Comprar um imóvel na planta é, em certa medida, uma operação de risco. O financiamento pode não sair, o valor do imóvel pode subir e outras variáveis podem fazer com que a entrega das chaves atrase. Os consumidores também devem apelar aos céus, literalmente: os eventos climáticos são um dos vilões da construção civil. Apesar de especialistas do setor afirmarem que o planejamento deve levar em conta a temporada de chuvas, algumas empresas usam o clima como justificativa para eventuais atrasos.
Cada região tem sua característica climática própria e o planejamento e a execução da obra devem levar o tempo em consideração. Em Curitiba, por exemplo, choveu em um a cada dois dias no ano passado, de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Segundo o vice-presidente na área de meio ambiente do Sindicato da Construção Civil no Paraná (Sinduscon-PR), Almir de Miranda Perru, há momentos, como na fundação do edifício, que não pode chover: por isso o planejamento. "Uma obra está diretamente ligada com o clima, não há mágica, há planejamento. Caso o tempo não colabore, é preciso planejar um acréscimo de funcionários para compensar as horas paradas", ressalta.
Porém, não é isso o que acontece com todas as empresas. Um funcionário da área da engenharia da MRV, que preferiu não se identificar, diz que é difícil entregar empreendimentos no prazo previsto em contrato com os consumidores por causa do clima na região de Curitiba. Ele afirma ser necessário, no momento da fase de pintura e reboco, cinco dias de tempo seco para a face sul dos imóveis e dois dias para a face norte.
O descompasso entre o prazo previsto e a entrega do imóvel se daria, segundo o funcionário, porque o tempo padrão de construção de um imóvel em Belo Horizonte, sede da empresa, é replicado em todo o país em Curitiba, porém, o tempo é curto demais.
Outro lado
O coordenador de obras da MRV na regional Sul, Cícero Scott Garcia, afirma que o fator climático é levado em consideração na formulação do projeto. "O mau tempo não necessariamente causa atrasos. Cada cidade deve ter um prazo diferente, mas é preciso analisar também o tamanho da obra. O planejamento deve levar em conta todas as variáveis", destaca Garcia.
Questionada se o prazo previsto no contrato dos consumidores de Curitiba não deveria ser adequado às peculiaridades da região, a assessoria de imprensa da empresa informou, por nota, que não vê o clima na cidade como um empecilho ou motivo para atraso de obras.
"Nossos cronogramas de obra são padronizados e preveem as temporadas de chuva, comuns não apenas em Curitiba, como em todas as regiões do país em que atuamos (...). Trabalhamos de forma padronizada. Este, inclusive, é um dos diferenciais competitivos da construtora. Nossos projetos são baseados em estruturas que podem ser replicadas em diferentes tipos de empreendimentos. E é exatamente essa estrutura modular de construção que permite à companhia reduzir o ciclo de incorporação e entregar seus imóveis", completa a nota.
Outras construtoras com atuação nacional concordam com a afirmação da empresa mineira. "Os métodos construtivos e os prazos são os mesmos em todas as cidades. O clima pode interferir no dia a dia, mas não no macroplanejamento. É preciso ter um respiro nos planos, para contornar possíveis atrasos por causa da chuva, por exemplo", pondera o gerente geral de engenharia da Cyrela Paraná, Ademir Voss.
Ademi-PR critica réplica de cronograma
Replicar métodos construtivos pode dar ganho de escala à construtora, mas é preciso que o planejamento dê conta de compensar as adversidades climáticas de cada localidade em que a empresa atua. "De forma nenhuma se pode replicar o planejamento. Cada cidade tem seu clima próprio e é preciso cuidado redobrado na hora de planejar, tendo conhecimento específico do local de atuação, analisando dados de órgãos climáticos", pondera o presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná (Ademi-PR), Gustavo Selig.
Ele lembra ainda que a legislação permite flexibilidade na data de entrega, quando algum evento climático possa causar prejuízo ao andamento da construção. Geralmente, os contratos entre empresa e consumidor preveem um prazo de carência de seis meses. "Mas é preciso que haja uma comprovação, com boletins meteorológicos, de que a chuva atrapalhou a obra. Está cada vez mais difícil prever a atuação do clima sobre a obra, porque ele está mais adverso, mas o planejamento serve para que as etapas da construção que dependam do tempo seco sejam feitas em períodos sem chuva", ressalta Selig.
A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Maria Elisa Novais lembra que a empresa precisa justificar o atraso ao cliente, com pelo menos quatro meses de antecedência. Além disso, ela informa que o tempo de carência precisa estar em contrato para que tenha validade.
"A Justiça tem entendido os problemas climáticos como motivo de força maior. Porém, um atraso, independente do motivo, é uma falha na prestação de serviço. Por isso, o consumidor tem o direito de cobrar uma multa pela demora na entrega, bem como ser ressarcido pelo atraso, tendo pagas, por exemplo, despesas como aluguel pago depois do prazo previsto", salienta a advogada.
Financiamentos
A Caixa Econômica Federal, maior financiadora de construção de imóveis no país, está dialogando com as construtoras para evitar que haja atrasos que lesem o consumidor. De acordo com o superintendente regional da Caixa Econômica Federal, Hermínio Basso, o fator clima hoje é mais preocupante que a falta de mão de obra no mercado.
"Estamos conversando com as empresas para que elas surpreendam os clientes. Queremos aumentar os prazos de construção, dentro de uma visão realista, e não pelo olhar otimista das empresas. É melhor colocar no contrato um prazo maior e entregar antes do que fazer a obra com atraso. O clima tem colaborado para esses problemas", ressalta Basso.
No ano passado, a Caixa financiou 75,8 mil imóveis em todo o Paraná, sendo que 27,3 mil apenas em Curitiba. O banco afirma que há mecanismos para evitar que as construtoras atrasem a entrega desses imóveis. "Hoje o sistema já bloqueia empresas e CPFs dos sócios delas quando há atrasos recorrentes. Isso para evitar que o consumidor seja lesado", explica o superintendente.