A ida ao mercado ganhou um novo ingrediente na rotina do consumidor brasileiro: o recebimento de selos colecionáveis que podem ser trocados por itens de cozinha, quase sempre facas profissionais. Ao menos quatro grandes empresas do ramo lançaram promoções do tipo em 2018, gerando uma corrida pelos brindes que chegou até à criação de um mercado secundário de selos em sites de e-comerce.
Angeloni, Carrefour, Grupo GPA (com as bandeiras Extra e Pão de Açúcar) e Muffato apostaram nos selos colecionáveis para aumentar a recorrência e o tíquete médio das compras. Outra grande motivação dessas promoções é crescer as bases dos clubes de benefícios, tendência mais antiga e já consolidada no setor. Para atrair os que ainda não se deixaram conquistar pelos descontos exclusivos dos clubes, são oferecidas vantagens, da troca exclusivamente por selos (sem acréscimo de dinheiro) à restrição total da promoção a esses clientes cadastrados.
Há leves variações entre uma rede e outra, mas as promoções seguem um mesmo modelo: para ganhar os brindes, o consumidor precisa apenas fazer compras e colar os selos recebidos em uma cartela que o próprio mercado fornece. A quantidade de selos recebidos varia de acordo com o valor na nota fiscal — de R$ 20 a R$ 50 por selo. No Extra e no Muffato, existem os “produtos aceleradores”, que valem selos por si só, ou seja, independentemente do valor da compra.
É preciso juntar uma quantidade de selos para trocar pelos produtos, que em quase todos os casos são facas com a grife de sucessos televisivos da gastronomia, como do chef Jamie Oliver (Muffato) e do reality show Masterchef (Carrefour). As mais simples e acessórios como amoladores e tábuas exigem menos selos que cutelos e facas mais elaboradas, por exemplo. Em alguns casos, existe também a opção de complementar os selos com dinheiro — em vez de juntar 60 selos para ganhar a faca mais simples no Extra, por exemplo, o consumidor pode juntar 30 e acrescentar R$ 19,99 para levá-la antes.
Em média, as promoções duram cerca de quatro meses. (As do Carrefour e Pão de Açúcar terminaram em meados de julho e a do Angeloni se encerra em 5 de agosto.) O Carrefour informou que “devido ao grande sucesso das campanhas, ações semelhantes continuam fazendo sentido para a marca”.
Fidelização é principal ganham relatado pelos supermercados
As primeiras promoções do tipo foram lançadas em 2016 por Carrefour e Pão de Açúcar, na cidade de São Paulo — no caso do Pão de Açúcar, também no Rio de Janeiro.
O sucesso foi grande o suficiente para motivar as duas redes a lançarem novas promoções, desta vez com alcance nacional. “O consumidor brasileiro, acostumado com ações semelhantes, recebeu muito bem esta iniciativa, garantindo uma segunda edição da campanha neste ano”, disse Silvana Balbo, diretora de marketing do Carrefour Brasil.
O fato de esses selos estarem sendo revendidos em sites como Mercado Livre e OLX sinaliza que há demanda por parte dos consumidores. Mas esse não é o único indício de que o negócio dos selos pegou no Brasil.
Os números também impressionam. No Carrefour, a segunda edição da campanha, encerrada em 17 de julho, distribuiu 68 milhões de selos e 633 mil brindes — 90% deles “pagos” apenas com selos, sem complemento em dinheiro.
No Extra, que lançou sua promoção em abril, já foram distribuídos 183 milhões de selos e 900 mil facas. O resultado foi tão positivo que ganhou destaque no último balanço financeiro do Grupo GPA, dono da Via Varejo, que administra as bandeiras Extra, Pontofrio e Casas Bahia: “Adicionalmente, o lançamento da campanha ‘Juntou & Ganhou’, com benefícios exclusivos para os clientes do programa de fidelidade Clube Extra, contribuíram para a performance”. De acordo com a assessoria do GPA, o tíquete médio dos clientes mais que dobrou nas lojas do Extra após a promoção.Atualmente, 60% de todas as compras feitas no Extra são de clientes que participam do clube de fidelidade da bandeira.
O Muffato, último a entrar na onda dos selos, ainda não tem dados para compartilhar, mas enxerga a iniciativa como mais um benefício aos clientes do seu clube de benefícios, o Clubefato. Regina Pereira, gerente de marketing, explica que ela é parte de um conjunto de ações direcionadas a esse público: “As facas colecionáveis são mais um diferencial para o cliente Clubefato, como buscamos executar desde o lançamento do programa em 2015”.
Para Pereira, os selos transcendem o benefício dos brindes. “Por que ainda colecionamos figurinhas da Copa do Mundo? Ela poderia ser digital, com a gente comprando e baixando, mas não. A história de comprar, colar, curtir a figurinha, ainda tem algo de muito lúdico”, explica.
Vale a pena para o consumidor?
Se para os mercados a promoção atrai mais gente às lojas e eleva o tíquete médio, para o consumidor o benefício não é tão óbvio, embora possa existir.
Amilton Dalledone, especialista em finanças pessoais e professor da FAE Centro Universitário, diz que há um forte apelo emocional em receber um benefício de uma ação que já seria feita de qualquer forma (fazer compras no mercado), mas que é preciso atenção para não elevar muito os gastos apenas em razão do brinde.
“Ter o selo para fazer a troca é interessante porque o consumidor tem um benefício, contudo ele tem que avaliar e não fazer compras compulsivas, ‘só porque [tem o selo]’”, diz. Dalledone lembra que, como as promoções têm prazo, esse e outros fatores acabam exercendo pressão no consumidor para que ele inclua mais produtos do que o necessário na compra. Os produtos “aceleradores” do Extra e do Muffato também podem desencadear compras que, sem a promoção, não seriam realizadas.
Uma ideia dada pelo professor Dalledone é juntar várias pessoas e preencher uma cartela só, um “clube de amigos”, como ele chama, acelerando o processo. Mas quem fica com a faca? “Essa pessoa paga uma pizza para todo mundo”, responde rindo.
No geral, o brinde das facas é interessante quando não altera muito a rotina do consumidor. Além dos gastos extras, outro efeito das promoções de selos é a fidelização, ou seja, quando o consumidor que comprava em dois ou mais mercados, feiras e outros estabelecimentos acaba concentrando todas as compras em um mercado só a fim de aumentar o ganho dos selos.
Para Dalledone, essa estratégia nem sempre compensa: “O brinde é legal, mas eu preciso dele? Aquela coleção de facas vale quanto? Financeiramente falando, teria que procurar o mercado mais barato, comprar e economizar, e aí, com o dinheiro que sobra, eu faço o que achar melhor”.
O infográfico abaixo explica o que é preciso para ganhar uma faca e o conjunto inteiro. As promoções do Angeloni e Carrefour já se encerraram e contam apenas como referências para as demais.