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A carga tributária brasileira, que tradicionalmente aparece como preocupação número um da indústria nacional, perdeu o posto de dor de cabeça maior do empresariado do setor, indicam sondagens realizadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O segundo trimestre de 2021 foi o quarto período consecutivo em que a falta e o alto preço de insumos e matérias-primas foram apontados como o problema que mais atrapalha a produção no país.
Segundo a CNI, a combinação persistente de atividade aquecida nas fábricas e estoques limitados nos fornecedores faz com que o problema permaneça no foco de atenção do industrial, apesar de o porcentual ter recuado na comparação com o trimestre anterior. A falta de matéria-prima e de insumos foi mencionada como entrave principal à atividade entre abril e junho por 63,8% das indústrias ouvidas. Em seguida, aparece a elevada carga tributária (34,9%) e a taxa de câmbio (23,2%) – no primeiro trimestre do ano os porcentuais eram de 67,2%, 33,4% e 31%, respectivamente.
Na sondagem mais recente chama a atenção também a energia. Na pesquisa, a confederação pede que o empresário indique até três fatores que representam problemas para o dia a dia da sua empresa, e alto custo ou falta de eletricidade ganharam citações na comparação com o primeiro trimestre – 18,2% dos industriais citaram o problema como uma de suas principais preocupações, maior marca desde 2016.
O país vive atualmente a pior escassez de água em mais de 90 anos, com impactos importantes no setor elétrico. Um novo estudo da consultoria PSR concluiu que mesmo um pequeno aumento no ritmo de consumo de energia nos próximos meses poderá aumentar o risco de apagões localizados no país.
Desequilíbrio surgido da pandemia
A origem do problema está em 2020, quando paralisações da indústria por causa da pandemia da Covid-19 em todo o mundo geraram descompasso entre oferta e demanda nas cadeias de fornecimento.
Exemplo da situação é a crise global dos semicondutores, que trava a produção de diversos segmentos, com destaque para as montadoras de automóveis, que chegam a interromper a produção por falta do componente.
De acordo com o gerente de análise econômica do CNI, Marcelo Azevedo, os estoques voltaram a cair e mais uma vez se afastam do nível planejado pelas empresas. Em junho, o indicador de estoque efetivo em relação ao planejado pelas indústrias registrou 48,7 pontos (abaixo da linha de 50 pontos que indica que planejamento e disponibilidade estão alinhados) A distância para o planejado foi maior em junho se comparada aos meses de abril e maio, quando os índices ficaram em 49,6 e 49,2 pontos, respectivamente.
"Nos meses de março e, sobretudo, abril do ano passado os estoques ficaram muito baixos e não se acreditava em uma recuperação muito rápida. Felizmente ela veio mais rápida do que o previsto, mas [trouxe] esse desarranjo nas cadeias entre fornecedores e produtores", resume Azevedo. "Isso continuou se agravando à medida que a recuperação se tornou mais forte – não só no Brasil, mas em outros países em maior ou menor grau", completa.
Não há previsão para normalização e a expectativa é que alguns insumos custem a retornar a um patamar que atenda à demanda, afetando a recuperação da indústria – e não apenas na produção.
"No caso de embalagens, por exemplo, além da questão de estoque tem uma mudança grande nos hábitos de consumidores. Penso que todo mundo tem a experiência de mais consumo em casa, mais pedidos online. Isso envolve bastante mais papelão e plástico e [o desequilíbrio oferta e demanda] tende a ser duradouro mesmo depois da pandemia", observa o representante da CNI.
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Prejuízos em diversos segmentos da indústria
A Tigre, um dos maiores fabricantes de materiais plásticos para construção civil, teve problemas com o encarecimento dos custos das resinas em função do desequilíbrio nas cadeias de produção após os piores momentos da pandemia. Uma das alternativas encontradas foi a de repassar parte da alta ao consumidor. A outra parte foi absorvida pela empresa.
Segundo o diretor executivo de negócios, Luís Filipe Souza Fonseca, as pressões foram sentidas com maior força até a metade do segundo trimestre. “Agora, os preços se estabilizaram”, diz.
Outra empresa impactada pela alta nos custos de matérias-primas e insumos foi a multinacional japonesa Nidec, um dos maiores fabricantes mundiais de compressores para refrigeração e que tem duas unidades no norte de Santa Catarina.
Os maiores impactos foram no ferro, no cobre, no alumínio e nas resinas. Não bastasse, houve a forte desvalorização do real frente ao dólar desde o início de 2020. Uma das alternativas encontradas foi procurar fornecedores alternativos.
“O mundo não estava preparado para uma recuperação em V tão agressiva”, avalia o vice-presidente de estratégia e relações com investidores da empresa, Guilherme Almeida.
Um setor em que o problema é a falta de matérias-primas e insumos é o automotivo. No primeiro semestre, a produção de carros caiu 22%, ou mais de 300 mil unidades, em comparação com o mesmo período de 2019, antes da pandemia. A Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) calcula que a falta de semicondutores impediu a produção de algo entre 100 mil e 120 mil veículos entre janeiro e junho. A situação não melhorou no início do segundo semestre: o dado mais recente aponta para a menor produção em 18 anos para meses de julho.
"Há demanda interna e externa por um volume maior de veículos, mas infelizmente a falta de semicondutores e outros insumos tem impedido a indústria de produzir tudo o que vem sendo demandado, apesar dos esforços logísticos empenhados pelas empresas", disse, em comunicado, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes.
De acordo com o dirigente, os estoques de veículos nas fábricas e concessionárias – que somam 85 mil unidades – são os menores das últimas duas décadas, e não há previsão de normalização no fornecimento de chips até meados do ano que vem.