de desenvolvimento baseado na intervenção estatal e substituição de importações, que prevaleceu entre os anos 1930 e 1980, ainda está presente em larga escala, favorecendo as empresas que já estão no mercado e dificultando a entrada de novas;
  • A ausência de competição interna e a falta de competitividade externa reduzem a eficiência e minam o crescimento da produtividade no Brasil; e
  • O rápido envelhecimento da população brasileira deve se refletir no declínio da produtividade do trabalho.

Abertura ao exterior avançou nos anos 1990 e parou na sequência

Um dos avanços na década de 1990 foi a abertura comercial. Houve uma forte redução de tarifas comerciais à época, o que resultou em um posterior ganho de produtividade por parte da indústria, que cresceu ao ritmo de 0,5% ao ano entre 2003 e 2010.

A liberalização, entretanto, não teve continuidade. Veloso aponta que barreiras não tarifárias passaram a ganhar força nos anos seguintes. O número de acordos comerciais firmados com outros países ou blocos é pequeno. Estão em vigor com Angola, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Estados Unidos (apenas em regras comerciais e de transparência), Guiana, Índia, Israel, México, Panamá, Paraguai, Peru, São Cristóvão e Névis, Suriname, União Aduaneira da África Austral, Uruguai e Venezuela.

Outros estão com a negociação concluída ou em processo de internalização. É o caso de extensões de acordos com Colômbia, Equador, Guiana, Índia, Peru e Suriname e novos com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Malaui, Marrocos, Moçambique, Palestina, São Tomé e Príncipe e União Europeia (UE).

O acordo UE-Mercosul, o mais importante de todos, enfrenta mais exigências ambientais por parte dos europeus e não há previsão para que entre em vigor. Antes, precisa passar pelos parlamentos dos países que participam dos dois blocos.

As negociações de outro acordo que poderia contribuir para facilitar a inserção brasileira no exterior, o de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pouco avançaram no governo Lula.

Há também negociações em andamento com outros países: Canadá, Coreia do Sul, Indonésia, Líbano e Vietnã.

Uma medida que dificultou a maior exposição do Brasil ao exterior foi a adoção de políticas de maior conteúdo local, principalmente nos governos do PT. Essa estratégia, especialmente nos segmentos de óleo e gás, contribuiu para encarecer os custos da Petrobras.

“Ao invés de comprar navios e sondas de países como a Coreia do Sul, optou-se por produzi-los no Brasil”, destaca Veloso. A ideia era incentivar a indústria naval brasileira, um segmento em que o país tem pouca tradição. O resultado foi frustrante. Logo após o início da Operação Lava Jato, em 2014, o setor entrou em forte decadência.

Reformas no mercado de crédito contribuíram para reduzir juros

Um dos exemplos de mudanças que tentaram contribuir para a melhoria no ambiente de negócios foi o de reformas no mercado de crédito. Nos anos 1990, houve a adoção da alienação fiduciária de veículos, que ajudou a fortalecer o segmento, facilitando a retomada do bem em caso de não pagamento do financiamento.

“Antes da adoção, a retomada era mais complicada e exigia uma autorização judicial. Muitas vezes esta demorava, e o bem desvalorizava em meio ao processo. Era uma garantia frágil”, diz Veloso.

Segundo ele, o principal impacto foi a redução no custo de financiamento dos carros. De acordo com o BC, a taxa média mensal de juros para aquisição por pessoas físicas era de 2,57% ao mês em junho de 2000, chegou a bater nos 3,75% em dezembro de 2002 e em março de 2024 estava em 1,91%.

Outras iniciativas contribuíram para expandir o mercado de crédito no país. Entre elas estão a implantação do crédito consignado em folha de pagamento, a adoção da Lei das Falências, a implantação da Taxa de Longo Prazo (TLP) e a adoção do Marco Legal de Garantias, mais recente.

O saldo das carteiras de crédito do Sistema Financeiro Nacional passou de 26,3% do PIB em janeiro de 2000 para 53,2% do PIB em março deste ano.

