Legislação
Nomenclatura para escapar das limitações
Apesar de a fatura de luz especificar a porcentagem do valor destinada aos principais impostos, como o ICMS e o Cofins, a listagem dos encargos não é relacionada. Para associações e entidades do setor elétrico, a falta de transparência sobre os custos embutidos na energia contribui para que o consumidor seja lesado sem ao menos saber quais são e para onde vão esses custos extras.
"O governo sempre quer arrecadar mais e se baseia nessa falta de transparência junto à sociedade. O problema é que ninguém tem noção dos impostos que paga. Cabe à sociedadade, na medida em que toma conhecimento dos fatos, pressionar os políticos na direção correta", defende o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales.
Para o advogado e professor de Direito Tributário da PUCPR André Folloni, apesar da denominação diferente, os encargos podem ser considerados como "verdadeiros tributos", criados pelo governo para instrumentalizar sua atuação na área ou, em caráter de taxa, para remunerar a atividade de fiscalização exercida pelo próprio poder público. A diferença fundamental, porém, é que os encargos não sofrem as limitações constitucionais impostas aos tributos estes não podem ser cobrados no mesmo ano em que são instituídos, têm de obedecer o prazo mínimo de 90 dias para pagamento, não podem ser confiscatórios e precisam respeitar a capacidade contributiva. "Os encargos escapam dessas regras específicas, bastando que sejam instituídos em lei. Como se vê, chamar o tributo de encargo pode ser interpretado como uma prática destinada a escapar dessas limitações, que são reflexos de direitos individuais garantidos pela Constituições", afirma Folloni.
RGR, CCC, ESS. Mais do que apenas abreviaturas desconhecidas por grande parte da população, essas siglas representam alguns dos encargos cobrados nas contas de energia elétrica de todo o país. Somente em 2010, eles geraram uma arrecadação para os cofres da União de R$ 8,46 bilhões. Considerando os demais 11 encargos que incidem sobre a fatura de luz, o montante recolhido no ano passado vai para R$ 17 bilhões, segundo levantamento da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Praticamente "escondidos" na conta de luz, os chamados encargos setoriais são hoje responsáveis por 9% do valor da energia paga pelo consumidor, de acordo com o Instituto Acende Brasil.
Ao lado dos demais tributos federais, estaduais e municipais sendo o ICMS o mais importante em termos de arrecadação , eles fazem com que 45,08% do valor da energia no país corresponda somente a impostos. Ao contrário dos tributos, porém, a lista dos encargos não é relacionada na fatura.
A discussão sobre a finalidade dos 14 encargos do setor elétrico, criados ao longo das décadas como forma de custear despesas de órgãos públicos, financiar investimentos e políticas públicas do setor, ganhou força nas últimas semanas, com a possibilidade de prorrogação de um deles, a Reserva Global de Reversão (RGR). O encargo, criado em 1957 para indenizar eventuais concessões que voltassem às mãos do governo, deveria ter sido extinto em 1.º de janeiro deste ano. Porém, a Medida Provisória 517/2010, assinada pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva em 31 de dezembro passado, prorrogou a RGR por mais 25 anos o que pode gerar uma receita de R$ 50 bilhões para a União por meio da cobrança nas faturas de luz. O fundo de reserva acumula hoje R$ 15,6 bilhões.
A MP agora terá de passar por aprovação na Câmara dos Deputados e Senado. Segundo o relator da medida, o deputado João Carlos Bacelar (PR-BA), 19 emendas parlamentares já foram propostas sobre a RGR, sendo que 16 preveem o fim ou a redução gradual do encargo. Ainda não há data para a votação no Congresso, que enfrenta forte lobby de dois lados contrários: do governo, que quer manter a receita adquirida com a RGR, considerada estratégica para manter o superávit fiscal, e do setor industrial, que vê na carga tributária embutida no custo da energia um forte empecilho para a competitividade e desenvolvimento da área.
Custos
A reivindicação das associações industriais ganha força em estudos e levantamentos produzidos sobre a tributação do setor. Segundo um estudo feito para o Projeto Energia Competitiva (PEC), que é coordenado pela Abrace, o preço médio da energia elétrica no setor industrial brasileiro chega a ser o dobro de outras potências industrializadas, como a China, Rússia e França (veja infográfico). Isso em um país que concentra 10% do potencial hidrelétrico mundial, atrás apenas de China e Rússia.
"Temos um produto essencial para a população e a indústria que está sendo sobretaxado. No fundo, você tem um conjunto bastante significativo de encargos que travestem políticas públicas, atendendo determinadas categorias. Não questionamos o mérito de se subsidiar, por exemplo, parte do custo das termelétricas que atendem os consumidores da Região Norte. A questão é: todos os consumidores devem arcar com isso ou esses custos deveriam ser pagos pelo governo?", argumenta Fernando Umbria, assessor na área de energia elétrica da Abrace.
Arrecadação
Apesar de o montante da arrecadação com os encargos ser conhecido, seu destino não está claro, criticam as associações. O próprio fundo da RGR nunca foi utilizado para a finalidade para o qual foi criado dos R$ 15,6 bilhões administrados pela Eletrobras, R$ 6,6 bilhões foram emprestados para o setor de energia e o restante gera superávit fiscal para o governo. Já a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), criada com a finalidade de fomentar o desenvolvimento energético dos estados, tem a maior parte da arrecadação nos últimos anos destinada a projetos específicos para atender consumidores de baixa renda, como o programa Luz Para Todos, conforme demonstrações da própria Eletrobras.
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