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Uma década perdida, que teve como um dos principais marcos a grande recessão de 2014-16. É assim que muitos economistas qualificam o período entre 2011 e 2020, quando o Brasil cresceu em rimo equivalente a um décimo da velocidade da economia global: uma média de 0,27% ao ano, enquanto o mundo avançava 2,83% ao ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Para o diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luiz Guilherme Schymura, essa recessão foi o ponto final “de um período de cerca de uma década de desempenho econômico mais razoável, que chegou a alimentar a ilusão de que o país poderia manter um ritmo satisfatório de crescimento do PIB, em torno de 4% ao ano”.
Em artigo publicado no blog do instituto, ele reconhece que grande parte da sofrível trajetória da economia brasileira tem como causa o que chama de "bad policy" ou seja, má política econômica – mais especificamente, os erros da Nova Matriz Econômica, "receita" adotada durante o governo de Dilma Rousseff.
Mas o economista também vê alguma influência de "bad luck", ou seja, má sorte. Ele diz que outros problemas – alheios à atuação da administração federal – impulsionaram o fraco desempenho, como a perda de ritmo de crescimento da China, a falta de chuva no Brasil e a mudança da política de preços da Opep (o cartel dos exportadores de petróleo), em 2014.
Segundo Fernando de Holanda Barbosa, secretário de Política Econômica no governo Itamar Franco e autor do livro O flagelo da economia de privilégios: Brasil 1947-2020 – Crescimento, crise fiscal e estagnação, a mudança na orientação de política econômica levou o Brasil a se perder e criar a crise de 2014. De lá para cá estamos nesta crise. "Não saímos do lugar e o resultado é de estagnação relativa."
A avaliação é compartilhada pelos professores Jackson Bittencourt, Rodolfo Prates e Lucas Dezordi, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Eles também consideram que a mudança na condução na política econômica interrompeu um ciclo de crescimento mais virtuoso que o país estava experimentando. E lembram que o ajuste de tais erros teve um grande custo: inflação, juros elevados, desemprego e aumento da pobreza.
Em entrevista à Gazeta do Povo, eles afirmaram que o tripé macroeconômico deveria ter sido mantido no governo Dilma, bem como a transparência e a independência do Banco Central.
O peso dos fatores externos
O diretor do Ibre/FGV aponta que fatores internacionais pesaram no fraco desempenho da economia brasileira. Ele destaca que apesar de o mundo ter escapado de uma nova Grande Depressão após a crise financeira global de 2008-09, a década seguinte foi frustrante para as economias mais dependentes da China e que são exportadoras de commodities.
Em 2019, o PIB chinês foi 10% menor que o projetado pelo FMI em meados de 2012 para os anos seguintes. Este percentual de frustração foi de 14% para um grupo de emergentes exportadores líquidos de commodities como Chile, Colômbia, Peru, México, Rússia e África do Sul. No Brasil, esse percentual foi de 24%.
Outro problema, segundo o diretor do Ibre/FGV, foi a mudança na política de preços da Organização dos Países Exportadores de Petróleo no final de 2014, que teve forte impacto negativo sobre a indústria petrolífera global. A entidade atuou para derrubar o preço do petróleo, de modo a dificultar ou inviabilizar outros produtores, como os Estados Unidos, e a inibir o desenvolvimento de novos combustíveis, como o gás de xisto (shale gas, em inglês).
Em pouco mais de um ano, o preço do barril despencou 75%. “Depois daquele evento, os novos investimentos em extração e processamento da indústria petrolífera global recuaram cerca de 50%, nunca mais voltando aos níveis de 2013-14", diz Schymura. Em 2020-21, acrescenta, eles caíram mais 20% em função da agenda de combate às mudanças climáticas.
Este cenário, em 2015, atingiu a Petrobras em meio a um enorme programa de investimentos, lastreado nas descobertas do pré-sal. “Isso, claro, exacerbou o risco fiscal, já que o governo federal é o principal acionista da empresa”, diz o economista. E coincidiu com o escândalo da Lava Jato, que atingiu fortemente a petrolífera.
