Troca
País manda o couro e compra de volta bolsas e sapatos
O comércio de couro ilustra como funcionam as trocas entre Brasil e China. Os brasileiros vendem ao país asiático couro in natura ou com algum beneficiamento, e de lá importam sapatos, bolsas e outros acessórios.
"Não precisamos vender produtos industrializados para a China. O Brasil teria de ser uma plataforma de industrialização para atender a Europa e os Estados Unidos, e nisso concorrer com a China. Mas não somos competitivos nem aqui dentro, tanto que é mais barato importar um sapato de couro feito na China do que comprar um produzido no Brasil", diz o empresário Evandro Durli, dono da Durli Couros.
A empresa, de São José dos Pinhais, na região de Curitiba, exporta couro semimanufaturado, dos tipos wet blue e semi-acabado. Na China eles passam por mais uma etapa de beneficiamento e são usados principalmente por indústrias de móveis, veículos e calçados. Cerca de 70% da produção da Durli Couros é exportada e, desse volume, 40% vai para a China.
15,6% das receitas da indústria paranaense em 2013 vieram das vendas ao exterior, segundo a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep). Foi a menor fração em pelo menos 15 anos. Em 2008, a exportação garantiu 25,6% do faturamento total.
As exportações paranaenses nunca dependeram tanto da China. De 2000 para cá, o peso do país asiático nas vendas externas do Paraná saltou de 3% para quase 30%. Entre janeiro e junho deste ano, os chineses importaram US$ 2,35 bilhões em produtos do estado, o equivalente a 28% de todos os embarques, um recorde. No mesmo período do ano passado, a proporção era de 23%.
INFOGRÁFICO: Veja dados sobre a fatia chinesa nas vendas do Paraná
Uma vez que a China importa principalmente soja, o Paraná também está cada vez mais dependente do grão. Cerca de 30% das receitas de exportação do primeiro semestre vieram da oleaginosa, o maior índice desde pelo menos 1997, segundo o banco de dados do Ministério do Desenvolvimento.
O Paraná não está sozinho nessa. Entre soja, minério de ferro, petróleo e alguns outros produtos, 22% das exportações brasileiras nos seis primeiros meses do ano foram para a China, maior índice já registrado em um primeiro semestre.
Paranaenses e brasileiros exportam tanto porque souberam aproveitar o forte e prolongado processo de crescimento econômico chinês, que impulsionou a demanda por matérias-primas. "O Brasil não poderia deixar de usufruir desse ganho, diante do aumento no preço internacional desses produtos", diz Honorio Kume, professor de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
O risco é que um problema mais sério do outro lado do mundo pode ter efeitos desastrosos por aqui. "A especialização em um único país significa que a participação dos demais está caindo. E, caso algo ocorra com a China, é certo que as exportações paranaenses terão um impacto direto", avalia Rodolfo Coelho Prates, professor de mestrado e doutorado em Administração da Universidade Positivo.
Parceiro em crise
Ao menos por ora, crise é algo que parece improvável para a China. Sua economia cresce menos que na década passada, mas a taxa de expansão segue acima de 7% ao ano. Mas o Paraná já tem à disposição uma amostra do que acontece quando um grande parceiro comercial passa por dificuldades é o caso da Argentina.
Segundo maior cliente do estado lá fora, o país vizinho reduziu em 32% as importações de produtos paranaenses neste ano. A maior prejudicada é a indústria e, dentro dela, o setor automotivo. No primeiro semestre, os embarques de veículos do Paraná em direção à Argentina despencaram 44%. Como os argentinos compravam dois terços do total exportado pela indústria automobilística do estado, no cômputo de todos os países as vendas desses produtos caíram 33% neste ano.
Esse movimento agravou ainda mais a situação das montadoras, que já produziam menos por causa da estagnação das vendas domésticas. Pelo menos por ora, as empresas não parecem ter alternativas de peso no mercado externo. O segundo maior cliente internacional do setor, o Peru, importou de janeiro a junho o equivalente a um quinto do que a combalida Argentina comprou.
Indústria tem pior resultado em 15 anos
O avanço do comércio com a China coincide com o encolhimento da indústria brasileira nas exportações. No Paraná, por exemplo, a participação dos produtos industrializados nas vendas ao exterior, que beirou os 70% em meados da década passada, caiu a 42% em 2014, a pior marca em pelo menos 15 anos. Mais da metade do que o Paraná embarca hoje são produtos básicos, que não passam por qualquer transformação, como a soja.
Há quem defenda que grande parte dessa retração se deve à valorização do câmbio, que ajudou a minar a competitividade da indústria no exterior ao mesmo tempo em que estimulou o salto nas importações de industrializados, muitos deles da China.
Essa troca de matérias-primas por manufaturados lembra a época do Brasil Colônia. Mas é raro encontrar quem considere possível reverter a relação com os chineses, até porque em geral eles não têm interesse em comprar industrializados; preferem fabricá-los por conta própria. "A única estratégia que as empresas industriais podem ter é buscar outros mercados", avalia Rodolfo Coelho Prates, professor da Universidade Positivo.
Para Honorio Kume, da UERJ, o acesso a outros mercados passa por uma política de acordos comerciais, algo que o Brasil pouco fez nos últimos anos. "Além disso, é necessário reduzir as tarifas de bens de capital para estimular os investimentos de forma a elevar a competitividade da indústria", sugere.
Debate em aberto
Muitos economistas consideram que a perda de participação da indústria e a concentração em produtos básicos são prejudiciais ao país. Mas Kume considera que esse é um debate em aberto. "O dólar que é ganho com a exportação de manufaturas vale mais do que o dólar ganho com a exportação de produtos agrícolas somente se a indústria gerar benefícios a outros setores da economia por meio de difusão tecnológica, salários mais elevados, etc. No entanto, não há evidência empírica que apoie esta afirmação. Há apenas alguns casos isolados", argumenta.
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