A implantação do crédito consignado em folha de pagamento para funcionários do setor público e aposentados e pensionistas do INSS criou uma alternativa mais em conta para pegar dinheiro emprestado. “Oferece uma garantia bem sólida aos credores”, destaca Veloso. Isto contribui para que as taxas de juros sejam bem mais baixas do que as de outras modalidades.

A taxa do crédito consignado em folha de pagamento para funcionários públicos e beneficiários do INSS era de 1,7% ao mês em março. Em comparação, a taxa média de crédito pessoal era de 5,8% e a de aquisição de bens, exceto automóveis, 5,3%.

Mas o consignado não funcionou tão bem para os trabalhadores do setor privado. “O salário deles é uma garantia mais frágil porque eles não têm estabilidade”, ressalta o pesquisador.

Quanto à Lei das Falências, que entrou em vigor em 2005, Veloso destaca que o processo de retomada de bens é muito mais ágil do que a legislação anterior. Ela também facilitou o processo das empresas tentarem sair da situação delicada em que se encontram ao substituir a concordata pela recuperação judicial.

Um avanço que é destacado pelo pesquisador foi a adoção, em 2017, da Taxa de Longo Prazo (TLP) nos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esta acompanha o custo do Tesouro em fazer a captação.

“A TLP ajudou a dinamizar o mercado de capitais. Antes dela, havia muitas distorções”, afirma. A medida interrompeu a concessão de financiamentos a taxas subsidiadas, prática comum durante o governo Dilma Rousseff (PT), que adotou a política das “campeãs nacionais”. Setores e empresas eram privilegiados em detrimento de outros.

O Marco Legal das Garantias, uma iniciativa apresentada durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e que foi “abraçada” pelo atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é considerada como um passo na redução das taxas de juro cobradas das famílias e das empresas.

Ela foi aprovada em julho de 2023 pelo Senado e em outubro do mesmo ano, em versão final, pela Câmara. O objetivo é destravar o mercado de crédito. O marco estabelece uma série de novas regras para ampliar a concessão de empréstimos com garantias, além de melhorias na segurança e execução extrajudicial de dívidas.

Reforma trabalhista deve ter impactos abrangentes no mercado de trabalho

A reforma trabalhista, implementada em 2017 durante o governo de Michel Temer, contribuiu para avanços no ambiente de negócios. Seus objetivos incluem dar mais flexibilidade ao mercado de trabalho, reduzir a informalidade e ampliar a capacidade de empreendedorismo.

As alterações na legislação trabalhista introduziram novos regimes, como o intermitente e o temporário, que podem afetar positivamente as condições e relações de trabalho. Essa flexibilidade pode influenciar a criação de empregos, a dinâmica da força de trabalho e a eficiência do mercado.

Juntamente com fatores conjunturais, essas mudanças podem ter contribuído para a queda na taxa de desemprego de 13,9% no primeiro trimestre de 2017 para 7,9% no mesmo período deste ano, segundo o IBGE.

Melhorias nas regulamentações e práticas trabalhistas permitem que os trabalhadores migrem mais facilmente entre empregos e setores, melhorando a eficiência do mercado e contribuindo para ganhos de produtividade. Veloso destaca que as reformas trabalhistas e a melhoria nas habilidades dos trabalhadores reduziram a informalidade nos anos 2000.

O aumento na formalização pode resultar em melhores condições de trabalho, maior produtividade e acesso a benefícios previdenciários. “Reformas trabalhistas que apoiam o empreendedorismo e o desenvolvimento de habilidades podem elevar a competitividade e a produtividade das empresas brasileiras”, ressalta ele em um documento para o Banco Mundial.

Autonomia do Banco Central reduziu pressões para cortar juros

A concessão de autonomia ao Banco Central, estabelecida em 2021, durante o governo Bolsonaro, tem por objetivo eliminar o risco da ingerência política sobre a instituição, em especial sobre as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), aumentando a credibilidade da instituição e contribuindo para a estabilidade econômica.

A medida tornou o BC formalmente independente do governo, com o presidente da instituição tendo mandato fixo de quatro anos, não coincidente com o do presidente da República.

Apesar de a autoridade monetária já operar de forma autônoma, isso não estava formalizado. Existia um acordo informal de não interferência do governo federal, respeitado até o governo Dilma, quando houve pressão política para reduzir as taxas de juros.

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