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As últimas crises econômicas vividas no Brasil acabaram flexibilizando um pouco o acesso ao até então intocável Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Não foi diferente durante o enfrentamento à pandemia da Covid-19 e, entre as medidas de proteção adotadas, está a possibilidade de um saque extraordinário do FGTS, de até R$ 1.045 para trabalhador.
Instituído pela medida provisória 946/2020, o saque emergencial pode caducar caso não seja aprovado até esta terça-feira (4). E corre esse risco graças a uma “bondade” acrescentada pelo líder do governo no Senado, que surpreendeu deputados e desagradou à base governista. Se isso acontecer, parte dos trabalhadores pode ficar sem retirar o dinheiro por causa do calendário de pagamentos.
A proposta havia sido aprovada na Câmara na madrugada do dia 30 de julho. O relator, deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), chegou a incluir em seu parecer a possibilidade de liberar, para os trabalhadores que aderiram à modalidade do saque aniversário, a retirada total do saldo em razão da pandemia, para aqueles que foram demitidos sem justa causa.
A iniciativa não foi para frente porque um destaque sugerido por deputados da base governista retirou essa possibilidade do texto. A justificativa? A medida desequilibraria o FGTS e ameaçaria sua sustentabilidade, em função das milhares de demissões em decorrência da pandemia. Além disso, sobrariam menos recursos para os programas sociais que são financiados pelo fundo.
Senado ampliou pacote de bondade com o FGTS
Por isso, surpreendeu parte dos deputados a iniciativa do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo naquela Casa. Ele aglutinou destaques que foram apresentados por outros senadores também com o objetivo de ampliar o acesso dos trabalhadores aos recursos do FGTS durante a crise do coronavírus.
A emenda, que acabou aprovada no Senado, é bastante ampla. Ela estabelece que, durante a pandemia, as pessoas que optaram pelo saque aniversário poderão movimentar todo o saldo da conta do FGTS, inclusive as inativas. E isso vale não só para quem foi demitido sem justa causa, mas também para quem pediu demissão no período – essa é uma concessão que não existe no regramento atual do FGTS em nenhuma hipótese. Bezerra ressaltou que o governo não tem compromisso de sanção com essa modificação.
Como os senadores mudaram o texto, ele precisa voltar a ser apreciado na Câmara e está na pauta desta terça. Se não for aprovada, a MP vai perder a validade. Deputados estão divididos: enquanto parte da base governista se mobiliza para que a proposta não seja votada, oposição e defensores da ampliação ao acesso do FGTS querem articular garantias para que o governo sancione a alteração.
Ainda no ambiente legislativo, o clima de rivalidade entre deputados e senadores ficou explícito – e também as dificuldades de articulação do governo nas duas casas. A proposta de ampliar acesso ao FGTS, quando feita na Câmara, foi derrubada pela base, mas acabou ampliada no Senado com aval da liderança do governo.
Além disso, os deputados não querem ficar com a pecha de malvados, caso derrubem essa ampliação e deixem a MP caducar. Por isso, podem aprovar o texto como está e repassar o ônus da decisão para o presidente Jair Bolsonaro, que terá de decidir se sancionará ou vetará a mudança.
Situação do trabalhador pode ficar complicada
A situação do trabalhador que quer sacar o dinheiro do FGTS com a possibilidade de a MP caducar fica indefinida. Isso ocorre porque o governo não pode editar outra medida provisória sobre o mesmo assunto no mesmo ano legislativo. A solução, para que não restassem dúvidas sobre o pagamento, seria a edição de um decreto legislativo pelo Parlamento regulando o assunto. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo explicam que há base e entendimento para manter ou suspender o pagamento do saque emergencial do FGTS.
Para Thiago Guimarães, advogado trabalhista sócio do Guimarães Parente Advogados, o entendimento é de que não há direito adquirido nessa situação, caso a MP caduque. “Então, caso ela não seja aprovada, quem não efetuou o saque não vai ter direito de fazer posteriormente, justamente porque nesses casos não existe direito adquirido”, diz.
Já na avaliação de Claudia Abdul Ahad Securato, advogada trabalhista e sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados, existe possibilidade de manter o calendário de pagamentos por causa do princípio da isonomia. “Todos terão direito de sacar o valor, mesmo que a lei tenha caducado, até porque o calendário de saque completo saiu na vigência da medida provisória”, argumenta.
O calendário de pagamentos foi definido pela Caixa Econômica Federal, com base na data de nascimento do trabalhador e foram divididos em duas modalidades: crédito em Conta Caixa TEM ou disponibilidade para saque ou transferência. Os pagamentos começaram no dia 29 de junho.
Pelo cronograma do banco, certamente receberiam os valores os trabalhadores que optaram pelo crédito na conta Caixa TEM nascidos até junho – para esses, o depósito foi feito nesta segunda-feira (3). Já entre os que optaram pelo saque, só estariam garantidos os recursos para os nascidos em janeiro, cujo dinheiro foi disponibilizado no dia 25 de julho.
Para as pessoas nascidas entre julho e dezembro, o dinheiro estaria liberado na conta Caixa TEM entre 10 de agosto e 21 de setembro. No caso do saque ou transferência, o cronograma libera o dinheiro para nascidos entre fevereiro e dezembro entre os dias 8 de agosto e 14 de novembro.
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com o Ministério da Economia para saber como ficam os pagamentos para as pessoas cuja data de nascimento não permitiu o recebimento dos recursos. Por meio de nota, a pasta informou que "se a Medida Provisória nº 946/2020 perder a eficácia, o parlamento precisará editar um decreto legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados por sua vigência".
O texto foi atualizado 18h30 para inclusão da nota do Ministério da Economia.
Atualizado em 04/08/2020 às 10:39