Outro componente de “falta de sorte”, conforme Schymura, que ajudaria a explicar o fraco desempenho na década perdida foi o fato de que entre 2012 e 2021, o volume de chuva no Brasil ter sido 17% inferior à média dos últimos 40 anos. A economia brasileira é altamente intensiva em água. O peso do agronegócio no PIB é de 27,4%, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/Esalq-USP). E a matriz energética brasileira é fortemente dependente da hidroeletricidade.
"A sorte não veio lá de fora"
O economista Bráulio Borges, também pesquisador do Ibre/FGV, calcula que o nível PIB brasileiro teria sido 22% maior em 2019, se não fossem os “azares”. Mas também reconhece o papel da política econômica frágil adotada entre 2012 e 2014.
“De fato, o impulso fiscal positivo de quase 3% do PIB [nesses anos], além de eleitoreiro e populista, foi excessivamente pró-ciclico, contribuindo para levar o país de volta a uma situação de déficit fiscal estrutural que não se observava desde o período entre 1996 e 1998”, cita Schymura em seu artigo no blog.
Barbosa diz que não são só os “azares” que influenciaram no cenário econômico. “Então, a sorte não veio lá de fora e a gente teve o azar também de fazer políticas econômicas que não estavam na direção correta.”
Ele cita que certamente houve decisões econômicas erradas, como a construção das refinarias da Petrobras. “São investimentos vultuosos mal feitos. Depois teve o controle de preços do petróleo feitos pela Dilma, levando a Petrobras a ficar extremamente endividada. Obrigou a Petrobras a comprar produtos caros, elevando seus custos e, além disso, diminuiu a receita. Depois você começou a fazer investimentos ou dar subsídios em setores da economia através do BNDES. Era preferível que isto não tivesse sido feito. Então, eu acho que é uma soma de erros de política econômica que geram resultados este resultado extremamente ruim.”
Segundo ele, o Brasil comete os seus próprios erros. “Nós temos que entender que do nosso destino depende do que nós façamos como um país. Não podemos ficar botando a culpa nos choques adversos que temos tido.”
Barbosa avalia que a pandemia agravou as “dores do paciente”. “A crise fiscal ficou pior com o socorro financeiro do governo para grande parte da população. A parada brusca da economia provocou recessão, destruindo empresas e empregos, piorando a estagnação. O mercado sozinho não dará conta de colocar a economia numa trajetória de crescimento que elimine a estagnação”, diz.
Ambiente pouco favorável para negócios
Outra questão que pesou no fraco desempenho da economia brasileira entre 2011 e 2020, de acordo com Cláudio de Moraes, professor do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), foi a manutenção do ambiente pouco favorável para os negócios no país.
Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, em 2010, o Brasil era o 129.° entre 183 países em facilidade para se fazer negócios. Dez anos depois, era o 124.° entre 190. “É preciso um melhor ambiente de negócios para poder crescer mais”, diz Moraes, defendendo uma série de mudanças micro e macroeconômicas.
Ele destaca que é preciso uma redução do custo Brasil e um sistema tributário mais simples, de forma a evitar uma guerra fiscal entre os entes da federação. Também é necessária uma estabilidade econômica e política, para garantir ao país uma visibilidade de médio e longo prazo.
“O país precisa ser mais simples para operar”, afirma o professor do Coppead/UFRJ. Também precisa, diz ele, de uma política econômica mais robusta. “O Brasil também precisa ser um país mais previsível.”
Falta "projeto de nação"
Os professores da PUC-PR lembram que há muito tempo o país não tem um “projeto de nação” de longo prazo. Eles afirmam que desde os anos 80, os governos se preocupam muito mais com problemas conjunturais, como a inflação, do que com programas de governo para a indústria, a inovação tecnológica e o comércio exterior.
Outra deficiência é a falta de melhoria contínua na produtividade do trabalho por meio de melhorias na qualidade do ensino. “A economia brasileira entrou em um ciclo de 'stop and go' [para e vai], com fases de revezamento entre baixo crescimento e dinamismo.”