A piora nas expectativas para a inflação, a forte alta da taxa básica de juros, a crise hídrica e o desaquecimento da economia abalaram a confiança de consumidores e empresários na economia brasileira.
Os indicadores de confiança estavam em alta desde abril, quando ganharam impulso após a segunda onda da Covid-19. Mas em setembro sofreram uma queda bastante disseminada.
Agora em outubro, as sondagens que o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) mostraram uma ligeira reação nos índices de confiança do consumidor e dos empresários do comércio e dos serviços, porém insuficiente para recuperar o patamar perdido no mês anterior. Enquanto isso, a confiança do empresário da construção caiu após cinco meses seguidos de alta, e a da indústria completou três meses seguidos em baixa.
Além disso, as sondagens mais recentes, divulgadas na semana que passou, provavelmente não captaram toda a deterioração de expectativas ocorrida com o plano do governo de mudar o arcabouço fiscal para pagar um benefício maior no Auxílio Brasil, a aceleração da inflação e o aumento no ritmo de alta dos juros.
Deterioração nas expectativas derruba confiança
“O quadro de crescimento econômico se manteve no final do terceiro trimestre, mas surgem no radar empresarial os riscos de uma crise, uma possível desaceleração da economia chinesa e o impacto gradual da alta dos juros no consumo interno”, diz o superintendente de estatísticas do Ibre/FGV, Aloisio Campelo.
Nos últimos dias, a aceleração da inflação – que chegou a 10,34% no acumulado de 12 meses até meados de outubro, segundo o IPCA-15 – e a forte alta da taxa de juros complicaram ainda mais o quadro da confiança.
Bancos, consultorias e corretoras revisaram para cima suas projeções de câmbio, inflação e juros nos últimos dias, ao mesmo tempo em que rebaixaram as perspectivas para o PIB. Foi uma reação à a tentativa do governo de alterar a regra do teto de gastos, principal âncora fiscal do país.
O Banco Central também reagiu e aumentou o ritmo de alta da taxa Selic na última quarta-feira: em vez de subir 1 ponto porcentual, como havia feito nas duas reuniões anteriores, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu um reajuste de 1,5 ponto porcentual, o maior desde a tensão provocada no mercado pela eleição de Lula (PT) em 2002. E o comitê avisou que deve fazer o mesmo na reunião de dezembro.
O mercado financeiro dá como certos outros dois aumentos na Selic no início de 2022, que levariam a taxa para o patamar dos dois dígitos. O que, se confirmado, deve desacelerar ainda mais a economia. As projeções para a expansão do PIB de 2022 compiladas no boletim Focus estão em queda há três semanas e chegaram a 1,4%, mas nos últimos dias várias instituições divulgaram estimativas bem mais pessimistas – o Itaú passou a prever queda de 0,5% na geração de riquezas no ano que vem.
Indústria com menos confiança
Pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que, em setembro, os 30 segmentos que compõem o setor registraram queda na confiança. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde março. Em outubro, houve nova queda, desta vez em 22 dos 30 segmentos.
Por enquanto, a percepção da CNI é de que a piora na confiança é um movimento passageiro. Em nota, a economista da CNI Larissa Nocko afirmou que a queda foi motivada pela piora na percepção sobre as condições atuais da economia e das empresas. “As expectativas para os próximos seis meses continuam positivas, por isso o índice de confiança de todos os setores se mantêm acima dos 50 pontos”, disse.
Um fator que contribuiu para esse humor mais contido no curto prazo é a crise hídrica. As contas de energia subiram 25% para os consumidores desde o início do ano, e 30% em 12 meses. E o nível dos reservatórios, embora tenha melhorado, ainda está baixo.
Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), no dia 28 os reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste – responsável por 70% do armazenamento total do país –, operavam com 17,93% de sua capacidade máxima. É quase 1 ponto porcentual acima do nível registrado dias antes; ainda assim, a situação é bastante delicada.
Um temor que vem de fora do país é o risco de aceleração da inflação mundial, que pode levar os bancos centrais das principais economias mundiais a reduzirem os estímulos monetários, como deve ocorrer nos Estados Unidos a partir de novembro, e aumentar as taxas de juro. Projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que a economia mundial terá uma inflação de 4,8% em 2021, a maior em 14 anos.
A preocupação é de que essa alta nos preços acabe contaminando a atividade econômica global. “Isto poderia ter um reflexo direto na economia brasileira, já que tem commodities – como minério de ferro, soja e petróleo – como os principais produtos da pauta de exportação”, cita Campelo.
Aliada a essa preocupação, há o temor de uma desaceleração mais forte da economia chinesa, responsável por 38% da pauta de exportações brasileira, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Além de problemas no abastecimento de energia, há o temor de uma crise no mercado imobiliário da segunda maior economia mundial.
O aumento no preço dos combustíveis é outra fonte que desmotiva os empresários, porque afeta os custos da produção. O óleo diesel, usado no transporte, ficou 34% mais caro neste ano, e em 12 meses subiu quase 38% na média nacional, segundo o IPCA-15, do IBGE.
Consumidores estão mais preocupados que as empresas
As expectativas dos consumidores pioraram por dois meses seguidos, em agosto e em setembro, interrompendo a tendência de recuperação iniciada em abril, após a 2.ª onda de Covid-19. Os números melhoraram um pouco em outubro, mas nem de longe compensaram a variação anterior: após cair 6,9 pontos nas duas medições anteriores, o índice de confiança subiu 1 ponto neste mês, segundo o Ibre/FGV.
Os consumidores estão mais preocupados com a inflação persistente, a alta nos juros e o risco de uma crise energética. E, de acordo com a FGV, estão mais reticentes do que as empresas.
Outros fatores que pesam, segundo a coordenadora de sondagens do Ibre/FGV, Viviane Seda Bittencourt, são o desemprego elevado e o aumento da incerteza econômica e política. O impacto no humor é mais acentuado entre os consumidores de menor poder aquisitivo, cujas expectativas em relação à evolução da situação econômica geral atingiram em setembro o pior nível desde abril de 2016.
Incerteza continua elevada, apesar de pequena melhora em outubro
Acompanhando a ligeira melhora da confiança do consumidor e os índices do comércio e dos serviços, o Índice de Incerteza na Economia (IIE) diminuiu um pouco em outubro, mas não o suficiente para compensar a forte alta anterior.
O IIE cedeu 2,6 pontos em outubro, para 131,3 pontos, após subir quase 15 pontos no mês anterior. Com isso, ainda está 16,2 pontos acima do nível de fevereiro de 2020, quando a pandemia chegou ao país.
"O resultado [de outubro] reflete a continuidade da melhora do cenário sanitário, com o avanço da vacinação e da flexibilização das medidas de restrição à mobilidade, além de um ligeiro abrandamento das tensões no ambiente político. Estes fatores, no entanto, ainda podem voltar a pressionar o IIE-Br, adicionado a temas como a inflação elevada, risco de crise energética e impasse em relação ao cenário fiscal", afirmou em nota Anna Carolina Gouveia, economista do Ibre/FGV.
"Com tudo isso no radar dos agentes econômicos nos próximos meses, o indicador deve se manter por algum tempo distante da média (já elevada) de 115 pontos observada entre 2015-2019”, complementou.
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